A Justiça deve ser célere? Reflexões acerca da eficiência e garantias processuais
A celeridade da justiça é essencial, mas não pode comprometer a qualidade das decisões. O desafio é equilibrar eficiência, segurança jurídica e direitos processuais.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
Atualizado em 25 de fevereiro de 2025 09:51
A celeridade da justiça é um tema amplamente debatido no meio jurídico e na sociedade. O acesso a uma decisão judicial em tempo razoável é um direito fundamental reconhecido internacionalmente, estando expressamente previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.
No entanto, a busca por maior eficiência não pode comprometer nem a qualidade das decisões e nem os direitos e garantias processuais, tais como o contraditório e a ampla defesa.
Dessa forma, surge um dilema: a justiça deve ser rápida e célere a qualquer custo, ou a segurança jurídica e a qualidade das decisões devem prevalecer?
Analisarei a necessidade de celeridade na justiça brasileira, ponderando suas vantagens e desafios, bem como o impacto das reformas legislativas e do uso de novas tecnologias no sistema judiciário.
O princípio da razoável duração do processo
O princípio da razoável duração do processo tem como fundamento evitar que a demora na prestação jurisdicional prejudique os jurisdicionados.
Isto porque a morosidade processual pode acarretar danos irreparáveis, tornando o direito pleiteado ineficaz ou até mesmo injusto.
Esse princípio encontra respaldo em tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º, 1), que garante a todo indivíduo o direito de ser julgado em prazo razoável por um tribunal competente, independente e imparcial.
A aplicação desse princípio, no entanto, não pode ser dissociada de outros pilares do devido processo legal.
Vejamos porque:
A celeridade não pode implicar decisões precipitadas, sem uma adequada e profunda análise das provas ou violação do direito de defesa.
A celeridade e seus impactos no sistema judiciário
Ora, a busca pela celeridade no sistema judicial pode trazer inúmeros benefícios, tais como:
- Redução da sobrecarga do Judiciário:
O Brasil possui um dos sistemas judiciais mais congestionados do mundo, com milhões de processos em tramitação.
A eficiência processual contribuiria para diminuir esse acúmulo.
- Maior confiança na justiça:
Processos longos desmotivam os jurisdicionados e podem gerar absolura descrença na efetividade do Judiciário.
- Segurança jurídica e estabilidade social:
Decisões rápidas e eficazes evitam prolongamento de conflitos e incentivam a pacificação social.
Porém, a busca pela celeridade também pode apresentar riscos, como:
- Comprometimento da qualidade das decisões:
A pressa é e sempre será inimiga da perfeição, ensina o dito popular.
Assim, a pressa na análise de processos pode e leva a erros judiciais e decisões frágeis.
- Restrição ao contraditório e ampla defesa:
Limitar o tempo de apresentação de provas ou manifestações pode prejudicar uma das partes.
- Dificuldade de adaptação dos órgãos judiciais:
Como cediço, reformas voltadas para acelerar o processo muitas vezes esbarram em falta de estrutura e capacitação dos servidores.
Reformas e Mecanismos de Celeridade Processual
Nos últimos anos, o ordenamento jurídico brasileiro passou por diversas reformas com vistas a garantir maior eficiência ao sistema de justiça.
Entre as principais iniciativas, destacam-se:
- Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015):
A nova lei adjetiva deu prioridade às técnicas de conciliação e mediação, reduziu formalismos desnecessários e incentivou a uniformização da jurisprudência.
O cenário acima mencionado é um sonho de consumo dos operadores do direito.
Mas o cenário da atualidade é bem outro..
- Processo Judicial Eletrônico (PJe):
A digitalização dos processos veio agilizar a tramitação dos processos e reduziu o tempo de espera entre os atos processuais.
- Meios alternativos de solução de conflitos:
Métodos como arbitragem, mediação e conciliação tentam buscar desafogar o Judiciário e promover a resolução mais rápida dos litígios.
- Jurisprudência defensiva:
Algumas decisões dos tribunais superiores buscam barrar o excesso de recursos para dar prioridade à celeridade.
Entretanto, essa prática, venia permissa, restringirá ao jurisdicionado o acesso ao duplo grau de jurisdição.
O papel da tecnologia na celeridade da Justiça
A adoção de novas tecnologias tem sido um fator determinante na modernização do Judiciário.
Ferramentas como inteligência artificial, automação de decisões e jurimetria são na atualidade utilizadas para aumentar a eficiência do sistema.
No entanto, a informatização também está a gerar desafios, tais como a necessidade de proteção de dados e inclusão digital, tudo para evitar desigualdades no acesso à justiça.
Conclusão
A celeridade na justiça é uma necessidade, mas não pode ser perseguida em detrimento da qualidade das decisões e das garantias processuais.
O desafio do Poder Judiciário é encontrar um equilíbrio entre eficiência e segurança jurídica, garantindo que a busca por rapidez não venha comprometer direitos fundamentais.
Ou seja:
Para que a justiça seja realmente eficaz, essencial que o processo seja não apenas célere e rápido, mas também justo e acessível.
A modernização do sistema, aliada a reformas legislativas e ao uso de novas tecnologias, podem e devem contribuir para um Judiciário mais justo e eficiente, sem contudo comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br.
BRASIL. Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Disponível em: www.oas.org.
CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2023. www.cnj.jus.br.
MARINONI, Luiz Guilherme.
A Garantia do Tempo Razoável do Processo: A Constituição e a duração dos processos judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, RT, 2017.
Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
Migalheira desde abril/2020. Advogada, sócia fundadora do escritório Figueiredo Ferraz Advocacia. Graduação USP, Largo de São Francisco, em 1.981. Mestrado em Direito do Trabalho - USP. Conselheira da OAB/SP. Conselheira do IASP. Diretora da AATSP.