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Guarda compartilhada com casas alternadas. Quem paga a pensão?

O artigo aborda a evolução da guarda compartilhada com residência alternada e mostra quem arca com o pagamento da pensão.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Atualizado às 13:35

Antes de avançarmos no tema, vamos fazer algumas reflexões críticas. A CF/88, como se sabe, consagrou o princípio da igualdade afirmando ao homem e à mulher os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (CF 226 § 5.º).

Ou seja, os homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (CF, 5, I).

Além do que, vale lembrar que, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, deu absoluta prioridade às crianças e adolescentes, transformou-os em sujeitos de direito.

Logo, não é a guarda uma espécie de posse.

Por outras palavras, as crianças não são coisas. Não são propriedades dos pais. Caso contrário, voltaríamos ao Direito Romano onde existia o pater potesta (pátrio poder); onde o pater família tinha direito de vida e morte sobre os filhos (ius vitae ac necis).

Aliás, a mulher estava sobre as ordens do pai. Depois, sobre as ordens do marido (in manu mariti).

Lembrei-me do querido professor Platinas, de Direito Romano, na Universidade Federal...

Dever parental ou corresponsabilidade

A propósito, o CC fala em poder familiar. Como assim? Poder? A nosso sentir, a expressão correta: é dever parental ou corresponsabilidade parental, com duplicidade de responsabilidades onde os pais devem estar sempre, ativamente, presentes na vida dos filhos.

Não basta ser pai ou mãe: tem que participar! Os genitores não são meros visitantes. Não vale estar só no final de semana. Eles têm que acompanhar os filhos no dia a dia.

O que a doutrina diz sobre guarda

Ah, não podemos esquecer do que a doutrina diz sobre a palavra guarda. Ademais, O papel da doutrina é doutrinar, não é?

A vista disso, ensina a festejada desembargadora Maria Berenice Dias1:

"A "posse do filho" não decorre da simples presença física no domicílio de um dos pais. O fato de o filho residir com um não significa que o outro "perdeu a guarda", expressão, aliás, de nítido conteúdo punitivo.

"A palavra guarda significa verdadeira coisificação do filho, colocando-o muito mais na condição de objeto do que de sujeito de direito"

O notável professor Gustavo Tepedino2, titular de Direito Civil da Uerj - Universidade do Estado do Rio de Janeiro preleciona que:

"a carga semântica da palavra guarda também demonstra ambivalência, indicando um sentido de guarda como ato de vigilância, sentinela, que mais se afeiçoa ao olho unilateral do dono de uma coisa guardada, noção inadequada a uma perspectiva bilateral de diálogo e de troca na educação e formação da personalidade do filho."

Na reflexão de Kant: As coisas têm preço, e as pessoas dignidade...

Espécies de guarda no CC

O CC estabelece que guarda será unilateral ou compartilhada (CC 1.583). A guarda unilateral é atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º, CC).

Quando houver elementos que evidenciam a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar a guarda será unilateral , com a redação dada pela lei 14.713/23 (art. 1.584, § 5º, CC).

Já a guarda compartilhada ocorre a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao "poder familiar" dos filhos comuns. (CC 1.583, § 1º).

Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. (CC, 1.583, § 1º).

De outro modo, há igualdade parental no convívio familiar que é imprescindível na formação das crianças e adolescentes.

Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente. (CC 1.584, § 2º).

Nota-se que a preferência é pela guarda compartilhada, pois compete, por óbvio, aos pais o dever parental ou corresponsabilidade.

Pai e mãe são igualmente importantes à educação os filhos e fortalecimentos dos laços emocionais e psicológicos.

Tanto é que a audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada (CC 1.584, § 1º). Além do que, retira a ideia de posse.

Não se pode confundir o término da conjugalidade com a continuidade dos vínculos parentais, que, aliás, não são modificados em relação aos filhos, com isso, gerando obrigações, direitos e deveres. 

A propósito, toda criança e adolescente tem o direito de conviver com ambos os pais, independente da relação do ex-casal.

As crianças sabem de que dois representam mais do que um....

Na verdade, não se pode embaralhar o conceito de guarda compartilhada, em que o tempo de convivência é dividido de forma equilibrada entre os pais, com a guarda alternada , onde há convivências restritas a finais de semanas alternados.

Guarda compartilhada com residência alternada

É importante trazer nesse ponto a observação de Rodrigo da Cunha Pereira3:

"O próximo passo evolutivo em direção à proteção das crianças e adolescentes é entender que, na maioria dos casos, os filhos podem ter duas casas."

Crianças são adaptáveis e maleáveis e se ajustam a novos horários, desde que não sejam disputadas continuamente e privada de seus pais.

O discurso de que as crianças/adolescentes ficam sem referência, se tiverem duas casas, precisa ser revisto, assim como as mães deveriam deixar de se expressarem que "deixam" o pai ver e conviver com o filho.

Não confundir, porém, com guarda alternada, onde não há previsão no CC, espécie unilateral e monoparental, onde há exclusividade da guarda por um dos pais, com a guarda compartilhada com residência alternada, onde os filhos têm dois lares e dupla residência com igualdade de convivência com os pais.

Repito: filhos precisam de pai e mãe para o seu convívio, educação e seu crescimento.

Mas quem paga a pensão em caso de guarda compartilhada com residência alternada?

Depende. Tem que analisar o trinômio: necessidade, possibilidade e proporcionalidade. 

Vejamos um caso concreto, em Pindorama: Trata-se de ação revisional de alimentos pedido a alteração do pensionamento de 20% para a proporção de 30%, sendo 15% para cada filho; incluindo na prestação alimentar a integralidade e das despesas escolares, tais como matrícula, uniforme e material escolar, além das mensalidades escolares dos autores.

Em relação a variável possibilidade, os pais, classe média, ganhavam aproximadamente a mesma remuneração.

A propósito, os alimentandos, com residência alternada, tinham sua moradia dividida igualmente entre o alimentante e a requerente, implicando na justa repartição dos principais custos rotineiros.

Não obstante, os genitores terem o mesmo salário e os gastos da moradia era dividida pela convivência alternada, e o alimentante pagava 20% de pensão, a reclamante pediu a alteração do pensionamento para 30%, integralidade do pagamento da escola e despesas, tais como matrícula, uniforme e material escolar

Após a propositura de agravo de instrumento, por parte da genitora, a desembargadora relatora estranhou a ausência de contribuição dos gastos educacionais por parte genitora.

Determinou a obrigação da agravante de ressarcir, em 50% do valor despendido, uma vez que a ela se furtava a tal responsabilidade.

Muito Pior: A reclamante fez um malabarismo contábil alegando que as despesas dos menores ultrapassavam a quantia de R$ 20 mil reais, havendo um superdimensionamento dos gastos, a fim de induzir o juízo em erro. 

Não provou. As contas não fechavam. A matemática não mente...

Outra coisa: A reclamante diminui a sua remuneração alegando que tinha empréstimos. Tentou fazer uma malandragem jurídica.

Isso tem nome: é má-fé processual!

Como é sabido, o cálculo do pensionamento é feito considerando o valor bruto dos rendimentos menos os descontos obrigatórios. Até as pedras da rua sabem disso. 

Em consequência, por óbvio, não excluem os eventuais empréstimos realizados. 

Entretanto, por mais que na AIJ - Audiência de Instrução e Julgamento foi bem explicado pelo juízo de que os empréstimos não são descontos obrigatórios, a mãe continuava em alegar que tinha rendimentos menores.

Ora, tem que provar que os empréstimos foram usados em benefício de filhos e, não por exemplo, em viagens no exterior.

Importante: O Ministério Público, na AIJ, opinou:

"Então não poderia ser divisão das despesas? Porque não faz muito sentido pagar (pensão), porque os 20% seria mais para arcar com custos de moradia, de alimentação que ele também já tem. Não seria mais razoável dividir as despesas todas de escola, de saúde, dividir tudo meio a meio".

Melhor solução para o caso

Por fim, a solução justa para o caso concreto, levando em consideração o trinômio: necessidade, possibilidade e proporcionalidade seria o alimentante não pagar os 20% de pensão.

Primeiro: Por quê? Porque considerando que a guarda era compartilhada e com residência alternada o alimentante já teria despesas com alimentação e moradia dos filhos.

A balança estava pesando mais para o lado do alimentante.

Segundo: A capacidade contributiva dos genitores é bem igual, devendo ser isonômica, é claro, nas obrigações alimentares! 

Terceiro: Além disto, deverá ser dividido, na proporção de 50%, as despesas de educação, saúde, lazer.

Por falar nisso, o § 1º do art. 1.694 do CC, utilizado supletivamente dispõe que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades de quem reclama os alimentos e da disponibilidade de recursos da pessoa obrigada.

Também, realçando o requisito da proporcionalidade, enuncia o art. 1703 do CC que "para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos".

Em consequência, é dever de ambos os genitores contribuírem para o sustento dos filhos menores, consoante arts. 227 e 229 da CF/88 e nos arts. 1.566, inciso IV, 1.634, inciso I, 1.694 e 1.703 do CC.

Logo, no caso em debate, não há que se falar em pagamento de pensão por parte do alimentante, devendo haver a exoneração, pois os pais têm a mesma condição financeira.   

_____________

1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7 edição. Editora Revista dos Tribunais. P.852, 2016, Revista dos Tribunais.

2 TEPEDINO, Gustavo:  A Disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional, In: Temas de Direito Civil, tomo II, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 308.

3 DA CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005

Renato Otávio da Gama Ferraz

VIP Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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