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O controle e a fiscalização do termo de referência dos editais de licitações pelos tribunais de contas

A lei de licitações e contratos administrativos (lei 14.133/21) reforça a importância do TR - Termo de Referência na transparência e eficiência das contratações públicas.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Atualizado em 25 de fevereiro de 2025 14:22

Uma das principais finalidades da lei de licitações e contratos administrativos (lei 14.133/21) é promover o planejamento, a isonomia e a eficiência no dispêndio de recursos públicos direcionados a contratações administrativas, prevendo instrumentos para que o gestor público se utilize com o objetivo de estruturar um certame licitatório válido e que possa perseguir o interesse público e as necessidades da administração.

Nesse sentido, logo no capítulo de definições, o art. 6º da referida lei conceitua tais instrumentos objetivando a clareza na interpretação dos dispositivos legais. Um deles, o TR - Termo de Referência, objeto do presente artigo, é definido no inciso XXIII a partir dos elementos básicos que tal documento deve ter para atender às finalidades da licitação, evidenciando a necessidade da contratação por parte do Poder Público no caso concreto, sendo eles:

a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação;

b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas;

c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;

d) requisitos da contratação;

e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;

f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;

g) critérios de medição e de pagamento;

h) forma e critérios de seleção do fornecedor;

i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado; e

j) adequação orçamentária.

Ademais disso, a lei 14.133/21 inova ao prever, no art. 19, inciso IV, que o Termo de Referência é um dos documentos obrigatórios na fase preparatória da licitação, reforçando sua relevância como peça estruturante do processo, sendo certo que o art. 23 destaca a necessidade de que os estudos técnicos preliminares, que fundamentam o TR, sejam realizados preferencialmente por equipe multidisciplinar, garantindo maior robustez técnica à definição do objeto e à estimativa de custos.

Assim, se depreende dessas previsões e definição legal que o Termo de Referência, enquanto ponto de partida da licitação, se coaduna com os princípios basilares da Administração Pública, dentre os quais os da legalidade, finalidade, moralidade e eficiência. A despeito da discricionariedade do administrador na escolha da alocação dos recursos do erário, as contratações públicas devem necessariamente atender ao interesse público subjacente, utilizando-se dos meios permitidos por lei para (i) identificar necessidades do Estado a serem satisfeitas por meio do contrato; (ii) determinar, com base em estudos técnicos, a melhor alternativa dentre todas as possíveis; e (iii) atestar a disponibilidade de recursos públicos para viabilizar a contratação.

Todos estes requisitos devem ser devidamente elencados no TR para evitar a irresponsabilidade fiscal, o direcionamento da licitação e a corrupção. Em analogia à teoria dos frutos da árvore envenenada, todos os atos posteriores do certame licitatório, como a elaboração do Edital, estarão maculados com os vícios de um TR falho e poderão ocasionar eventual prejuízo ao erário, como se vê no seguinte excerto de acórdão do Tribunal de Contas da União1:

Nos autos e pelo já exposto nesta instrução, observa-se que as irregularidades, que se iniciaram na fase interna do certame (irregularidade no termo de referência e ausência de pesquisa de preços), perpassaram a fase externa (edital com cláusula que restringiu o certame) da licitação, culminando com um certame direcionado para a empresa APLICAR. Na execução do contrato, teve-se também o pagamento antecipado por um produto que não atendeu o objeto do convênio; ou seja, restou caracterizado a inexecução do objeto, visto que o software era incompatível com o sistema operacional (livre) do computador licitado, configurando-se, assim, a fraude à licitação e o dano ao erário em face da inexecução do objeto.

Com o início da fase externa da licitação quando da publicação do Edital, qualquer cidadão, empresa, associação ou entidade interessada poderá impugnar o instrumento convocatório ou solicitar esclarecimentos, nos termos do art. 164 da lei de licitações. É comum verificar, por exemplo, impugnações que versam sobre a impossibilidade do objeto a ser contratado ou a restrição à competitividade, remetendo-se às especificações técnicas expostas no Termo de Referência.

Nesse sentido, compete aos órgãos de controle interno e externo da Administração a fiscalização do Termo de Referência, bem como dos demais instrumentos e fases da licitação.

Quanto aos órgãos de controle interno, as controladorias são as responsáveis por fiscalizar a Administração, bem como todos aqueles que recebam verba do erário, na defesa do patrimônio público, na prevenção e combate à corrupção, na transparência da gestão e no planejamento dos gastos estatais.

Nesse sentido, a lei 14.133/21, em seu art. 169, reforça o papel do controle interno ao prever que os órgãos devem instituir sistemas de gestão de riscos e controles internos para avaliar a regularidade das contratações, incluindo a análise do TR como etapa essencial.

Dentre os órgãos de controle externo, por sua vez, são os Tribunais de Contas que têm protagonismo na vigilância do orçamento e das contratações públicas. Sua competência inclui não só a análise jurídica dos requisitos dos atos e contratos administrativos, mas também a fiscalização técnica e contábil, cumprindo as atribuições definidas no art. 71 da CF/88.

Isto é, à Corte de Contas foi reservada a função de supervisionar a celebração e a execução de tais contratos e a alocação dos recursos públicos e, neste ínterim, inclui-se o exame prévio dos atos internos da licitação, podendo suspendê-la se verificada alguma irregularidade. Se for constatado eventual dolo, com a pretensão de se manipular as regras da disputa e impor restritividade ou permitir o favorecimento de determinados licitantes, este Tribunal pode remeter os autos ao Ministério Público para apuração de eventuais atos de improbidade administrativa ou crimes contra a Administração, além da competência para aplicação de multas.

Vale destacar que o art. 172 da lei 14.133/21 prevê que os Tribunais de Contas podem, em caso de irregularidades graves, determinar a suspensão cautelar do processo licitatório ou a anulação de atos, desde que fundamentado em risco iminente ao erário ou ao interesse público, ampliando os mecanismos de controle externo.

De acordo com Dimas Ramalho, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo2, as irregularidades mais comuns na fase interna da licitação, incluindo a fase de elaboração do TR, são as seguintes:

"(1) a condição estrutural da licitação (modalidade licitatória, tipo de licitação, rito procedimental do certame), (2) a definição e formatação do objeto (excessos ou falhas nas especificações, formação de lotes sem atenção à natureza ou origem comum dos componentes, aglutinação irregular), (3) as condições gerais de participação (consórcios, cooperativas, empresas apenadas com suspensão/impedimento, empresas sob recuperação judicial), (4) os requisitos de habilitação, (5) os critérios de análise e julgamento das propostas (laudos, certificações, amostras, orçamento estimativo), (6) bem como às condições de fornecimento e/ou prestação dos serviços (prazos de entrega ou início dos serviços, rede credenciada, subcontratação)."

Remetendo-se ao supracitado art. 6º, XXIII, da lei de licitações, verifica-se que boa parte das falhas mencionadas acima decorrem de elementos estipulados inicialmente no TR, que refletirão necessariamente em falhas no instrumento convocatório, cabendo ao Tribunal de Contas suspender liminarmente o prosseguimento de certame eivado dos referidos vícios. Para tanto, justifica-se maior atenção dada à elaboração do Termo de Referência e ao atendimento dos seus pressupostos pelo Edital, para que a contratação pretendida não encontre óbice quando do exame pela Corte de Contas.

__________

1 TCU; Acórdão 3161/2016 - Plenário; Tomada de Contas Especial; Relator(a): Ana Arraes; Data da sessão: 07/12/2016

2 RAMALHO, Dimas. Controle Externo Preventivo: Exame Prévio de Edital permite que Tribunal de Contas atue antes de falhas e fraudes em licitações. Publicado em 11/05/2021. Disponível em: https://www.tce.sp.gov.br/publicacoes/artigo-controle-externo-preventivo-dimas-ramalho

Camillo Giamundo

Camillo Giamundo

Sócio fundador do escritório Giamundo Neto Advogados

Leonardo Muradian Cundari

Leonardo Muradian Cundari

Acadêmico de Direito da Universidade de São Paulo - USP.

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