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Advocacia predatória na saúde suplementar: Ações de fornecimento de medicamento domiciliar

Maria Eduarda Loureiro

A saúde é um direito fundamental, porém, a responsabilidade de garanti-la é dos entes públicos. Planos de saúde têm limites contratuais e não devem ser equiparados ao sistema público.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Atualizado em 17 de fevereiro de 2025 15:01

É consabido que o direito à saúde pode ser buscado e concretizado através do Poder Judiciário. Entretanto, imprescindível é o estabelecimento de parâmetros mínimos, posto que nenhum direito, ainda que de força constitucional, não é absoluto

Nesse viés, quanto ao direito à saúde, previsto em nossa Constituição como direito fundamental, tem-se que foi dada competência em zelar e garanti-lo aos entes de federativos, quais sejam, a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. É justamente dessa previsão constitucional que os Tribunais pátrios argumentam que qualquer dos entes públicos pode ser demandado judicialmente para garantir tal direito.

O SUS é regulamentado pela lei 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, regulando as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. A lei do SUS regula, portanto, a forma de gestão do sistema, de modo que a cada ente cabe determinada parcela de competência e diferentes atribuições.

Em contrapartida, quando se trata dos serviços prestados pelas operadoras de saúde, não é aplicável a repartição de competência prevista constitucionalmente, uma vez que entre contratos privados de saúde, versa o princípio da contratualidade, ou seja, deve ser preservado os limites contratuais firmados, haja vista que a contraprestação paga é diretamente proporcional ao risco que o contrato está abarcando, impossível cobrir qualquer procedimento/exame/medicamento que esteja fora desta abrangência. 

Assim, considerando que a atuação das operadoras e sua relação com seus beneficiários é regida pela lei 9656, que versa sobre a saúde suplementar, bem como pelas normativas da ANS - Agência Nacional de Saúde, existe a previsão na RN 465 da ANS em seu art. 17 da exclusão assistencial para medicamentos domiciliares. Abaixo transcrito:

Art. 17. A cobertura assistencial de que trata o plano-referência compreende todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos, obstétricos e os atendimentos de urgência e emergência previstos nesta Resolução Normativa e seus Anexos, na forma estabelecida no art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998.

Parágrafo único. São permitidas as seguintes exclusões assistenciais:

[...]

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, com exceção dos medicamentos previstos nos incisos IX e X do art. 18, e ressalvado o disposto no art. 13;

Partindo da análise legal dos contratos de plano de saúde, denota-se a licitude das negativas de fornecimento de medicamento domiciliar. Entretanto, em clara confusão de responsabilidade e competência em fornecer saúde universal, vem se amontoando no Judiciário incontáveis ações que buscam o fornecimento de medicamento domiciliar, ou seja, que podem ser adquiridos em farmácias, por exemplo, pelo plano de saúde sob o argumento de serem de alto custo. 

O problema reside nas decisões que equiparam, perigosamente, um plano de saúde a um órgão público tanto quanto à responsabilidade em garantir a saúde, quanto no poder aquisitivo. Impossível é essa equiparação, primeiro porque o dever de promover recursos e acesso à saúde pública são dos entes governamentais, não de uma empresa privada, segundo que é desmedido e inconsequente afirmar que um plano de saúde possui os mesmos recursos financeiros que um estado por exemplo.

O risco de se ter uma demanda crescente sem medidas acompanhada de decisões que conferem ao plano de saúde uma obrigação não prevista nem contrato, nem lei e nem muito menos no próprio calculo notarial da operadora é a desvalorização do contrato, com iminente desequilíbrio financeiro da operação, pondo em risco a manutenção da prestação de serviço, além de afastar a responsabilidade governamental em fornecer esses medicamentos. 

É inevitável que os preços pagos pelas operadoras de saúde em cumprimento às obrigações judiciais no fornecimento de medicamentos sem cobertura obrigatória sejam repassados nos reajustes das mensalidades, o que acarreta um ciclo vicioso prejudicial a todas as partes. 

Conforme dados do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, o ano de 2024 finalizou com quase 300 mil novos processos, representando mais que o dobro em três anos desde o início do monitoramento do Conselho em 2020.

Em contrapartida, ainda que lentamente e a duros esforços, há de se notar mudanças pequenas no entendimento de alguns Tribunais pátrios que reconhecem a responsabilidade estatal em garantir o acesso à saúde, ao passo que compreende os riscos da operadora em assumir uma prestação de serviço pela qual não foi contratada.

Ainda há um longo caminho no Judiciário para se firmar o entendimento quanto o respeito à validade do contrato firmado no âmbito da saúde suplementar, bem assim entre a própria população na compreensão de que a insistência em driblar os limites contratuais prejudica a si mesmo, uma vez que esse valor despedido retorna em suas mensalidades.

Maria Eduarda Loureiro

Maria Eduarda Loureiro

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2022. Advogada inscrita na OAB - Seccional do RN sob o n° 20494. Pós-graduanda em Processo Civil pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN). Atuante no Contencioso Cível, especialmente nas áreas de Direito Securitário defendendo os interesses de clientes na esfera da saúde suplementar

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