Reforma tributária: IPVA e a esperada revisão da hipótese de incidência
A reforma tributária (EC 132/23) ampliou o IPVA para veículos aquáticos e aéreos, visando justiça fiscal. No entanto, isenções podem limitar seu impacto. Estados como Goiás já regulamentaram a mudança.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
Atualizado às 07:21
Chegado o mês de janeiro, dentre tantas outras preocupações, também chega a obrigação do recolhimento do IPVA - o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. Como se sabe, o fato gerador do IPVA é justamente ser proprietário de veículo automotor terrestre.
A incidência limitada ao veículo automotor terrestre, aliás, foi analisada pelo STF na ocasião do julgamento do RE 379.572-4/RJ, no qual ficou decidido que, por se tratar de tributo originado da antiga TRU - Taxa Rodoviária Única, o IPVA não poderia onerar outros tipos de veículos.
O conceito de veículo automotor, entretanto, tem como fundamento o CTB - Código de Trânsito Brasileiro, segundo o qual trata-se de veículo a motor de propulsão a combustão, elétrica ou híbrida que circula por seus próprios meios e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas, compreendidos na definição os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).1
Não obstante, superando inclusive o entendimento outrora firmado pelo STF, a reforma tributária (EC 132/23), com vistas ao aperfeiçoamento na tributação sobre o patrimônio, ampliou a base de incidência do IPVA para bens até então não tributados, quais sejam, os veículos aquáticos e aéreos - como lanchas, jet skis, helicópteros e jatos.
Vale destacar que ficaram ressalvadas as aeronaves agrícolas, aeronaves de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros, embarcações utilizadas para transporte aquaviário, embarcações para pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência, embarcações/plataformas cuja finalidade principal seja a exploração de atividades econômicas em águas territoriais e na zona econômica exclusiva, tratores e máquinas agrícolas.2
O Estado de Goiás saiu na frente e, em 26/12/24, sancionou a lei 23.1733, que amplia a cobrança do IPVA para veículos aquáticos e aéreos, com alíquotas de 3,75% para veículos de passeio, aquáticos e aéreos, e 1,25% para ônibus e caminhões. Excepcionalmente para o exercício de 2025, o fato gerador do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos adquiridos até 31/3/25 ocorrerá em 1º/4/25, e o imposto será devido proporcionalmente a nove meses do ano4, em atenção à anterioridade nonagesimal.
Em um país com um dos maiores índices de desigualdade social no mundo5, a nítida intenção do legislador é homenagear o princípio da isonomia por meio da "justiça fiscal", de modo a onerar mais expressivamente aqueles contribuintes com maior poder aquisitivo. Isso porque, evidentemente, não há lógica no dever de recolhimento do IPVA no que tange veículos populares com anos de uso e, ao revés, iates luxuosos não estarem inclusos no rol de incidência do imposto.
No entanto, fato é que, apesar da suposta boa intenção da EC 132/23 no que se refere ao IPVA, as imunidades concedidas tornam a ampliação do rol de incidência mais simbólica do que real à luz da diminuição das assimetrias sociais. Explica-se.
Muito embora o IPVA passe a alcançar os proprietários de aeronaves, os contribuintes tributados serão apenas os "menos ricos", na medida em que aviões agrícolas e aqueles de operadores certificados a prestarem serviço de transporte aéreos foram incluídos na lista de imunidades. Fato é que a maior parte dos donos de aviões particulares constitui pessoa jurídica para operar com táxi aéreo e, aqueles que não mantinham esta prática, certamente passarão a fazê-lo. Com relação às embarcações, basta que sejam utilizadas na prestação de serviços de transporte ou pesca para que a incidência do IPVA não as alcance.
A crítica mais contundente fica com a ausência de qualquer isenção ou benefício fiscal para empresas de ônibus, caminhões de carga ou motocicletas utilizadas por entregadores para sua própria subsistência, o que pode encarecer substancialmente produtos básicos da cesta básica, o custo do transporte nas grandes metrópoles e impactar até mesmo na inflação em um primeiro momento.
Mais adiante, a base de cálculo do IPVA consiste no valor venal do veículo, conforme tabela disponibilizada pela FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Com relação às alíquotas, o Senado Federal tem a prerrogativa fixar o patamar mínimo, conforme disposição do § 6º, do art. 155, da CF/886, incluído pela EC 42/03. Contudo, cada Estado detém da autonomia para instituir e fixar as alíquotas para seus contribuintes7 - em São Paulo, o percentual varia entre um a quatro por cento, a depender do tipo e utilização do veículo.
Com as alterações promovidas pela EC 132/23, contudo, a alíquota considerará o valor do bem, como também o seu impacto ambiental.8 Fica instituída, portanto, a legitimidade da alíquota progressiva de acordo com o valor do veículo e/ou seu potencial poluente.
Nesse âmbito, mais uma vez, apesar do intuito isonômico e natureza extrafiscal, a verdade é que a progressividade que considera o valor do bem e seu impacto ambiental é controversa em razão de sua natureza inversamente proporcional. Isto porque, é certo que veículos mais antigos e de menor valor são mais poluentes, enquanto os mais novos e de maiores valores traduzem menor impacto ambiental. Esta é mais uma ambiguidade que as alterações promovidas pela EC 132/23 deixou à discricionariedade do legislador estadual.
No Estado de São Paulo, em 31/12/24, foi divulgada a portaria SRE 94, pela SeFaz-SP - Secretaria da Fazenda e Planejamento, que regulamentou a lei 18.065, de 18/12/24. Trata-se da isenção do pagamento do IPVA aos proprietários de veículos movidos a hidrogênio e veículos híbridos - esses últimos, desde que atendidos certos critérios específicos. Em todos os casos, o valor do veículo não poderá superar o total de R$ 250 mil.
Inauguram-se também novas oportunidades e possibilidades para que proprietários de aeronaves e embarcações planejem a inclusão de seus veículos automotores em alguma das hipóteses de isenção para afastar a tributação.
De todo modo, as mudanças são superficialmente positivas e o que nos resta neste momento é aguardar os próximos episódios da reforma tributária.
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1 Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), Anexo I - Dos conceitos e definições
2 Constituição Federal, Art. 155, § 6°, inc. III, alíneas 'a', 'b' e 'c': "III - incidirá sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, excetuados: a) aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros; b) embarcações de pessoa jurídica que detenha outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência; c) plataformas suscetíveis de se locomoverem na água por meios próprios, inclusive aquelas cuja finalidade principal seja a exploração de atividades econômicas em águas territoriais e na zona econômica exclusiva e embarcações que tenham essa mesma finalidade principal; d) tratores e máquinas agrícolas."
3 Altera a Lei nº 11.651/1991, que instituiu o Código Tributário estadual.
4 Lei nº 23.173/24: "Art. 1º A Lei nº 11.651, de 26 de dezembro de 1991, que institui o Código Tributário do Estado de Goiás - CTE, passa a vigorar com as seguintes alterações:
'Art. 90. O IPVA incide sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos.
Parágrafo único. O imposto é vinculado ao veículo e devido quando o proprietário estiver domiciliado neste Estado.'
'Art. 93 (...) I - 1,25% (um inteiro e vinte e cinco centésimos por cento) para ônibus, micro-ônibus e caminhão; IV - 3,75% (três inteiros e setenta e cinco centésimos por cento) para veículos terrestres de passeio, veículos aquáticos, veículos aéreos e os demais veículos não especificados.'"
"Art. 2º Excepcionalmente para o exercício de 2025, o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos adquiridos até 31 de março de 2025 ocorrerá em 1º de abril de 2025, e o imposto será devido proporcionalmente a 9 (nove) meses do ano, conforme a publicação de tabela com o calendário de pagamento do IPVA."
5 Fonte: https://exame.com/mundo/quais-sao-os-paises-com-maior-desigualdade-social-do-mundo-veja-a-posicao-do-brasil-no-ranking/, disponível em 29/01/2025.
6 Constituição Federal, Art. 155, § 6°: "§ 6º O imposto previsto no inciso III: I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal;"
7 Constituição Federal: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: III - propriedade de veículos automotores."
8 Constituição Federal, Art. 155, § 6°, inc. II: "II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental;"
Giovanna Semprini Ferreira
Advogada Júnior. Graduação em ciências e Humanidades - UFABC, relações Internacionais - UFABC, Direito - Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Pós-Graduação em Direito Tributário e Aduaneiro.