Epidemia oculta: Como a explosão de afastamentos previdenciários por saúde mental expõe o papel da NR-1 em 2025
A atualização da NR-1 exige que empresas reconheçam e previnam riscos psicossociais no trabalho, promovendo ambientes mais saudáveis e produtivos.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025
Atualizado em 25 de fevereiro de 2025 09:42
O crescente número de afastamentos por transtornos mentais no Brasil traz à tona a discussão sobre a qualidade das relações de trabalho e a responsabilidade das empresas na promoção do bem-estar de seus colaboradores. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social o número de benefícios concedidos pelo INSS relacionados a problemas de saúde mental subiu 38% nos últimos anos. Além disso, o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho já apontava, em 2021, que os transtornos mentais figuravam como a terceira maior causa de afastamentos ocupacionais no país.
Esses dados são alarmantes, sobretudo quando consideramos a variedade de fatores que desencadeiam o adoecimento mental dentro das organizações: pressões por resultados e metas inatingíveis, assédio moral horizontal ou vertical, jornadas extenuantes, falta de reconhecimento salarial, ameaças constantes de demissão ou rebaixamento e, de forma mais ampla, uma cultura empresarial que prioriza a performance em detrimento da saúde e da qualidade de vida dos trabalhadores.
A evolução desse quadro leva a reflexões não apenas sobre políticas públicas de saúde e previdência, mas também sobre o comprometimento das empresas com a responsabilidade social corporativa. A legislação trabalhista e de segurança e saúde no trabalho (SST) tem se adaptado para contemplar de forma mais abrangente a questão mental, tornando-se cada vez mais clara a necessidade de alinhar práticas empresariais às novas regulamentações.
NR 1 e o reconhecimento dos riscos psicossociais
Um marco importante nesse processo é a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR 1), que passou por alterações significativas em 21 de março e 27 de agosto de 2024. Essas mudanças impactam diretamente o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que deverá, pela primeira vez, contemplar os riscos psicossociais no ambiente de trabalho. De acordo com a portaria MTE 1.419, as empresas têm até 25 de maio de 2025 para se adaptar às novas exigências.
Isso significa que, além de considerarem riscos físicos (máquinas e equipamentos), químicos (exposição a produtos tóxicos) e biológicos, as organizações passarão a mapear, avaliar e gerenciar fatores como:
- Sobrecarga de trabalho: quando as demandas ultrapassam a capacidade do trabalhador, gerando estresse e potencial burnout.
- Assédio moral: que pode ocorrer tanto em relações hierárquicas (vertical) quanto entre colegas (horizontal).
- Organização do trabalho inadequada: metas inatingíveis, ausência de pausas, acúmulo de funções e falta de clareza de atribuições.
- Falta de suporte psicológico: inexistência de canais ou programas de assistência ao colaborador em situações de estresse ou conflito.
Ao integrar os riscos psicossociais de forma oficial no PGR, a NR 1 reforça a necessidade de uma gestão preventiva. Empresas que não se adequarem estarão sujeitas a sanções e poderão enfrentar responsabilidades na esfera trabalhista e previdenciária, sobretudo se houver comprovação de que o ambiente de trabalho contribuiu para o adoecimento mental do empregado.
Impacto nas políticas de recursos humanos
Outro ponto de relevância são as consequências práticas dessa nova abordagem na gestão de pessoas. A área de Recursos Humanos (RH) ganha protagonismo, pois caberá a este setor desenvolver ações concretas de prevenção, conscientização e apoio aos trabalhadores. Algumas medidas que vêm sendo recomendadas por especialistas incluem:
1. Treinamentos e capacitações
- Formar líderes e gestores para identificarem sinais de estresse, ansiedade, depressão e outras condições que possam afetar o desempenho e a saúde mental dos colaboradores.
- Orientar sobre assédio moral e como criar um ambiente inclusivo e respeitoso.
2. Programas de suporte psicológico
- Disponibilizar canais de atendimento (internos ou terceirizados) para que os trabalhadores possam buscar ajuda em situações de conflito, estresse ou sofrimento mental.
- Promover palestras, rodas de conversa e ações de Janeiro Branco (campanha oficializada pela Lei nº 14.556/2023), com foco na prevenção de doenças psiquiátricas, dependência química e suicídio.
3. Revisão de políticas de cargos e metas
- Avaliar as metas impostas para cada área e ajustá-las à realidade da equipe, evitando a sobrecarga e o acúmulo de funções.
- Criar políticas de work-life balance, permitindo horários mais flexíveis ou até mesmo adotando regimes híbridos de trabalho, quando possível.
4. Participação ativa dos trabalhadores
- Envolver os colaboradores em diálogos e pesquisas de clima organizacional, permitindo que identifiquem e reportem riscos e problemas de forma segura e anônima.
Benefícios para as empresas que se adequarão
Pode parecer, a princípio, que essas mudanças regulatórias apenas aumentam a carga de obrigações e custos para as empresas. No entanto, estudos e evidências demonstram que uma força de trabalho saudável tende a ser mais produtiva, engajada e inovadora. Ademais, ao mitigar riscos psicossociais, a organização reduz índices de absenteísmo, rotatividade e problemas trabalhistas.
Manter um ambiente que valorize a saúde mental também melhora a reputação corporativa, reforçando a marca empregadora (employer branding) e ajudando na atração e retenção de talentos. Em um mercado cada vez mais competitivo, cultivar uma cultura organizacional positiva e equilibrada pode ser um diferencial estratégico.
Desafios e perspectivas para 2025
A implementação de qualquer mudança estrutural requer tempo e preparo. Nesse sentido, o prazo até 25 de maio de 2025 previsto para a entrada em vigor das novas regras da NR 1 permite
que as empresas planejem e executem as adaptações necessárias. Contudo, é fundamental que as organizações não tratem essa adequação apenas como uma formalidade burocrática.
A verdadeira eficácia das mudanças depende de uma mudança de paradigma: reconhecer que a saúde mental não é um tema acessório, mas um componente fundamental na sustentabilidade dos negócios. O sucesso dessa adequação repousa em uma atuação conjunta de diretores, gestores de RH, profissionais de SST (Segurança e Saúde no Trabalho) e, sobretudo, na participação ativa dos próprios trabalhadores.
Conclusão
O crescimento alarmante de afastamentos por questões de saúde mental - 38% a mais de benefícios concedidos pelo INSS nos últimos anos - somado às mudanças legais introduzidas na NR 1, mostra que o tema não pode mais ser ignorado. O ambiente de trabalho é, muitas vezes, um fator determinante no adoecimento mental, mas também pode ser parte da solução se houver compromisso em prevenir, identificar e tratar problemas que surgem no contexto laboral.
A atualização da NR 1 e o maior rigor na exigência de inclusão dos riscos psicossociais no PGR representam um passo significativo para a consolidação de uma cultura de prevenção dentro das empresas. Investir em programas de suporte e em políticas de work-life balance tende a gerar não apenas benefícios diretos na saúde dos colaboradores, mas também ganhos de produtividade, reputação e inovação.
Orientação ao Trabalhador
A saúde mental é um aspecto essencial da sua qualidade de vida e deve ser preservada no ambiente de trabalho. Caso perceba sinais de sobrecarga, pressão excessiva, dificuldades relacionadas às condições de trabalho ou qualquer fator que comprometa seu bem-estar, é fundamental buscar apoio.
Além da assistência médica e psicológica, conhecer seus direitos é uma medida importante. Em muitas situações, a legislação trabalhista oferece garantias para a proteção da saúde do trabalhador. Se houver dúvidas sobre sua situação profissional ou possíveis violações de direitos, consultar um advogado trabalhista pode ser um passo essencial para entender as possibilidades de atuação e obter a devida orientação jurídica.
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1 Ministério da Previdência Social (Dados de 2023)
2 Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho (Dados de 2021)
3 Lei nº 14.556/2023, que oficializa o Janeiro Branco
4 Portaria MTE nº 1.419, que atualiza a NR 1
Antonia de Maria Ximenes Oliveira
Advogada especializada em Direito do Trabalho, Diretora Jurídica do SPC/RJ; Delegada da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ; possui especializações em Direito do trabalho como MBA em Acidente de trabalho/doenças ocupacionais, e em Direito Constitucional e Direitos Humanos - pela Universidade de Coimbra/PT.