Ação de alimentos: Como o binômio necessidade x possibilidade impacta a fixação de pensão alimentícia
O CC e a lei de alimentos garantem o dever de prestar alimentos, considerando a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante.
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Atualizado em 19 de fevereiro de 2025 13:04
O CC brasileiro, lei 10.406/02 (CC/02), em suas normas sobre Direito de Família, estabelece no art. 1.694 que o dever de prestar alimentos tem origem no vínculo de parentesco, casamento ou união estável, fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana e na solidariedade familiar. Tais alimentos compreendem as despesas pertinentes à manutenção de uma vida digna, como alimentação, transporte, vestuário, moradia, assistência médica, educação, atividades de lazer, dentre outras.
Além do CC, o tema é regulado pela lei 5.478/1968, conhecida como lei de alimentos, que trouxe maior celeridade e eficácia ao processo de fixação, revisão e cobrança de alimentos. Antes dessa lei, os pedidos de alimentos eram tratados de forma menos eficiente, muitas vezes resultando em processos judiciais longos e prejudiciais à pessoa necessitada. Com a lei de alimentos, foram estabelecidos procedimentos específicos e mais ágeis, como a possibilidade de antecipação de alimentos provisórios, garantindo proteção imediata a quem necessita.
A importância dessa legislação reside na sua capacidade de assegurar direitos fundamentais de forma célere e efetiva, evitando que a morosidade judicial comprometa a subsistência da pessoa alimentanda. Ainda, é relevante ressaltar que o valor dos alimentos pode ser revisado a qualquer momento, caso haja mudanças significativas nas necessidades da pessoa alimentada ou nas possibilidades financeiras do alimentante, reforçando o caráter dinâmico e adaptável dessa obrigação jurídica.
Quanto ao valor dos alimentos, é comum ouvir que devem corresponder a 30% dos rendimentos ou do salário do alimentante - denominação dada à pessoa obrigada a pagar os alimentos. Essa prática decorre de reiteradas decisões judiciais, que tornaram sua aplicação habitual no cotidiano do nosso Direito Civil. No entanto, é importante esclarecer que essa questão dos 30% não é uma regra absoluta, mas sim um parâmetro médio utilizado para brasileiros em geral, o que significa que se trata apenas de uma generalização. A verdade é que o valor dos alimentos deve considerar dois fatores principais: a necessidade da pessoa alimentada e a possibilidade financeira do alimentante.
Todavia, o tema é muito mais complexo, sendo comum a discussão pertinente sobre o valor devido para a manutenção digna do alimentando - pessoa que tem direito a receber alimentos - em contrapartida à possibilidade financeira do alimentante, o que se denominou na doutrina especializada como o binômio da necessidade x possibilidade.
Necessidade: Refere-se às necessidades do alimentando (a pessoa que recebe os alimentos), ou seja, o que ele precisa para sua sobrevivência, saúde, educação e bem-estar.
Possibilidade: Refere-se à capacidade do alimentante (a pessoa que paga os alimentos) de prestar a pensão, considerando seus recursos e sem comprometer seu sustento.
Em ações de alimentos, é comum observar decisões que utilizam os dois pressupostos fundamentais - necessidade da pessoa alimentanda e possibilidade do alimentante - como base para a fixação da pensão. No entanto, parte da doutrina jurídica defende a aplicação de um terceiro elemento, a proporcionalidade, como fator essencial para uma análise mais abrangente e equilibrada. Essa visão encontra respaldo no art. 1.703 do CC, que estabelece: ". para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos."
Independentemente de se adotar a teoria do binômio (necessidade e possibilidade) ou do trinômio (necessidade, possibilidade e proporcionalidade), a aplicação prática do Direito deve sempre levar em consideração a proporcionalidade. Esse princípio garante que a fixação dos alimentos respeite as particularidades de cada caso, promovendo justiça ao distribuir as responsabilidades conforme os recursos disponíveis e as necessidades apresentadas.
Essa análise é ainda mais relevante em situações específicas, como quando um dos genitores reside em outro Estado e a pessoa alimentanda mora com o outro genitor, que normalmente presta alimentos de forma in natura. Nesse contexto, o genitor que detém a guarda física geralmente assume responsabilidades diretas com a moradia, alimentação, acompanhamento escolar, cuidados médicos e demais necessidades diárias do filho, enquanto o outro genitor contribui financeiramente, fornecendo alimentos em pecúnia. A jurisprudência reconhece que essa prestação in natura deve ser considerada na divisão proporcional das responsabilidades, garantindo que ambos os genitores contribuam de maneira justa para a manutenção do padrão de vida digno do alimentando.
Além disso, em situações em que um dos genitores possui maior capacidade financeira, é indispensável que essa condição seja refletida na fixação dos alimentos. A proporcionalidade, nesse caso, assegura que o genitor com maior renda assuma uma parcela maior das despesas, sem prejuízo da efetiva participação do outro genitor, que pode ter menor capacidade contributiva. Esse equilíbrio evita que um dos pais seja desproporcionalmente onerado, especialmente quando as despesas do alimentando tendem a ser influenciadas pelas escolhas e condições de vida promovidas pelo genitor com maior renda.
Portanto, a proporcionalidade desempenha um papel central na garantia de justiça na fixação dos alimentos, considerando não apenas os aspectos financeiros, mas também as contribuições diretas e indiretas de ambos os genitores no sustento e bem-estar dos filhos.
Os pais divorciados, separados judicialmente ou aqueles cuja relação com o outro genitor foi eventual devem contribuir proporcionalmente aos seus recursos financeiros, independentemente de questões como a culpabilidade pela separação ou o papel desempenhado - seja como genitor guardião ou visitante. Ambos possuem o dever jurídico, solidário e irrenunciável, de prover alimentos aos filhos, assegurando seu sustento, bem-estar e a manutenção de uma vida digna, conforme suas possibilidades econômicas.
A crescente busca por igualdade de gênero, garantida pela CF/88, reforça a aplicação do princípio da isonomia (art. 5º e art. 226, §5º), promovendo um equilíbrio de responsabilidades entre os genitores. O Direito Contemporâneo avança no reconhecimento de que ambos os pais, independentemente do gênero ou do papel desempenhado na dinâmica familiar, compartilham igualmente o dever de garantir o bem-estar dos filhos. Essa igualdade não apenas reflete a evolução social, mas também assegura que as decisões judiciais considerem a proporcionalidade e o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, promovendo soluções justas e adequadas para cada caso.
Nesse contexto, a verdadeira justiça é alcançada ao tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Para garantir que os direitos e deveres dos genitores sejam aplicados de forma justa, é essencial contar com o suporte de advogados especializados e comprometidos com princípios éticos e sólidos conhecimentos jurídicos.
Marcel Valente
Sócio fundador - Valente Silva Advogados.