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Donald J. Trump suspende aplicação do FCPA até que novas diretrizes e políticas de aplicação sejam editadas

Em 10/2/25, Trump suspendeu a aplicação do FCPA até revisão das diretrizes para melhorar a competitividade econômica e a segurança nacional dos EUA.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Atualizado em 14 de fevereiro de 2025 13:55

Em 10/2/25, o presidente dos EUA Donald J. Trump emitiu uma ordem executiva (executive order) determinando que a procuradora-Geral suspenda a aplicação do FCPA - Foreign Corrupt Practices Act - a lei anticorrupção norte-americana - até que as diretrizes e políticas (guidelines) que regem as investigações e ações de aplicação do FCPA sejam revistas e alteradas, com a finalidade de restaurar a competitividade de empresas americanas no cenários internacional e resguardar a segurança nacional.

Segundo a ordem executiva, as previsões do FCPA, desde que entraram em vigor em 1977, vêm sendo interpretadas e aplicadas de forma excessivamente extensiva pelas autoridades, em detrimento dos próprios interesses norte-americanos, ao julgarem como atos indevidos "práticas comerciais de rotina em outros países".

Sob o fundamento de que a aplicação das previsões anticorrupção, pelas autoridades norte-americanas, estaria prejudicando diretamente a competitividade econômica de empresas nacionais (desperdiçando recursos que "poderiam ser dedicados à preservação das liberdades americanas"), e por consequência, a segurança nacional dos EUA, a decisão foi assinada e, portanto, estaria eliminando barreiras excessivas (e desnecessárias1) ao comércio americano no exterior.

Dentro de um período de 180 dias2, contados a partir da emissão da ordem, a procuradora-Geral dos EUA deverá revisar as diretrizes e políticas de aplicação do FCPA. Durante esse período de revisão, a procuradora-Geral:

  1. Não poderá iniciar novas investigações ou ajuizar ações de aplicação do FCPA, salvo se necessária a tomada de ação excepcional por parte da Procuradoria3;
  2. Deverá revisar detalhadamente todas as investigações e ações realizadas com base no FCPA, priorizando os interesses e a competitividade econômica dos EUA;
  3. Emitirá diretrizes e políticas atualizadas com vistas a promover a autoridade do presidente dos EUA em matéria de relações exteriores e priorizar interesses norte-americanos e a competitividade das empresas no mercado internacional.

Investigações ou ações iniciadas ou continuadas após o período de revisão deverão ser expressamente autorizadas pela Procuradoria-Geral e estarão sujeitas às diretrizes e políticas revisadas.

Após a publicação das novas diretrizes, na hipótese de serem identificadas inconsistências nas investigações e ações de aplicação do FCPA pretéritas, a Procuradoria-Geral poderá determinar ações adicionais e medidas corretivas.

Sinteticamente, a ordem executiva condiciona o prosseguimento e a instauração de investigações e ações, com fulcro nas proibições previstas pelo FCPA, à determinação novas diretrizes e políticas de aplicação da lei pela procuradora-Geral dos Estados Unidos. Tal ato vem em consonância com o recente memorando emitido pela procuradora-Geral dos EUA.

Memorando da procuradora-Geral do EUA

Cinco dias antes da publicação da ordem executiva por Donald Trump, a atual procuradora-Geral dos EUA emitiu um memorando, intitulado "Total Elimination of Cartels and Transnational Criminal Organizations", comunicando o novo posicionamento a ser assumido pelas autoridades norte-americanas: a eliminação total de cartéis e organizações criminosas transnacionais, que representam uma ameaça à soberania e à segurança nacional dos EUA.

Em suma, o memorando orienta as autoridades Federais (i) a priorizarem investigações relacionadas à suborno estrangeiro que facilitem as operações criminosas de cartéis/organizações criminosas transnacionais e (ii) desviar o foco de investigações e casos não relacionados.

Nesse sentido, merece destaque a orientação direcionada à divisão criminal (Unidade FCPA) responsável pelo combate de atos de corrupção internacionais do DoJ - Departamento de Justiça dos EUA.

Nos termos ditados pelo documento, a Unidade FCPA do DoJ deverá mudar seu "foco" de investigações e casos de crimes de colarinho branco para priorizar investigações relacionadas ao pagamento de propina a autoridades públicas, com meio de facilitação ao contrabando de pessoas e ao tráfico de drogas e armas.

Então, com a finalidade de combater, prioritariamente, a existência de cartéis e organizações criminosas internacionais, para instauração de investigações desta classe, estarão suspensos os requisitos (i) de autorização prévia pela Unidade FCPA do DoJ para iniciar as atividades persecutórias (cabendo somente um aviso de 24 horas sobre a intenção de investigar o assunto) e (ii) de que sejam conduzidos por procuradores da Unidade FCPA da seção de fraudes do órgão4.

Em consequência, será depositada menor atenção aos casos de aplicação de leis de colarinho branco e FCPA que envolvem atos relacionados a cartéis e organizações criminosas.

A priorização de casos relacionados a cartéis e organizações criminosas também alcançará investigações de lavagem de dinheiro, conduzidas pela divisão criminal de combate à lavagem de dinheiro do DoJ (MLARS), e de extorsão internacional, previstas pelo FEPA - Foreign Extortion Practices Act.

Observações preliminares e potenciais consequências

Evidente que os objetivos traçados pela ordem executiva e pelo memorando da Administração Trump sinalizam mudanças no cenário de aplicação do FCPA, mas a extensão dessas mudanças ainda é desconhecida, o que gera justificadas inseguranças jurídicas às empresas sujeitas ao FCPA.

Isto não é dizer, no entanto, que passa a vigorar a impunibilidade de empresas norte-americanas ou estrangeiras que tenham cometido atos vedados pelo FCPA. Ou seja, até que novas diretrizes sejam divulgadas pela procuradora-Geral dos EUA, as empresas devem a continuar agindo estritamente de acordo com suas atuais políticas anticorrupção, de modo a garantir que permaneçam em conformidade com a FCPA e outras leis nacionais e internacionais.

Ademais, vale mencionar que a aplicação de penalidades previstas pela FCPA compete concorrentemente com o DoJ (SEC - Securities and Exchange Commission). No entanto, a SEC possui competência primária para o ajuizamento de demandas de caráter cível, ainda no âmbito da lei, em relação ao DoJ, que, no momento, permanece sem questionamentos.

Por esse motivo, mesmo que os esforços majoritários do DoJ sejam destinados ao combate de cartéis e organizações criminosas, a aplicação de ações na criminologia se manterá como possibilidade de empresas que violem as previsões do FCPA.

Outra questão importante é que os atos, em violação ao FCPA, prescrevem em 5 anos quando referentes a pagamentos de vantagens indevidas (e.g., propina). Dessa forma, a suspensão ora estabelecida pela ordem executiva, mesmo que, porventura, se estenda durante todo o mandato do presidente eleito, não alcançará a punibilidade de atos cometidos neste anos. Portanto, quaisquer violações ao FCPA que ocorram nos próximos quatro anos poderão ser objeto de ações sob uma eventual nova administração.

Por fim, embora o FCPA seja a legislação anticorrupção mais conhecida (e aplicada) globalmente, as empresas devem estar cientes de que as leis anticorrupção existem em várias outras jurisdições ao redor do mundo, sendo que quaisquer que sejam as mudanças trazidas na aplicação do FCPA, estas não terão impacto imediato e significativo nas demais leis, como o UK Bribery Act (Reino Unido), a Lei Sapin II (França) ou a lei anticorrupção brasileira (lei 12.846/13).

No que tange ao Brasil, as novas diretrizes de aplicação do FCPA podem afetar a cooperação entre os países no combate a ilícitos empresariais, uma vez que o DoJ tem atuado com rigor contra empresas estrangeiras, como vimos no caso da Operação Lava Jato. Resta saber se essa nova abordagem será capaz de diminuir a moral para as empresas dos EUA e de outros países.

Ao fim e ao cabo, as medidas determinadas pela Administração Trump não surpreendem por completo, pois integram um conjunto de políticas de fomento à competitividade de empresas norte-americanas e acabam sendo fiéis ao slogan "America First", adotado repetidamente durante a campanha do atual presidente.

Enquanto se aguarda a publicação das novas diretrizes e políticas de aplicação do FCPA, perdurará o temor de que as novas medidas possam representar um retrocesso nos esforços globais de combate à corrupção.

_________

1  Confira o comunicado emitido pela Casa Branca sobre a ordem executiva assinada em 05.02.2025: https://www.whitehouse.gov/fact-sheets/2025/02/fact-sheet-president-donald-j-trump-restores-american-competitiveness-and-security-in-fcpa-enforcement/.

2 Renováveis por igual período.

3 A ordem executiva não estabelece regras para tal excepcionalidade.

4  A competência exclusiva sobre investigações e processos do FCPA não relacionados aos cartéis e às organizações criminosas permanece sendo da Unidade FCPA da seção de fraudes.

Valdir Moysés Simão

Valdir Moysés Simão

Doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca. Palestrante e Professor de pós-graduação em Direito. Presidente do INSS. Secretário da Fazenda. Secretário-executivo da Casa Civil da Presidência da República. Auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil. Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão. Ministro-Chefe da Controladoria Geral da União. Advogado do escritório Warde Advogados.

Pedro Henrique Adoglio Benradt

Pedro Henrique Adoglio Benradt

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. LLM em Direito Societário pelo INSPER - Instituto de Ensino e Pesquisa. Advogado do escritório Warde Advogados, com atuação em compliance, anticorrupção e consultivo societário e comercial.

Manuela Cadrobbi Haydn

Manuela Cadrobbi Haydn

Graduanda em direito pela PUC-SP. Estagiária do Warde Advogados

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