MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. ADPF 1.068 e a proteção da saúde e segurança dos servidores públicos: STF vai decidir sobre a aplicação das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego

ADPF 1.068 e a proteção da saúde e segurança dos servidores públicos: STF vai decidir sobre a aplicação das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego

O STF analisa a aplicação das Normas Regulamentadoras a servidores públicos estatutários e a competência da Justiça do Trabalho para julgar esses casos.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Atualizado em 26 de fevereiro de 2025 09:40

O STF está analisando a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental1 (ADPF) 1.068, que discute a aplicação das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego aos servidores públicos estatutários estaduais. Ou seja, aqueles que possuem vínculo com o poder público por meio de leis específicas, conhecidas como regime jurídico.

Além disso, analisa a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar demandas sobre o tema. O julgamento, que pode ter um impacto profundo na proteção da saúde dos trabalhadores do setor público, já conta com votos divergentes entre os Ministros da Corte.

Entenda o que está em debate:

Atualmente, há entendimento na Justiça do Trabalho de que tais normas regulamentadoras, que estabelecem regras de saúde, higiene e segurança no ambiente de trabalho, devem ser aplicadas não apenas aos trabalhadores regidos pela CLT, mas também aos servidores públicos estatutários. O objetivo é garantir condições laborais seguras, independentemente do vínculo jurídico do trabalhador com a Administração Pública.

Inclusive, o Ministério Público do Trabalho, por meio da sua CODEMAT - Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, fixou orientação de que o respeito a tais Normas Regulamentadoras deve ser exigido dos órgãos públicos2:

Orientação n. 7, da CODEMAT - Administração Pública. Atuação na defesa do meio ambiente do trabalho. O Ministério Público do Trabalho possui legitimidade para exigir o cumprimento, pela Administração Pública direta e indireta, das normas laborais relativas à higiene, segurança e saúde, inclusive quando previstas nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, por se tratarem de direitos sociais dos servidores, ainda que exclusivamente estatutários.

O STF, até o momento, possui entendimento de que "compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores", conforme estabelece sua Súmula nº 736.

Entretanto, o Governador do Estado do Espírito Santo propôs a ADPF questionando decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Nessas decisões, a Justiça do Trabalho reconheceu o descumprimento do poder público na implementação das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego a servidores públicos estatutários estaduais. Muitas ações foram ajuizadas após inspeção realizada pelo Ministério Público do Trabalho.

Em algumas ações ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, presentes no debate perante o Supremo Tribunal Federal, é possível constatar que laudos técnicos concluíram haver problemas envolvendo temperaturas muito elevadas em razão da falta de ventilação, irregularidades nas instalações hidrossanitárias dos banheiros e problemas relacionados à ergonomia.

Os argumentos das partes e o impacto para os servidores públicos:

O Governador do Estado do Espírito Santo argumenta que essas decisões interferem na autonomia dos Estados Federados e violam o princípio da legalidade, pois inexiste uma previsão legal que o obrigue a cumprir tais Normas Regulamentadoras. Sustenta, ainda, que tais decisões têm trazido problemas para os cofres públicos. Alguns Estados, como Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, em petição conjunta, já ingressaram no debate.

Por outro lado, entidades de representação de servidores públicos defendem a aplicação e o respeito às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. Também defendem a competência da Justiça do Trabalho para avaliar eventual descumprimento dessas normas. Esses argumentos seguem o entendimento da Justiça do Trabalho, que considera a questão como tutela do meio ambiente do trabalho e não apenas da relação jurídico-administrativa do servidor com o ente público.

No julgamento da ADPF, dois entendimentos principais emergiram:

  • O voto do ministro Flávio Dino (relator) estabelece que todas as normas de segurança e saúde do trabalho devem ser aplicadas ao setor público, independentemente da natureza jurídica do vínculo. Para o Relator, a Justiça do Trabalho deve permanecer competente para julgar ações sobre o tema, pois a questão envolve a proteção do meio ambiente do trabalho, que deve abranger todos os trabalhadores. No entanto, o Relator ressalvou a competência da Justiça comum (estadual ou federal) em relação aos direitos individuais dos servidores públicos, como já decidido pela Corte.
  •  O voto do ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes, sustenta que a regulamentação da proteção da saúde e segurança desses servidores deve ser feita pelo estatuto jurídico da categoria e, somente quando silente ou incompleto, é que devem ser aplicadas as normas regulamentadoras. Além disso, defende que a competência para julgar esses casos é da Justiça Comum, e não da Justiça do Trabalho.

O impacto da decisão do STF será significativo. Caso a Corte determine que as Normas Regulamentadoras emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego não se aplicam aos servidores estatutários estaduais, poderá haver um enfraquecimento das garantias de saúde e segurança no serviço público, uma vez que muitos estatutos não contêm regras tão detalhadas sobre o tema. Tal decisão poderia gerar desigualdade entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes, mas que estariam submetidos a diferentes graus de proteção.

É importante enfrentar a situação com a compreenssão de que se trata da tutela de um direito metaindividual, pois envolve a proteção do ambiente laboral, cujos titulares não são imediatamente identificados. Conforme observado em decisões da Justiça do Trabalho, na grande maioria dos órgãos públicos, atuam, em um mesmo ambiente, trabalhadores terceirizados, estagiários, temporários e servidores efetivos. Como estabelecer regras distintas para um mesmo ambiente laboral? A Justiça do Trabalho possui expertise nesse tema, contando com a atuação especializada do Ministério Público do Trabalho.

Também, como destacado pelo ministro relator em seu voto, é fundamental reconhecer que as normas de saúde e segurança do trabalho em discussão foram editadas com o objetivo de proteger a integridade física e psíquica de todos os trabalhadores expostos a condições laborais semelhantes.

A ADPF 1.068 representa um marco na discussão sobre os direitos dos servidores públicos em matéria de segurança e saúde no trabalho. A decisão do STF terá repercussão para servidores estatutários de todo o país. Diante da relevância da ação, é essencial que servidores, sindicatos e a sociedade acompanhem de perto o desfecho do julgamento.

O processo foi destacado pelo Ministro Edson Fachin, possibilitando que a discussão, antes realizada apenas no ambiente virtual, ocorra de modo presencial. Em 04/02/2025, o Ministro relator solicitou a inclusão do caso na pauta de julgamento e, em breve, a matéria voltará ao Plenário da Corte.

_____

1 A ADPF é um instrumento jurídico pelo qual é possível questionar se determinada decisão judicial viola a Constituição Federal.

2 Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/trabalho-tecnico-000014-2022.pdf. Acesso em 23 de fevereiro de 2025.

Miriam Cheissele dos Santos

Miriam Cheissele dos Santos

Advogada, sócia do escritório Cassel Ruzzarin Advogados, com experiência na área do Direito Coletivo e Administrativo, com ênfase nas temáticas relacionadas aos servidores públicos. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestre em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (PPGD/UFSM) na área de concentração Direitos Emergentes na Sociedade Global. Pós-Graduação em Direito Privado Contemporâneo pela Faculdade de São Vicente (Unibr).

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca