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A importância dos métodos alternativos no combate à circunvenção nas importações

A fraude no comércio exterior prejudica a arrecadação tributária e a competitividade das empresas. A Receita Federal e o DECOM atuam em conjunto para combater práticas ilícitas, como a circunvenção de direitos antidumping.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Atualizado às 13:50

A entrada de uma grande quantidade de produtos estrangeiros em território nacional também enseja, naturalmente, o surgimento de desafios para os órgãos fiscalizadores, que precisam se atentar às mais elaboradas práticas fraudulentas.

As fraudes podem ocorrer nos mais diversos setores - desde a importação de produtos de alto valor agregado, como eletrônicos, equipamentos médicos e maquinários industriais, até a importação de mercadorias para consumo popular, como roupas, calçados, brinquedos e alimentos.

Em último momento, as irregularidades advindas dessas práticas comprometem a arrecadação tributária, prejudicam a competitividade das empresas nacionais e causam danos expressivos ao mercado e à indústria doméstica.

A Secretaria Especial da RFB - Receita Federal do Brasil é o principal órgão responsável pela administração dos tributos de competência da União, incluindo os incidentes sobre o comércio exterior. Também subsidia o Poder Executivo Federal na formulação da política tributária brasileira e previne e combate práticas como a sonegação fiscal, o contrabando, o descaminho, a contrafação, a pirataria, a lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e outros ilícitos aduaneiros.1

Essas práticas, em sua maioria, visam reduzir ou evitar o pagamento de tributos e encobrir atividades ilícitas, gerando prejuízos bilionários aos cofres públicos.

Muito embora a RFB esteja habituada a combater práticas como as descritas acima, que podem ser caracterizadas como mais usuais, pouco se discute sobre sua importância no combate às práticas elisivas que visam frustrar a aplicação de direitos antidumping, chamadas de circunvenção, cujas especificidades estão descritas no decreto 8.058/13 ("Decreto Antidumping").

Comumente, entende-se que questões relacionadas aos direitos antidumping são de competência exclusiva do DECOM - Departamento de Defesa Comercial, órgão integrante do MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, por intermédio das revisões anticircunvenção. Entretanto, na realidade, a atuação conjunta de agentes de fiscalização e controle do comércio internacional pode ser muito mais eficaz que a concentração das ações em um só órgão.

Esses direitos podem ser caracterizados como medidas comerciais aplicadas com o objetivo de assegurar condições equitativas de concorrência e apoiar a indústria doméstica contra práticas desleais de comércio internacional, que podem gerar diversos prejuízos.

Atualmente, há mais de 60 produtos sob aplicação de medidas antidumping, sendo os principais setores afetados o químico e o siderúrgico2. Além dos direitos já aplicados, mais de 30 investigações estão em curso para a definição de possíveis aplicações futuras pelo DECOM3.

Neste contexto, alguns exportadores praticam a circunvenção a fim de frustrar a eficácia das medidas antidumping aplicadas, ou seja, contornar a obrigação dos pagamentos das sobretaxas.

Importante frisar que não existem normas multilaterais entre os países para delimitar diretrizes mais objetivas e técnicas sobre a circunvenção. O tema, aliás, não está incluso no arcabouço regulatório da OMC - Organização Mundial do Comércio, em função dos constantes embates entre países de perfil exportador e importador sobre quais práticas poderiam ser classificadas desta forma e quais medidas deveriam ser adotadas.4

No Brasil, o referido Decreto Antidumping, em conjunto com a portaria SECEX 171/22, postula que a circunvenção ocorre por meio de uma prática comercial que vise frustrar a eficácia da medida antidumping por meio da introdução, em território nacional, de determinados tipos de importação.

Em primeiro lugar, pode configurar circunvenção quando partes, peças ou componentes originários ou procedentes do país sujeito à aplicação do direito antidumping, são exportadas ao Brasil e industrializadas em território nacional sem que haja qualquer agregação de valor ao produto, com o único objetivo do não pagamento do direito.  

Em segundo lugar, produtos que foram industrializados em outros países, por meio da utilização de partes, peças ou componentes originários do país ao qual está sendo aplicado o direito antidumping, sem que haja, novamente, agregação de valor ou transformações significativas no produto que alterem sua finalidade.

Por último, produtos originários do país sujeito à medida antidumping que apresentem alterações marginais em relação ao produto, em si, sujeito à aplicação do direito antidumping - podendo, inclusive, resultar em um "salto tarifário", isto é, a mudança de posição nos termos da NCM - Nomenclatura Comum do Mercosul -, desde que não haja alteração de seu uso ou destinação final.

Há, ainda, alguns pré-requisitos que devem ser observados para que se confirme a existência de circunvenção em cada uma das hipóteses descritas, como a necessidade de a exportação do produto ter ocorrido a preços inferiores ao valor normal apurado para o produto sujeito à medida antidumping (preço praticado pelos exportadores em seu mercado doméstico).

Uma vez verificada a presença de todas as condições elencadas, o DECOM poderá dar início a uma revisão anticircunvenção no âmbito da respectiva medida antidumping vigente, a fim de estender a aplicação dos direitos às importações fraudulentas, como observado. A revisão pode ser iniciada ex officio, pelas autoridades competentes, ou a pedido da indústria doméstica.

Esta revisão, conforme disposto no art. 128 do decreto 8.058/13, deverá ser concluída no prazo de seis meses, com possibilidade de prorrogação por até três meses. Este prazo, contudo, pode acabar se mostrando inviável e acarretar prejuízos expressivos para as empresas afetadas.

Por este motivo, emerge como indispensável a utilização de meios alternativos à própria revisão anticircunvenção, como a atuação direta da RFB, que pode garantir a mitigação das importações fraudulentas e o reestabelecimento das condições normais de mercado em um prazo mais curto.

A revisão anticircunvenção, por mais que seja efetiva a médio/longo prazo, não é a única medida cabível nesses casos. Na verdade, existem outras providências que podem ser adotadas, cujo impacto é ainda mais imediato, como a submissão de denúncias ao Grupo de Inteligência de Comércio Exterior (GI-CEX) - que tem como membros representantes da SECEX - Secretaria de Comércio Exterior e da RFB -, ou à própria Receita Federal, diretamente. 

O GI-CEX, estabelecido por meio da portaria conjunta 22.676/20, possui a atribuição de identificar indícios de infração à legislação de comércio exterior e propor as medidas necessárias para impedi-las, enquanto o canal de contato direto da RFB encaminhará a denúncia, instantaneamente, para um de seus canais de parametrização a fim de que a importação seja analisada.

Aqueles que dispuserem de informações sobre possíveis indicativos de fraude podem apresentar uma denúncia ao GI-CEX, por meio de um formulário disponibilizado no próprio site5, ao passo em que as denúncias diretas à Receita Federal podem ser feitas à ouvidoria do órgão6.

A atuação do DECOM, por meio da revisão anticircunvenção, é tão somente um dentre os demais caminhos possíveis para o combate à circunvenção. Diante disso, denúncias ao GI-CEX ou à ouvidoria da Receita Federal, embora sejam medidas menos conhecidas, podem ser ações igualmente efetivas, além de céleres.

É imprescindível, portanto, que as empresas se conscientizem e utilizem os mecanismos disponíveis, enquanto os órgãos responsáveis intensifiquem ações de sensibilização e divulgação desses instrumentos.

Assim, o alinhamento entre os setores público e privado, junto à aplicação de estratégias inovadoras e colaborativas, constitui um caminho promissor para enfrentar os desafios impostos pela circunvenção e garantir a proteção da economia nacional.

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1 Vide: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/institucional

2 Vide: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/comercio-exterior/defesa-comercial-e-interesse-publico/medidas-em-vigor/medidas-em-vigor

3 Vide: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/comercio-exterior/defesa-comercial-e-interesse-publico/investigacoes/investigacoes-de-defesa-comercial

4 ATHAYDE, Amanda. Curso de Defesa Comercial e Interesse Público no Brasil - Teoria e Prática. São Paulo. Ed: SaraivaJur, 2023.

5 Vide: https://www.gov.br/siscomex/pt-br/informacoes/combate-a-praticas-ilegais/gi-cex/GI-CEX

6 Vide: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/canais_atendimento/ouvidoria/ouvidoria-lei-13460

Pedro Cattini B. Soriano de Alencar

Pedro Cattini B. Soriano de Alencar

Estagiário na área de Comércio Exterior do escritório Barral Parente Pinheiro.

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