RN 623/24 e o novo papel estratégico das ouvidorias na saúde suplementar
A nova regulamentação das ouvidorias de planos de saúde reforça a transparência, reduz prazos de resposta e exige modernização para aprimorar o atendimento aos beneficiários.
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Atualizado às 13:57
A recente publicação da resolução normativa 623/24 pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar representa um avanço significativo na regulamentação das ouvidorias das operadoras de planos de saúde. Substituindo a RN 395/16, a nova norma estabelece diretrizes robustas e detalhadas para o atendimento das demandas dos beneficiários, abarcando tanto solicitações assistenciais quanto não assistenciais, independentemente da modalidade de contratação. Essa reformulação evidencia o compromisso regulatório em aprimorar a interface entre operadoras e beneficiários, fortalecendo a transparência e a eficiência dos serviços prestados.
Entre as principais mudanças, destaca-se a ampliação das funções das ouvidorias, que passam a incluir demandas não assistenciais, reforçando seu papel como ponto central de comunicação com os beneficiários. Também merece atenção a redução do prazo de resposta, agora limitado a sete dias úteis, o que exige mais agilidade e organização interna. Além disso, a adoção obrigatória de inovações tecnológicas no atendimento representa um avanço significativo rumo à modernização e personalização das interações com os usuários, substituindo uma prática antes facultativa.
A norma também determina que as operadoras elaborem relatórios anuais com dados detalhados sobre o número de manifestações recebidas, a natureza das demandas e as ações adotadas para melhorias. Essa exigência não apenas promove maior transparência, mas também fornece uma base analítica valiosa para identificar tendências, gargalos e oportunidades de aprimoramento contínuo. Outro aspecto enfatizado é a capacitação dos profissionais das ouvidorias, reconhecendo que a eficácia desse canal depende diretamente da qualificação técnica e da habilidade de mediar conflitos de forma eficiente e sensível às necessidades dos beneficiários.
Apesar dos avanços trazidos pela RN 623/24, sua implementação apresenta desafios significativos para as operadoras. A adequação aos novos requisitos demandará investimentos consideráveis em tecnologia, capacitação de equipes e revisão de processos internos. Operadoras menos estruturadas poderão enfrentar dificuldades para atender aos novos padrões, expondo-se ao risco de sanções regulatórias e desgaste reputacional. Por outro lado, para aquelas que conseguirem alinhar-se às exigências, a norma oferece uma oportunidade estratégica de fortalecer sua imagem institucional e fidelizar seus beneficiários.
O impacto regulatório dessa norma transcende as questões operacionais. Ao exigir maior transparência e agilidade no atendimento, a ANS reforça o papel das ouvidorias como ferramentas essenciais para a resolução de conflitos e a melhoria dos serviços prestados. Mais do que canais de reclamação, esses espaços passam a ser vistos como pontos de gestão estratégica, capazes de transformar dados coletados em insights para decisões empresariais. No entanto, essa perspectiva só será plenamente alcançada se as operadoras conseguirem integrar a ouvidoria em seus processos de governança corporativa, ampliando sua relevância como mecanismo de controle interno e interface direta com os beneficiários.
Ao equilibrar os interesses das operadoras e dos beneficiários, a RN 623/24 busca mitigar a judicialização das demandas no setor de saúde suplementar e estimular a resolução de conflitos de forma administrativa e ágil. Porém, o sucesso da norma dependerá da capacidade das operadoras em superar os desafios impostos e aproveitar as oportunidades de melhoria e inovação. O que está em jogo não é apenas o cumprimento de obrigações regulatórias, mas a construção de um sistema mais sustentável, eficiente e centrado no beneficiário, que reconheça as ouvidorias como pilares fundamentais para o desenvolvimento e a competitividade do setor.
Gabriela Braga
Advogada do Bhering Cabral Advogados.