Foro de eleição aleatório e o STJ
A lei 14.879/24 restringe a eleição de foro, exigindo vínculo com as partes ou o negócio. O STJ definiu sua aplicação apenas a ações iniciadas após a vigência.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
Atualizado em 25 de fevereiro de 2025 14:00
O foro de eleição é uma espécie de negócio jurídico processual, as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações (art. 63, CPC1).
A lei 14.879/24 alterou o art. 63, parágrafos 1º e 5º, do Código de Processo Civil, especialmente tratando que a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.
Ainda, estabelece o parágrafo 5º do art. 63 que o ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício.
Deste modo, a nova lei restringiu a possibilidade de mudança da competência relativa por meio da eleição de foro e autoriza o juízo a declinar da competência em ato de ofício quando a ação for ajuizada em foro escolhido aleatoriamente pelas partes.
Essa nova regra de eleição de foro gerou preocupação com relação aos contratos firmados antes da lei 14.879/24 e que previam foro aleatório, em descompasso com a nova redação do art. 63 do Código de Processo Civil.
Parte desta preocupação foi sanada com o julgamento do conflito de competência 206.933 pelo STJ2 que destacou que a alteração do Código de Processo Civil apenas deve ser aplicada aos processos que começaram após sua vigência, devido ao marco temporal que surge da interpretação dos arts. 14 e 43 do Código de Processo Civil: a competência será determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial.
A decisão do STJ tomou como referência a data de distribuição da ação como parâmetro para aplicação da mudança legislativa, embora o contrato elegesse um foro sem conexão com as partes, ele deve prevalecer.
Deste modo, a cláusula de foro de eleição deve respeitar as novas regras do art. 63 do Código de Processo Civil ou, pelo menos, ser respeitada no momento da propositura da ação sob pena de declaração de incompetência de ofício, conforme o parágrafo 5º do art. 63.
Contudo, ainda resta o questionamento: e os contratos com foros aleatórios firmados antes da lei 14.879/24 e que não há disputa em curso? Deve-se aplicar as novas regras do CPC ou o que ficou pactuado antes pelas partes?
Entendemos que a nova regra deveria valer apenas para contratos com data posterior a lei 14.879/24, porém a tendência é reconhecer como uma norma processual, como fez o STJ no conflito de competência 206.933, ou seja, com efeito imediato, respeitando apenas as ações distribuídas anteriormente a lei.
Diante desta situação, resta a contratação de advogados especializados em contratos e análise de riscos processuais antes do ingresso da ação.
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1 Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor. § 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes. § 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu. § 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão. § 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício.
2 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ART. 63, §§ 1º E 5º, DO CPC. ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 14.879/24. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA COM O DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DAS PARTES OU COM O NEGÓCIO JURÍDICO. JUÍZO ALEATÓRIO. PRÁTICA ABUSIVA. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO. AÇÃO AJUIZADA ANTES VIGÊNCIA DA NOVA LEI. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conflito negativo de competência suscitado em 25/7/24 e concluso ao gabinete em 1/8/24. 2. O propósito do conflito de competência consiste em estabelecer o Juízo competente para o processamento da demanda quando a ação for ajuizada no foro de eleição e este for considerado abusivo. 3. A lei 14.879/24 alterou o art. 63 do CPC no que diz respeito aos limites para a modificação da competência relativa mediante eleição de foro. A nova redação do § 1º do dispositivo dispõe que "a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor". 4. Como consequência da não observância dos novos parâmetros legais, será considerada prática abusiva o ajuizamento de demanda em foro aleatório, sem qualquer vinculação com o domicílio ou residência das partes ou com o negócio jurídico, podendo o Juízo declinar de ofício da competência, nos termos do § 5º do art. 63 do CPC. 5. Com a vigência da nova legislação, tem-se a superação parcial da súmula 33/STJ, segundo a qual "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". 6. Aplica-se a nova redação do art. 63, §§ 1º e 5º, do CPC aos processos cuja petição inicial tenha sido ajuizada após 4/6/24, data da vigência da lei 14.879/24 (art. 2º). O estabelecimento desse marco temporal decorre da interpretação conjugada do art. 14 do CPC, que estabelece a Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, e do art. 43 do CPC, segundo o qual a competência será determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial. 7. Por outro lado, a nova legislação não será aplicada às demandas ajuizadas em momento anterior à sua vigência, sobrevindo a prorrogação da competência relativa - pelo foro de eleição - em razão da inércia da contraparte e da incidência da súmula 33/STJ. 8. No conflito sob julgamento, a ação foi ajuizada em 27/1/23, antes vigência da nova lei, sendo descabida a declinação de ofício da competência em razão da prorrogação da competência relativa. 9. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo da 38ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, ora suscitante. (CC 206.933/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 6/2/25, DJEN de 13/2/25).
Wagner José Penereiro Armani
Sócio do escritório Bismarchi | Pires Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Empresarial pela PUC- SP, mestre em Direito Civil pela UNIMEP, graduado em Direito pela PUC-Campinas. Professor de Direito Comercial na PUC-Campinas e na ESA. Secretário Geral Adjunto da OAB-Campinas. Autor e coautor de diversos livros e artigos jurídicos, possui mais de 20 anos de experiência na área contratual e societária. Sócio da área contratual e societária do escritório Bismarchi | Pires, ele une sólida experiência prática e acadêmica, oferecendo soluções jurídicas de alto nível para os clientes.

Ana Luiza de Souza Pardo
Bacharel do 5° semestre de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie campus de Campinas/SP, estagiária do escritório Bismarchi | Pires Sociedade de Advogados na área de Contratos e Direito Societário com experiência profissional na área de Reestruturação Empresarial e Insolvência, membro colaborador da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial e oradora premiada na 29° edição da Inter-American Human Rights Moot Court Competition em Washington D.C.