Como a IA está transformando o setor jurídico mundial
A IA no Direito não é apenas inovação, mas uma necessidade para escritórios e tribunais que buscam eficiência, precisão e redução de custos operacionais na advocacia e na Justiça.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Atualizado às 10:24
A transformação digital no Judiciário brasileiro tem progredido de forma rápida, graças a aceitação e uso crescente da IA - Inteligência Artificial, com suas diversas aplicações. O CNJ divulgou um relatório recente, revelando um aumento de 26% no uso da IA nos tribunais nacionais em relação a 2022. A pesquisa analisou 94 órgãos judiciais e identificou 140 projetos em diferentes estágios de desenvolvimento, reforçando a tendência de digitalização e modernização da Justiça.
Se antes a digitalização na advocacia se limitava à informatização de processos e audiências virtuais, hoje o uso de sistemas inteligentes se tornou um fator decisivo na evolução do setor, reduzindo gargalos e promovendo maior transparência.
Conforme tribunais e escritórios adotam essa ferramenta na sua atuação, a questão deixa de ser se a tecnologia será incorporada ao Direito, mas sim como essa integração será feita de forma ética, eficiente e equitativa. O Judiciário brasileiro está diante de uma oportunidade única para modernizar sua estrutura e tornar a prestação jurisdicional mais ágil, confiável e acessível a toda a sociedade.
IA no Direito: Tendência ou necessidade?
De acordo com um relatório da McKinsey, a automação está avançando em um ritmo muito mais acelerado do que o esperado. Sem a IA generativa, estimava-se que até 2030 a automação assumiria 21,5% das horas trabalhadas na economia dos EUA.
No entanto, com o avanço dessa tecnologia, essa projeção subiu para 29,5%, demonstrando um impacto ainda mais amplo na forma como diversas profissões operam - incluindo a advocacia. Mas, ao contrário do medo de substituição generalizada, a computação cognitiva tem se mostrado uma parceira, aumentando o desempenho e permitindo que advogados e juízes se concentrem em questões estratégicas e interpretativas, em vez de perderem tempo em tarefas repetitivas e burocráticas.
O uso da IA no Direito não é mais uma questão de tendência, mas de necessidade. Escritórios e tribunais que não adotarem essas inovações correm o risco de ficarem para trás, perdendo eficiência e competitividade.
Regulamentação da IA na prática jurídica: O que já existe e o que precisa evoluir
Atualmente, países ao redor do mundo estão se movendo em direções diferentes quando o assunto é regulação da IA no Direito. Nos Estados Unidos, há um foco maior na autorregulação e diretrizes internas dentro de empresas e escritórios, permitindo que cada organização estabeleça suas próprias normas para o uso da tecnologia. Já na União Europeia, o AI Act, recentemente aprovado, impõe restrições rigorosas para sistemas inteligentes considerados de alto risco, especialmente aqueles que podem afetar as prerrogativas fundamentais.
No Brasil, ainda há discussões em andamento sobre como integrar diretrizes éticas e normativas à prática legal, garantindo que a inovação seja utilizada de maneira responsável e segura.
Para que essa solução possa ser aplicada de maneira ética e funcional no setor, três aspectos precisam evoluir com urgência:
Transparência dos algoritmos
Muitos sistemas inteligentes fornecem resultados sem que os usuários compreendam exatamente como e por que determinada conclusão foi alcançada. No contexto jurídico, isso pode ser problemático, pois decisões judiciais ou pareceres baseados em IA podem conter viés algorítmico, favorecendo certos grupos ou perpetuando desigualdades.
Casos documentados nos Estados Unidos mostram que algoritmos preditivos foram usados para determinar sentenças criminais e concessões de liberdade condicional. Posteriormente, descobriu-se que essas ferramentas prejudicavam desproporcionalmente minorias raciais, pois suas previsões se baseavam em dados históricos enviesados.
Para evitar esse tipo de distorção, é importante garantir alguns pontos:
- Os critérios utilizados pelos códigos devem ser claros e acessíveis aos profissionais jurídicos;
- Auditorias precisam ser realizadas regularmente para identificar e corrigir possíveis vieses;
- Os usuários conseguirem contestar determinações automatizadas, evitando que a ferramenta se torne uma "autoridade final" sem supervisão humana;
Sem transparência das operações, o uso da computação cognitiva no Direito pode comprometer a imparcialidade da Justiça, gerando sentenças injustas para determinados grupos.
Responsabilidade jurídica
Se um advogado redige um contrato incorretamente ou um juiz toma uma decisão equivocada, a obrigação de responder por esses erros é clara. Mas o que acontece quando uma IA gera um parecer com erro, adiciona uma cláusula prejudicial a um contrato ou influencia uma sentença incorreta?
A questão da atribuição de culpa por falhas cometidas por IA ainda está em aberto e representa um dos maiores desafios regulatórios da atualidade. Afinal, os sistemas não possuem personalidade jurídica e, portanto, não podem ser responsabilizados diretamente por danos causados. Isso levanta questões como:
- O defensor que usou a inovação para elaborar um documento com erro deve arcar com as consequências?
- A empresa que desenvolveu o software especializado deve ser culpada?
- O tribunal que utilizou a ferramenta para triagem de processos e cometeu uma falha responderá legalmente?
Atualmente, não há consenso global sobre essa questão, mas algumas diretrizes começam a surgir. A computação cognitiva deve ser empregada como suporte, e não como um substituto da tomada de decisão humana, o que significa que juristas e juízes precisam revisar e validar os resultados gerados pela tecnologia antes de tomarem um veredito.
Além disso, há propostas para que a responsabilidade seja dividida entre desenvolvedores, usuários e gestores, dependendo do grau de controle que cada um tem sobre a IA.
Seja qual for o modelo adotado, o campo legal deve ter diretrizes bem definidas para lidar com erros cometidos por sistemas, garantindo que seus impactos não comprometam a segurança jurídica e as prerrogativas dos envolvidos.
Proteção de dados e privacidade
O setor jurídico lida diariamente com informações altamente sensíveis, que vão desde aspectos pessoais de clientes e partes envolvidas até documentos estratégicos e confidenciais de empresas. Com a IA executando volumes gigantescos de dados, a proteção desses elementos se torna uma prioridade absoluta.
A legislação já impõe diretrizes rigorosas para proteger registros pessoais no ambiente digital, como a LGPD, que exige que qualquer empresa ou entidade que analise informações privadas garanta segurança, transparência e controle do usuário sobre suas próprias referências.
No entanto, caso uma IA usada para análise de contratos ou processamento de petições seja hackeada, pode comprometer milhares de arquivos sigilosos, trazendo consequências severas para advogados e clientes.
Outro problema crítico é que muitas ferramentas são alimentadas por grandes bases de dados, mas há o risco de que essas informações sejam utilizadas sem o devido consentimento, o que pode violar normativas de proteção à privacidade.
Além disso, surge a necessidade de garantir a rastreabilidade e exclusão de dados, conforme prevê a LGPD. Isso levanta um questionamento: como garantir que os conteúdos manuseados por uma IA possam ser rastreados e removidos quando preciso?
Para mitigar esses riscos, políticas de proteção devem ser implementadas, incluindo criptografia avançada, controle de acesso rigoroso, auditorias frequentes e consentimento para o uso de materiais sensíveis.
A privacidade e a segurança da informação são componentes inegociáveis para a adoção das soluções disruptivas no Direito. Sem essas medidas, a confiança no uso da tecnologia pode ser comprometida, trazendo riscos normativos e reputacionais para defensores, escritórios e tribunais.
Aplicações práticas da IA na advocacia e no Judiciário
A IA está ganhando cada vez mais espaço na advocacia, com aplicações que vão desde tarefas simples até as mais complexas. Escritórios, departamentos jurídicos e tribunais estão adotando essas ferramentas para reduzir custos, acelerar processos e aprimorar a qualidade dos serviços prestados.
Hoje, um jurista pode contar com plataformas inteligentes capazes de avaliar centenas de contratos em segundos, identificando cláusulas de risco, inconsistências e padrões, economizando horas de trabalho.
Por muito tempo, a pesquisa de jurisprudência foi uma tarefa exaustiva, exigindo horas de estudo e revisão manual de documentos. Agora, sistemas baseados em IA são capazes de cruzar milhares de decisões judiciais para encontrar precedentes relevantes, agilizando a fundamentação de casos e permitindo que os profissionais concentrem seus esforços em estratégias mais sofisticadas.
De fato, o efeito dessas aplicações já está sendo sentido em escritórios e tribunais ao redor do mundo. O que antes demandava semanas de análise manual, agora pode ser realizado em minutos, com alta precisão.
O uso da computação cognitiva eleva a produtividade da área legal e torna a Justiça mais acessível. Com processos mais rápidos e previsíveis, a tendência é que custos sejam reduzidos e o acesso à informação jurídica se democratize, beneficiando não apenas juristas e empresas, mas toda a sociedade.
Uma transformação irreversível do setor jurídico
A IA tem o potencial de substituir a burocracia pela eficiência, tornando a previsibilidade dos processos uma aliada do equilíbrio institucional e permitindo que a advocacia se reinvente diante da automação.
O impacto da IA vai além da tecnologia; estamos vivenciando uma nova era no sistema jurídico, em que a inovação não substitui os profissionais legais, mas transforma suas funções e a forma como atuam na sociedade.
Por séculos, as normas foram estruturadas sobre rituais, prazos e formalidades que, muitas vezes, criaram barreiras entre a jurisprudência e os cidadãos. Agora, a computação cognitiva propõe uma nova dinâmica: um sistema mais acessível, rápido e funcional, onde a análise de dados, a automação de documentos e a previsão de decisões não são ameaças, mas ferramentas para fortalecer a advocacia e garantir uma Justiça mais equitativa.
Diante dessas novas possibilidades e resultados positivos, regulamentação, responsabilidade jurídica e proteção de informações não devem ser vistos como obstáculos, mas como a base para um modelo ético e sustentável de IA no Direito.
O futuro da advocacia não depende apenas de legisladores e juristas. Ele exigirá a colaboração de desenvolvedores, cientistas de dados e especialistas que compreendem a necessidade de evolução na mesma velocidade que o mundo ao seu redor.
Essa mudança não se trata de uma simples atualização do ordenamento jurídico, mas sim de uma ressignificação do seu próprio papel na sociedade. A questão já não é se os sistemas inteligentes transformarão o Direito, mas como os profissionais da área escolherão moldar essa evolução a favor da equidade e da humanidade.