MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Passa um cafezinho, por favor?!

Passa um cafezinho, por favor?!

O TRF-2 reviu decisão do INPI sobre o indeferimento de marca, destacando a distintividade do ideograma japonês e a relatividade da descritividade.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Atualizado em 10 de fevereiro de 2025 14:48

INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial é uma autarquia Federal sediada no Rio de Janeiro. Por isso, quando alguém desafia suas decisões - o foro competente (art. 109, I, da CRFB) é mesmo o do TRF-2 - Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por mais que haja litigantes de má-fé que, ocasionalmente, tentem fugir de sua jurisdição altamente especializada.

No ocaso de 2024, o TRF-2 dirimiu1 um interessante caso de marcas. No feito, uma franqueadora insatisfeita com decisões de indeferimento de sua marca mista (com pleitos de registro para cafés, negócios alimentícios e serviços de cafeteria) questionou o entendimento da autarquia INPI.

Os fatos são bem simples: o signo não alcançou o registro, pois seria descritivo - o que atrairia a proibição do art. 124, VI da LPI - Lei da Propriedade Industrial 9.279/96. Prestadora de serviços alimentícios para granfinos em centros comerciais, aeroportos e bairros chiques, a depositante desenvolveu a tese de que o todo-holístico da marca era mesmo registrável, pois distintiva. Que o leitor contemple por si:

O todo-indivisível da marca é composto por três teores: (a) os dizeres anglófonos "the coffee" (rectius, "o café"), (b) um ponto-final, possivelmente estabelecendo que aquele seria o "café" definitivo, e (c) o ideograma () nipônico que consubstanciaria a expressão japonesa "Za Kohi", por sua vez, significando "O Café". Ou seja, se o conjunto simbólico estivesse em língua lusa, seria algo como "O-Café-Café". Tal técnica comunicativa serve mais para reforço enfático (tal como na Era Luxemburgo da Seleção Brasileira de Futebol Profissional Masculino, foi convocado o atleta do Club de Regatas Vasco da Gama, o Odvan, que era cunhado de Zagueiro-Zagueiro), do que para o estabelecimento de uma tautologia.

A decisão relatada pelo desembargador Flávio Lucas estabeleceu que o INPI se equivocou no indeferimento. As premissas prevalentes do voto, consagrado pela unanimidade, foram as seguintes: (a) o elemento figurativo (ideograma2) é suficientemente singular para atribuir a distintividade necessária ao registro, (b) a proibição do art. 124, VI, não é absoluta, e (c) que o fato de escritórios de propriedade industrial congêneres, mundo afora (União Europeia, Suíça e Reino Unido) terem alcançado solução oposta ao do INPI, deveria ser considerado como reforço à erronia da autarquia nacional. 

A primeira premissa (a) é bem interessante, já que cuida de uma divergência doutrinária e pretoriana sobre a descritividade de signos, quando constam em língua estrangeira. No caso, há elementos nominativos e figurativos em dois idiomas distintos: o inglês e o japonês. Como o público-alvo é de aristocratas, é provável que a parte inglesa fosse mesmo descritiva para o interlocutor-destinatário. De outro lado, ao menos para este escriba, os elementos figurativos eram ignorados e - sem o tradutor digital - incompreensíveis, já que sou analfabeto no vocabulário e na iconografia japonesa.

Para parcela da jurisprudência/doutrina, se a expressão genérica estiver em uma língua estrangeira que a média do público não compreenda, ela passa a ser apta à proteção3. Em contrapartida, outra parcela das fontes normativas materiais entabula4 que independentemente de o idioma ser estrangeiro, se naquele contexto a expressão for descritiva, tal não seria registrável no Brasil. O julgado do caso "The Coffee" aderiu à primeira posição em virtude das peculiaridades dos fatos da lide. 

Fato é que pela regra constitucional (art. 13 da CRFB), é o português o idioma nacional, não sendo o caso do inglês ou do japonês. A questão é se as expressões estrangeiras já foram, ou não, assemelhadas pelos que habitam o solo patrício, no contexto mercantil relevante. A tese é - mesmo - delicada, e merece mais reflexão da academia de modo a se estabelecer parâmetros objetivos e seguro de suprassunção.

Com relação (b) à relatividade da proibição prevista no art. 124, VI, da LPI, não há polêmicas. É consolidado na jurisprudência do STJ5 e na doutrina6 que se o "todo" da marca for distintivo, eventual descritividade de parte dos elementos não impedirá a registrabilidade, sem que a exclusividade alcance a parcela do que é comum, genérico ou vulgar.

Por fim, (c) o argumento de reforço sobre o resultado dos processos administrativos estrangeiros é, realmente, no máximo munido de subsidiariedade. Ou seja, pela regra da independência das marcas (CUP - Convenção União de Paris, art. 6º), e pela soberania nacional (art. 1º, I, da CRFB), tal não é condicionante ou determinante ao que foi decidido pelo INPI. São fatos meramente ilustrativos, ainda que pertinentes, pois em alguns dos países atinentes às decisões a língua inglesa é a nacional, mas os ideogramas nipônicos não o são.

Dessa forma, a inteligente decisão alcançada tangenciou temas polêmicos, culturais e divertidos. O mundo das distintividades gera o ambiente perfeito à reflexão e ao debate, particularmente se tudo isso vier acompanhado de uma bebida quente de infusão para trazer conforto à alma e ao corpo. Alguém passa um cafezinho, por favor?

____________

1 TRF-2, 2ª Turma Especializada, Des. Flávio Lucas, AC 5062673-03.2022.4.02.5101, DJ 12.11.2024: Café Fratelli vs. INPI.

2 "Ideograma. [De ideo + grama] S. m. 1. Sinal de notação das escritas analíticas, como, p. e., o hieróglifo egípcio ou os símbolos abstratos das escritas cuneiforme e chinesa. 2. Símbolo gráfico que representa diretamente uma idéia, como os algarismos, certos sinais de trânsito, etc." BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Aurélio et alii. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976, p. 744

3 "Ainda que a apelada se valha de tipografia distinta nas camisetas por ela comercializadas, a apelante é titular de marcas nominativas na qual consta a palavra "Gaia", para as classes de vestuário, incluído todos os seus complementos, fato que por si só impede a utilização do termo por outra empresa que comercialize o mesmo produto. Acrescento que, a meu ver, não há razões para a mitigação da proteção conferida à propriedade industrial da autora, pois a expressão "Gaia", a despeito de significar "terra" na língua grega, remetendo à mitologia antiga, é pouco conhecida pela população brasileira, valendo ressaltar que não tem semelhança com palavra do nosso vernáculo, além de não guardar relação direta com produto comercializado pelas partes. Logo, não se trata de marca fraca ou evocativa" TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Des. J.B. Paula Lima, AC 1055916-61.2021.8.26.0100, DJ 26.06.2024

4 "Logo, é expressão genérica e pode causar confusão ao consumidor (...) A expressão designativa de qualidade é irregistrável, conforme o revogado Código de Propriedade Industrial, nos termos que o art. 65, VI. A palavra EDELWEIN tem significado designativo, em relação à classe 35.10 - bebidas, em especial diante do disposto pela da lei alemã da economia vinícola, na qual o termo "EDELWEIN" é índice de qualidade aplicável a vinhos de procedência alemã" TRF-2, 2ª Turma Especializada, Des André Fontes, AC 97.02.02.974-0, DJ 17.04.2007.

5 Por exemplo: STJ, 3ª Turma, Min Paulo de Tarso Sanseverino, REsp 1.845.508/RJ, DJ 13.06.2022.

6 Permita-se referência ao BARBOSA, Pedro Marcos Nunes & CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Marcas Fracas e Tribunais Superiores: o caso Apple vs. IGB & INPI. In. MENDES, Gilmar Ferreira & PINHEIRO, Victor Marcel. Súmulas, Teses e Precedentes - estudos em homenagem a Roberto Rosas. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2023, p. 767-793.

Pedro Marcos Nunes Barbosa

Pedro Marcos Nunes Barbosa

Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados. Cursou seu Estágio Pós-Doutoral junto ao Departamento de Direito Civil da USP. Doutor em Direito Comercial pela USP, Mestre em Direito Civil pela UERJ e Especialista em Propriedade Intelectual pela PUC-Rio.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca