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O medo em Hobbes

Hobbes explora o medo no estado natural, onde a falta de poder comum gera desconfiança e guerra. O contrato social visa estabelecer a paz e a segurança no Estado civil.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Atualizado em 20 de fevereiro de 2025 13:23

1. Introdução

Sabe-se que Hobbes trabalha a hipótese de estado natural a partir do raciocínio lógico, quando os homens são capazes de retornar (ou imaginar) uma condição onde não há um poder político comum, essa hipótese serve para o filósofo explicar a existência não do estado natural, mas do estado civil como veremos no decorrer deste trabalho (Polin, 2020). O estado natural, no entanto, é uma condição que pode também existir realmente (quando os homens se encontram em guerra civil, ou quando levamos em consideração as relações entre Estados).

As relações entre os homens neste estado natural são fundamentadas na desconfiança e no medo, pois os outros sempre serão inimigos em potencial, uma vez que não há um poder comum a todos com força capaz de fazer os indivíduos viverem de forma ordenada e pacífica. Uma troca de promessas entre homens que se encontrem nesta situação é inválida quando existe um justo motivo de medo, já que o risco de que o outro não cumpra a sua parte na promessa pode ser presumido desde o início. Isto não impede que o pacto seja firmado, mas proíbe o homem de cumpri-lo, pois fere o direito natural que lhe determina salvar sua vida e a integridade física (Angoulvent, 2024).

O principal objetivo deste trabalho é investigar o papel do medo no desdobramento da teoria política de Thomas Hobbes. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica de literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema.

Não é possível se opor ao poder da lei e do soberano, mas não se pode esquecer que a função do pacto é eliminar o medo da morte violenta e que o homem aceita se submeter porque este medo era insuperável, se ele reaparece, não há motivo para que o seu compromisso continue. Apesar de o medo continuar presente após a instituição do Estado, ele se torna um mal menor: antes estar submetido a um poder que usa o medo da punição para garantir a segurança e a paz do que estar em um estado de guerra permanente, onde a vida está sempre em risco. Outro aspecto a ser desenvolvido neste capítulo será o papel do medo na religião dentro do Estado civil e o uso que o soberano faz disso para garantir que as leis sejam obedecidas por todos.

2. O medo e a instituição do estado civil

Ao estudar o estado de natureza hobbesiano é necessário estar ciente de que embora se trate de uma situação hipotética, é também possível encontrar essa condição como sendo uma condição real mesmo dentro de um Estado, ou ainda como uma condição pré-política. O filósofo inglês apresenta-o fundamentalmente como resultado de um raciocínio lógico-mecanicista, de como os homens viveriam na hipótese da ausência de um poder comum que os governasse. Agindo dessa forma, Hobbes constrói ao mesmo tempo as bases que fundamentam o Estado civil e que justificam a necessidade de um contrato social para este fim. O estado natural, portanto, é uma situação pré-política porque ocorre antes da instituição da república (Eisenberg, 2022).

O homem natural, como foi possível analisar no capítulo anterior, não deixa de ser um animal, embora faça uso da linguagem, o que não ocorre com os outros animais, de modo que a sua vida, assim como a dos outros animais, é movimento constante; o que diferencia o homem dos demais animais são a razão e a linguagem. Só com esta proposição, já é possível refutar a teoria daqueles que pensam ser o homem mau em sua essência, pois se o homem é um animal, não pode ser mau por natureza. Outro aspecto que deve se considerado no estudo do estado natural, é que Hobbes concebe o homem natural como um ser de interesses e desejos infinitos que, apesar de viverem em grupos, não encontram nesta condição espaço para harmonia ou paz (Polin, 2020).

O homem naturalmente busca a sua preservação, a conservação do seu corpo; isso ocorre em todos os momentos, mas principalmente na ausência de um poder comum que o obrigue a respeitar o espaço de domínio do outro. Sua natureza o leva a seguir regras particulares que apontam o caminho para a autopreservação e a autodefesa criando assim conflitos, já que os interesses particulares predominam. A essas regras particulares ou "ditames da reta razão", Hobbes dá o nome de leis naturais. Se estes preceitos não são seguidos, surgem conflitos que dão origem à guerra generalizada, condição pela qual o estado de natureza hobbesiano é mais conhecido (Ribeiro, 2019).

O estado de natureza é concebido por Hobbes principalmente, como um estado de iguais condições para todos. Os homens têm iguais direitos sobre as coisas e liberdade incondicional para satisfazer esses direitos. Essa característica não se refere a uns poucos homens, mas a todos, sem exceção. Assim, temos assinalada uma situação não-política, onde cada um só tem a si mesmo para preservar-se e defender-se. O estado natural, portanto, caracteriza-se por ser uma situação na qual os homens têm igual condição de força e de espírito. A igualdade em Hobbes é entendida não como a semelhança precisa, mas como o fato de que as diferenças entre eles são muito pequenas para fazer nascerem diferenças duradouras. Assim ninguém é de tal modo superior a outro para alcançar um poder durável sobre ele (Eisenberg, 2022).

Deste modo, pode-se dizer que nenhum homem é superior a outro de tal maneira que possa contrair um poder durável sobre ele, por mais que o deseje. Diante dessa condição de igualdade e na busca pela preservação de seu bem maior, um homem pode atingir outro homem, sabendo que isso não lhe acarretará consequências punitivas, uma vez que na condição natural não existe quem exerça essa função (Ribeiro, 2019).

Segundo Hobbes, "é simplesmente a concepção vaidosa da própria sabedoria, a qual quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo. Isso quer dizer em maior grau do que todos menos eles mesmos" (Angoulvent, 2024, p.106). A igualdade intelectual fica evidenciada a partir daquilo que a torna invisível, ou seja, através de uma presunção vaidosa que faz com que cada um aumente sua sabedoria diante dos outros. Não podemos conceber o estado natural hobbesiano sem essa noção de igualdade, ela é intrínseca a ele. As vantagens que ora um, ora outro detêm não são suficientes para garantirem a manutenção do poder sobre determinado objeto e frequentemente são destruídas com facilidade.

A igualdade entre os homens acaba gerando uma concorrência, pois eles não possuem garantias de que não serão atacados pelos outros. Não há segurança nessas condições. Isso acaba por evidenciar ainda mais a possibilidade de uma luta violenta e isso dá vazão ao medo recíproco, pois cada um teme por sua vida nestas condições. A igualdade dos homens também é caracterizada por uma igualdade no medo, pois a vida de todos fica ameaçada, todos têm a capacidade de destruírem o outro e nem o mais forte está seguro já que o mais fraco é livre para usar todos os artifícios para garantir a sua vida (Polin, 2020).

Segundo Ribeiro (2019), a causa do medo recíproco tanto pode ser a igualdade dos homens como sujeitos com os mesmos direitos sobre as coisas, ou uma consequência disso: o desejo que todos têm por poder e mais poder. Ou seja, os homens tanto são iguais em força e espírito, como desejam se ferir uns aos outros. Esse desejo de ferir o próximo é explicado quando pensamos a introspecção de cada um, quando pensamos a forma como os homens avaliam a si mesmos e a partir disso inferem as ações dos outros.

Conforme Hobbes (Angoulvent, 2024, 129):

Se examinarmos os homens já adultos, e considerarmos como é frágil a moldura do nosso corpo humano (que, perecendo, também faz perecer toda a nossa força, vigor e mesmo sabedoria) e, como é fácil, até o mais fraco dos homens matar o mais forte, não há razão para que qualquer homem, confiando em sua própria força, deva se conceber por natureza feito superior a outrem. São iguais aqueles que podem fazer coisas iguais um contra o outro; e aqueles que podem fazer as coisas maiores (a saber: matar) podem fazer coisas iguais. Portanto, todos os homens são naturalmente iguais entre si.

Todos os indivíduos igualmente sentem medo, todos podem ser feridos e todos são frágeis quanto a isso. Embora os homens tenham características semelhantes (físicas e espirituais) os objetos de desejo são diferentes, nem sempre os homens desejam as mesmas coisas, isso se deve ao fato de que as constituições do seu corpo não são as mesmas. Nem todos os indivíduos sentem frio ao mesmo tempo, ou calor, ou fome. Os bens desejáveis não variam apenas de homem para homem, mas nele mesmo, em momentos diferentes. Isso é consequência do conatus de cada um, e são os princípios de movimentos que determinam nas faculdades da mente, as decisões que devem ser tomadas. A diferença, no entanto, que encontramos nos bens desejados não é encontrada na capacidade para satisfazê-los, todos são iguais nesse quesito. O desejo por mais poder ou por mais segurança pode não ser prioridade para todos os homens ao mesmo tempo, mas a capacidade que estes homens possuem para alcançá-lo é a mesma. O medo ou a esperança também irão variar conforme a situação em que se encontram. E é nisso que se encontra a igualdade no estado natural, uma igualdade de capacidades e de poderes, bem como uma igualdade de fragilidade (Eisenberg, 2022).

Conforme Tuck (2021), manter os outros sob o seu domínio, é uma forma de garantir o poder, mas como vimos esta é uma linha tênue que pode facilmente ser rompida dentro do estado natural, essa fragilidade é causada exatamente pela igualdade e pela total liberdade a que todos se encontram. A liberdade e a igualdade nos remetem novamente ao movimento de que falamos no capítulo anterior, porque é dentro desse contexto que Hobbes trabalha a condição humana, relacionando-a a sua felicidade, que podemos denominar como a obtenção daquelas coisas que garantem a vida e a saúde do seu corpo. A sua miséria, é o oposto do que denominamos felicidade, ou seja, é a morte violenta ou mesmo a agressão contra qualquer parte do seu corpo.

Na leitura que Polin (2020, p.52) faz de Hobbes, é possível encontrar três características recíprocas na relação entre os homens: todos têm um desejo infinito de poder; todos têm direito sobre todas as coisas; e todos são livres. Essa igualdade é justamente o que os coloca em conflito porque os homens sabem que são iguais. Apesar de serem iguais, os indivíduos não se comportam de maneira igual ou parecida o tempo todo, porque os seus objetos de desejo variam de acordo com a sensação e a imaginação de cada um. Tudo é consequência da observação e do cálculo, enquanto alguns compreendem a igualdade com um encorajamento para a ação, outros a veem como um desencorajamento, preferem sair do campo da batalha por medo de perderem a vida. A condição natural de total liberdade e igualdade comum levam o indivíduo ao conflito, deixando o homem em uma situação de perigo de morte constante.

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Ricardo Nascimento Fernandes

Ricardo Nascimento Fernandes

Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.

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