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A disputa jurídica sobre o ganho de capital em doações

A questão da cobrança de IRPF sobre doações a valor de mercado gerou discussões jurídicas. Decisões divergentes no STF indicam insegurança e risco de bitributação.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Atualizado em 21 de fevereiro de 2025 14:50

Um caso recente retomou a discussão acerca da constitucionalidade da cobrança de IRPF sobre doações realizadas entre pessoas físicas a valor de mercado, ou seja, em valor superior àquele declarado na IRPF pelo doador.

Um executivo de uma empresa multinacional ingressou com um mandado de segurança preventivo, com a pretensão de antecipar a parcela legítima de sua herança aos seus filhos, em sede de planejamento sucessório, por meio de doações de bens imóveis a valor de mercado, sem a incidência de IRPF sobre o ganho de capital. Para tanto, alegou o impetrante que não seria devido referido tributo, em razão da inexistência de aumento em seu patrimônio, mas sim uma diminuição, já que os bens sairiam de seu patrimônio sem qualquer contraprestação.

O impetrante pleiteia o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas que fundamentam a cobrança do IRPF sobre o ganho de capital nas doações realizadas a valor de mercado, especialmente aquelas contidas no § 3º do art. 3º da lei 7.713/88 e no art. 23 da lei 9.532/97. Em caráter alternativo, postula o reconhecimento do direito à isenção do IRPF sobre tais doações, nos termos do art. 22, III, da lei 7.713/88.

Para tanto, argumenta, inicialmente, que a exigência de tributar a diferença entre o valor contábil e o valor de mercado dos bens doados excede a competência tributária atribuída à União pela CF/88, de modo a ferir a repartição das competências tributárias, eis que os Estados possuem competência exclusiva para tributar sobre doações e heranças (art. 155, I, da CF/88), enquanto a União só pode tributar rendimentos ou proventos (art. 153, III, da CF/88).

Aduz, ainda, a configuração de suposta bitributação no caso, diante da previsão, pela legislação Federal (§ 3º do art. 3º da lei 7.713/88 e no art. 23 da lei 9.532/97), de tributação de ganho de capital em doações realizadas a valor de mercado e da previsão de incidência de ITCMD - imposto de competência estadual - em casos de alienação gratuita de bens.

A argumentação também trata do princípio da capacidade contributiva e da definição constitucional de competência tributária, descrito nos arts. 145, § 1º, e 153, III, da CF, ressaltando que não há acréscimo patrimonial ao doador, mas sim uma redução patrimonial com a doação. O conceito de renda para fins de tributação, conforme o art. 43 do CTN, requer um efetivo acréscimo patrimonial ou "riqueza nova", não sendo o caso na transferência gratuita de bens.

Os argumentos são embasados em precedentes jurisprudenciais do STJ e do STF, os quais reforçam a necessidade de acréscimo patrimonial concreto para justificar a incidência de IRPF, de modo a reconhecer que a transferência de bens sem contrapartida não constitui fato gerador de imposto de renda, pois não há acréscimo econômico ou jurídico ao patrimônio do doador.

Por fim, o mandado de segurança questiona a validade dos dispositivos da lei 9.532/97 e da IN RFB 84/01, argumentando que tais normas infraconstitucionais extrapolam o conceito de renda, invadindo a competência tributária dos Estados. Ademais, reforça que o art. 22, III, da lei 7.713/88, que isenta do IRPF as doações em adiantamento de legítima, permanece em vigor, eis que sua revogação não foi expressa pela lei 9.532/97, conforme determina a LC 95/98.

Não há, porém, entendimento uniforme sobre o tema entre as 1ª e 2ª turmas do STF, o que gera insegurança jurídica.

Na decisão do ministro Luís Roberto Barroso no RE 1.439.539, o STF analisou a possibilidade de incidência de IRPF sobre ganho de capital em doações realizadas como adiantamento de legítima. A União argumentou que doações a valor de mercado gerariam ganho de capital tributável, mas o STF rejeitou essa tese, afirmando que a doação não caracteriza acréscimo patrimonial ao doador. Barroso destacou que o fato gerador do IRPF é o acréscimo econômico ou jurídico e que permitir a tributação nesse caso configuraria bitributação, visto que o ITCMD já incide sobre a transmissão patrimonial.

O ministro Flávio Dino também rejeitou recurso da União que buscava tributar o IRPF sobre o ganho de capital em doações realizadas como adiantamento de legítima, afirmando que não há acréscimo patrimonial ao doador, pois o bem doado já pertencia a ele, caracterizando uma redução de patrimônio. A decisão também mencionou a vedação à bitributação e a importância de respeitar a competência estadual na tributação das transferências patrimoniais.

Em 2023, no RE 1.437.588, sob relatoria do ministro Luiz Fux, a 1ª turma permitiu que a União exigisse a cobrança do IRPF sobre o ganho de capital em doações realizadas a valor de mercado. Para o relator, há distinção entre os fatos geradores e as bases de cálculo do IRPF e do ITCMD. Segundo Fux, o IRPF incide sobre o patrimônio acrescido referente ao ganho de capital dos bens herdados, enquanto o ITCMD incide sobre a transmissão causa mortis.

Além disso, há outros julgados recentes no mesmo sentido, como o ARE 1.387.761 e o RE 1.425.609, nos quais a 1ª e 2ªs turmas do STF, respectivamente, reconheceram a incidência de IRPF sobre o ganho de capital nas transferências a valor de mercado de bens em inventário aos herdeiros ou doações realizadas em vida.

Já no final de 2024, o RE 1.521.838, de relatoria do ministro Dias Toffoli, do STF, afastou a incidência de imposto de renda sobre ganho de capital em adiantamento de legítima, não se mostrando, assim, uma posição consolidada do STF sobre o tema. 

Na ausência de uma posição consolidada, entende-se que a transferência a título de doação a valor de mercado, sem o devido recolhimento de imposto de renda, expõe o contribuinte à fiscalização e possível autuação pela Receita Federal do Brasil, a qual poderá ser discutida judicialmente. 

Recomenda-se, desta forma, que os contribuintes façam um estudo do caso com advogado especializado, considerando-se que a falta de um planejamento tributário adequado poderá ensejar a aplicação de multas e juros sobre os tributos não recolhidos em doações e heranças, além dos custos com honorários advocatícios para a realização das defesas administrativa e judicial em caso de autuação.

Luís Eduardo Tavares dos Santos

Luís Eduardo Tavares dos Santos

Sócio e administrador de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados

Vinicius Vilardo Caldas Marques

Vinicius Vilardo Caldas Marques

Advogado e sócio em RBTSSA especializado em Direito Tributário voltado aos planejamentos patrimoniais e sucessórios

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