A "reciprocidade" segundo Trump: Porque não faz sentido no comércio global
Trump defende a reciprocidade tarifária, mas ignora as complexidades do comércio global. Tarifas simétricas podem prejudicar empresas e desconsideram acordos multilaterais.
domingo, 16 de fevereiro de 2025
Atualizado em 14 de fevereiro de 2025 11:21
Recentemente, Donald Trump voltou a defender a ideia de "reciprocidade" no comércio, argumentando que os Estados Unidos deveriam impor tarifas idênticas às de seus parceiros para garantir um tratamento justo. A proposta pode parecer lógica à primeira vista, mas ignora as complexidades que moldaram décadas de acordos comerciais e políticas tarifárias. Reciprocidade não significa um simples "espelhamento" de tarifas, tampouco pode ser reduzida a um jogo de soma zero sobre quem exporta ou importa mais.
A realidade histórica das tarifas
Ao longo do século XX, os EUA lideraram a liberalização comercial, mas sempre protegeram setores estratégicos. O próprio Ronald Reagan, um ícone do conservadorismo pró-mercado, impôs restrições voluntárias a importações para proteger a indústria automotiva e siderúrgica. Trump, no entanto, trata qualquer déficit comercial como sinal de fraqueza, ignorando o fato de que acordos multilaterais, como o GATT e a OMC, foram estruturados com concessões cruzadas entre diferentes setores.
Neste sentido, Trump sustenta que tarifas mais altas forçariam empresas a produzirem dentro dos EUA ou gerariam receita para compensar déficits fiscais. O problema é que essa abordagem, quando aplicada de forma generalizada, eleva os custos para as próprias empresas norte-americanas que dependem de insumos importados. Além disso, ignora subsídios ocultos, barreiras regulatórias e a capacidade produtiva dos parceiros comerciais. No caso da China, por exemplo, uma tarifa simétrica de 25% não neutraliza os efeitos do protecionismo estatal e das políticas industriais agressivas adotadas por Pequim.
Reciprocidade: Muito além das tarifas
Reciprocidade no comércio internacional não se limita a uma correspondência numérica entre tarifas. Acordos comerciais envolvem uma troca mais ampla de concessões: um país pode reduzir tarifas para produtos agrícolas, enquanto o outro abre seu mercado para bens industriais. Esse "equilíbrio negociado" é a essência do comércio global e das regras multilaterais que o sustentam. No entanto, Trump simplifica o conceito ao extremo, desconsiderando as cadeias produtivas globais e a complexidade das negociações setoriais.
É verdade que práticas como transferência forçada de tecnologia e espionagem industrial justificam medidas de contenção, mas isso não significa que a resposta adequada seja simplesmente impor tarifas espelhadas. A história mostra que retaliações indiscriminadas geralmente causam mais prejuízos do que benefícios, especialmente para indústrias que dependem de componentes estrangeiros.
Um erro fundamental da visão de Trump sobre reciprocidade é ignorar o impacto interno de suas medidas. Tarifas mais altas encarecem insumos, reduzem a competitividade das empresas norte-americanas e levam a retaliações que afetam setores-chave, como o agronegócio. A classe média dos EUA, que já lida com inflação crescente, pode ser a principal prejudicada, arcando com preços mais altos para bens de consumo essenciais.
Historicamente, governos republicanos aplicaram medidas protecionistas seletivas para proteger empregos estratégicos, mas sempre equilibrando com acordos comerciais que evitassem retaliações destrutivas. A estratégia de Trump, ao insistir na reciprocidade tarifária sem levar em conta as nuances da economia global, ignora essas lições.
Muito além do slogan
Ao final, Trump recorre a um discurso politicamente atrativo, mas economicamente insustentável. Reciprocidade real não se resume a tarifas espelhadas, mas sim a um conjunto de negociações que envolvem agricultura, indústria, serviços e propriedade intelectual. Enquanto China e outros países adotam barreiras não tarifárias e subsídios estatais agressivos, uma simples paridade tarifária não resolve os desequilíbrios estruturais do comércio global.
Qual o efeito dessa retórica simplista? Investidores apreensivos, volatilidade nos mercados e indústrias pressionadas pelo aumento de custos. Durante seu primeiro mandato, Trump percebeu que era impossível sustentar sua política de tarifas sem concessões e isenções específicas. Agora, ao retomar esse discurso, o risco é repetir os mesmos erros, minando a competitividade dos EUA e desestabilizando relações comerciais estratégicas.
Conclusão
Reciprocidade no comércio internacional é um conceito sofisticado, que vai muito além de um espelhamento de tarifas. Trata-se de um equilíbrio negociado que envolve múltiplos setores e concessões estratégicas. Ignorar essa realidade e insistir em uma paridade artificial pode gerar custos elevados para a indústria e o consumidor de seu país, além de provocar retaliações que comprometem o crescimento econômico global.
Se a prioridade de Trump é proteger empregos e atrair investimentos, ele precisará mais do que slogans sobre "tratamento justo". A reciprocidade real exige um olhar pragmático sobre vantagens competitivas, medidas de salvaguarda eficazes e, acima de tudo, disposição para acordos duradouros - algo bem diferente da imposição unilateral de tarifas sem estratégia clara. Como a longa experiência histórica do GATT/OMC já demonstrou, o comércio global não funciona na base do improviso.
Welber Barral
Sócio de Barral Parente Pinheiro Advogados, com escritórios em São Paulo, Brasília e Buenos Aires.