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Revogação precipitada cria lacuna de 90 dias na cobrança do ITCMD no Amazonas

A referida lacuna legal possui respaldo constitucional, e permite que no período de 90 dias o ITCMD não possa ser cobrado do contribuinte pelo Estado do Amazonas.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Atualizado às 10:44

A temida reforma tributária já é uma realidade no Brasil! Alguns dos seus efeitos somente acontecerão no futuro próximo, mas alguns deles já entraram em vigor em 2023, dentre eles as mudanças relativas ao ITCMD.

Para quem não sabe, o ITCMD é o imposto que deve ser pago pelos herdeiros e por aqueles que foram beneficiados por testamento em um processo judicial ou extrajudicial de inventário por ter recebido bens de uma pessoa falecida.

No Amazonas, o Código Tributário Estadual, em seu art. 119, fixava que a alíquota do ITCMD desde 2009 era fixa em 2% do valor recebido pelos herdeiros a título de herança, se não vejamos:

Art. 119. A alíquota do imposto é de 2% (dois por cento).

Art. 120. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens e direitos transmitidos na data da declaração ou da avaliação pela Fazenda Pública Estadual, atualizado até a data do pagamento.

Contudo no final de 2023 quando foi incluído na CF/88 o inciso IV, no art. 155, fora instituída a necessidade de progressividade do ITCMD, vejamos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; [...]

§ 1º O imposto previsto no inciso I: [...]

VI - será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação;

Na prática, isso significa que aqueles Estados que tinham apenas uma alíquota (percentual) para cobrança do ITCMD, precisavam alterar a lei estadual para criar várias alíquotas para o imposto, de modo que, quanto maior o patrimônio, maior será o valor de ITCMD devido.

Com isso, o Legislativo do Estado do Amazonas, aprovou no dia 23/12/24 a LC 269, que revogou o referido art. 119 (que fixava o ITCMD em 2%) e criou o art. 119-A (que instituiu a progressividade de alíquota), vejamos:

Art. 3º Ficam revogados os seguintes dispositivos do Código Tributário do Estado do Amazonas, instituído pela Lei Complementar n.º 19, de 29 de dezembro de 1997: [...]

VI - o art. 119;

Art. 119-A. O Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD é calculado considerando-se o valor do quinhão, do legado ou da doação, aplicando-se as seguintes alíquotas progressivas e não cumulativas:

I - 2% (dois por cento) para a parcela do valor da base de cálculo que exceder à faixa de isenção e não exceder a R$2.000.000,00 (dois milhões de reais);

II - 3% (três por cento) para a parcela do valor da base de cálculo que exceder a R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) e não ultrapassar R$6.000.000,00 (seis milhões de reais);

III - 4% (quatro por cento) para a parcela do valor da base de cálculo que exceder R$6.000.000,00 (seis milhões de reais).

Todavia, sabemos que o Estado não pode simplesmente alterar ou majorar um tributo ao seu bel-prazer, sem qualquer tipo de previsibilidade do contribuinte, e quem diz isso é o texto da nossa CF/88, que limita o poder tributário do Estado, em seu art. 150, conforme se lê:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos:

a) relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; 

c) de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

Veja, que a alínea "c" do inciso III supra, nos diz que um tributo não pode ser cobrado antes que se completem 90 dias da data de instituição de um tributo que foi instituído ou aumentado, e é aqui que surge a lacuna legal.

Observe que a referida lei complementar entrou em vigor no mesmo dia em que foi publicada, ou seja, no dia 23/12/24 e por isso, nesta data o artigo que instituía a alíquota de 2% fora revogado expressamente.

De outro lado, em respeito ao princípio constitucional, a progressividade instituída pelo art. 119-A só pode ser cobrada a partir de 23/3/25, ou seja, após os 90 dias da data da publicação da lei supra.

Perceba que existe uma lacuna na entre 23/12/24 e 23/3/25.

O art. 150 da CF/88 assegura como garantia ao contribuinte, que este tributo não pode ser cobrado nem exigido sem lei que o estabeleça (porque o artigo fora revogado), vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

E o mesmo artigo também nos diz que o tributo não pode ser cobrado, em relação a fatos ocorridos antes da vigência que o tiver instituído ou aumentado, ou seja, antes da progressividade, vejamos:

III - cobrar tributos:

d) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Desta feita, concluímos que o ITCMD não pode ser cobrado de herdeiros no processo de inventário cujo óbito tenha acontecido entre 23/12/24 e 23/3/25, pelos motivos já demonstrados acima.

Mas, como não temos ainda nenhuma jurisprudência, nem tampouco nenhum enfrentamento do assunto em nosso Judiciário, devemos observar as cenas dos próximos capítulos, e buscar o que é de Direito.

Alexandre Chicre Alcântara

VIP Alexandre Chicre Alcântara

Alexandre Chicre Alcântara é advogado e especialista em Inventários, Partilha em vida e Direito Tributário

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