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Coworking e endereço virtual: Impacto no Direito Empresarial, Processual e outros

O artigo analisa a natureza jurídica e os efeitos legais do coworking e endereço virtual, abordando suas repercussões no Direito Empresarial, Processual e outros ramos jurídicos de forma detalhada.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Atualizado às 10:26

Introdução

O avanço das relações empresariais e comerciais aliado à digitalização das atividades econômicas tem fomentado o uso de modelos inovadores de ocupação empresarial, como o coworking e o endereço virtual. Embora sejam soluções amplamente utilizadas no mercado, essas modalidades têm implicado diversas questões jurídicas, especialmente no que se refere ao Direito Empresarial, Tributário, Processual e Contratual.

O crescimento do modelo de trabalho remoto e das startups impulsionou a necessidade de espaços flexíveis e serviços que permitam um registro formal sem a necessidade de um endereço físico fixo. Entretanto, a utilização de coworking e endereços virtuais apresenta desafios regulatórios e pode impactar em questões como: responsabilidade patrimonial, execução de dívidas, tributação, fiscalização e contratos empresariais.

Este artigo examina, separadamente, a natureza jurídica e os impactos legais do coworking e do endereço virtual, para depois analisar suas repercussões nos diversos ramos do Direito.

O coworking e sua natureza jurídica

Conceito e evolução

O coworking é um modelo de compartilhamento de espaço físico onde diferentes profissionais e empresas utilizam infraestrutura comum para a realização de suas atividades. Ele oferece uma alternativa viável para pequenos empreendedores, freelancers e startups que buscam um local estruturado sem a necessidade de arcar com os custos de um escritório convencional.

Nos últimos anos, o modelo de coworking tem se consolidado, trazendo novos desafios regulatórios e contratuais. A natureza jurídica desses contratos tem sido amplamente debatida, uma vez que envolvem tanto a cessão de espaço físico quanto a prestação de serviços associados, como limpeza, internet, segurança e recepção.

Natureza jurídica

A jurisprudência tem reconhecido que os contratos de coworking não podem ser enquadrados automaticamente como locação de imóvel urbano regida pela lei do inquilinato (lei 8.245/91). O TJ/SP (apelação cível 1020542-45.2020.8.26.0576) esclareceu que contratos de coworking possuem natureza mista, abarcando tanto a cessão de espaço físico quanto a prestação de serviços, e, portanto, devem ser regidos pelo Código Civil (arts. 565 a 578 e 593 e seguintes).

Em outro precedente importante, o TJ/DF (Agravo de Instrumento 07230362920218070000), afastou a aplicação do CDC - Código de Defesa do Consumidor a contratos de coworking, considerando que os usuários desse serviço são geralmente empresas ou profissionais autônomos que utilizam o espaço como insumo produtivo, não caracterizando a vulnerabilidade necessária para a proteção consumerista.

O endereço virtual e sua utilização empresarial

Conceito e função

O endereço virtual, também conhecido como sede fiscal virtual, consiste na utilização de um domicílio comercial para fins de registro empresarial sem a necessidade de ocupação física efetiva. Este serviço é amplamente utilizado por empresas de tecnologia, startups e prestadores de serviços remotos.

Implicações jurídicas

Uma das principais questões envolvendo endereços virtuais é a possibilidade de manipulação da competência jurisdicional. No TJDFT (Acórdão 1925711 - 0714967-03.2024.8.07.0000), verificou-se que um consumidor utilizou um endereço de coworking em Brasília para justificar a eleição do foro, mesmo residindo em Goiânia, o Tribunal entendeu que tal prática configura abuso de direito, permitindo a declinação de ofício da competência territorial.

Além disso, a utilização de endereço virtual tem sido contestada em processos de execução fiscal e empresarial, sob o argumento de que muitas empresas se valem desse modelo para evitar citações ou dificultar a localização de seus bens.

Implicações jurídicas nas ações de execução

A utilização de coworking e endereços virtuais tem gerado questionamentos em ações de execução, especialmente quanto à possibilidade de citação e à responsabilização patrimonial.

O TJDFT (Acórdão 1735362 - 0741231-28.2022.8.07.0000), por exemplo, reafirmou que a citação realizada em um espaço compartilhado é válida desde que o local esteja registrado como sede da empresa. Da mesma forma, tribunais têm considerado que a mera existência de um endereço virtual não exime a empresa de suas obrigações fiscais e processuais, podendo ser alvo de execução no local indicado em seu contrato social.

Além disso, há a discussão sobre sucessão empresarial e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, especialmente em casos em que várias empresas compartilham o mesmo endereço sem atividades reais, levantando suspeitas de fraude ou confusão patrimonial.

Outras repercussões jurídicas do coworking e do endereço virtual

Impacto tributário

A utilização de endereços virtuais pode levantar questionamentos no que se refere à tributação. Fiscos estaduais e municipais podem entender que um negócio estabelecido em um coworking, mas operando efetivamente em outra localidade, estaria sujeito a impostos diferentes daqueles registrados. Essa problemática é especialmente relevante para empresas que precisam de inscrição estadual.

Responsabilidade contratual

Os contratos de coworking e de endereço virtual devem prever com clareza as limitações de responsabilidade do prestador do serviço em relação às atividades empresariais dos usuários, evitando complicações futuras, como a imposição de obrigações fiscais ou a presunção de confusão patrimonial.

Outras questões jurídicas relevantes

1. Proteção ao consumidor vs. Relações empresariais

Embora algumas decisões afastem a aplicação do CDC, questiona-se:

  • Em que situações um contrato de coworking poderia ser considerado uma relação de consumo?
  • Como evitar que prestadores de coworking e endereço virtual sejam enquadrados como fornecedores pelo CDC?
  • Há uma distinção clara entre usuários empresariais e consumidores nesses contratos?

2. Regulação específica para endereços virtuais e coworkings

O Código Civil e a lei de locação não contemplam esses modelos, sendo necessário estabelecer:

  • Definições claras para contratos de coworking e endereço virtual.
  • Normas sobre transparência no registro empresarial.
  • Limitações de responsabilidade para prestadores desses serviços.

3. Obrigações tributárias e questionamentos fiscais

A tributação de empresas com endereço virtual gera dúvidas sobre:

  • A legalidade de declarar um endereço virtual quando as atividades ocorrem em outro local.
  • Possíveis problemas com fiscalização estadual e municipal.
  • Necessidade de ajuste na legislação tributária para essas situações.

Conclusão

A análise da jurisprudência revela que o entendimento acerca do coworking e do endereço virtual ainda está em formação no Poder Judiciário, sendo interpretado de maneiras diversas a depender do contexto processual em que é invocado. A jurisprudência do STJ demonstra que os julgadores avaliam essas figuras de forma bastante particularizada, sem um entendimento consolidado que forneça previsibilidade aos operadores do Direito.

No REsp 1.984.277/DF, a Quarta turma do STJ reconheceu que a pandemia impactou severamente a atividade de coworking, levando à necessidade de revisão dos contratos sob a ótica da teoria da imprevisão (art. 317 do CC) e da onerosidade excessiva (art. 478 do CC). Por outro lado, no REsp 2.032.878/GO, a Terceira turma aplicou critérios semelhantes para contratos de shopping centers, equiparando os impactos do modelo de compartilhamento de espaço aos desafios enfrentados por lojistas durante a pandemia.

A questão da natureza jurídica dos contratos de coworking também segue sendo tratada de maneira casuística. Enquanto alguns tribunais entendem que se trata de um contrato atípico misto, combinando locação e prestação de serviços, outros aplicam critérios da lei do inquilinato (lei 8.245/91), gerando insegurança jurídica para as partes envolvidas. No TJ/SP (apelação cível 1020542-45.2020.8.26.0576), consolidou-se a tese de que o coworking não é regido pela lei do inquilinato, mas sim pelo Código Civil, entretanto, essa compreensão ainda não é unânime nos tribunais.

Em relação ao endereço virtual, a falta de regulamentação específica tem levado a decisões divergentes sobre a sua validade como sede empresarial para fins de execução e citação. No acórdão 1735362 (TJDFT), reconheceu-se que a citação em coworking é válida se o endereço constar no contrato social, mas isso não impede que credores tentem questionar a localização efetiva da empresa em execuções fiscais e cíveis.

Ainda, a utilização abusiva de endereços virtuais tem levado tribunais a identificarem práticas fraudulentas para evasão fiscal ou blindagem patrimonial. No TJDFT (acórdão 1925711 - 0714967-03.2024.8.07.0000), ficou evidente que a manipulação da competência territorial com o uso de coworkings pode ser considerada abuso de direito, justificando a correção da competência de ofício pelo juízo.

Diante desse cenário, a ausência de uma regulamentação específica gera insegurança para empresas, credores e o próprio Poder Judiciário, que precisa decidir com base em interpretações doutrinárias e analogias com institutos similares. A pluralidade de decisões sugere a necessidade de avanço legislativo para incluir no Código Civil normas específicas que disciplinem:

I - A natureza jurídica dos contratos de coworking, evitando sua classificação equivocada como locação de imóveis.

II - A validade jurídica do endereço virtual como domicílio empresarial, definindo critérios para sua aceitação em registros públicos e execuções fiscais.

III - A limitação da responsabilidade dos prestadores de serviço de coworking e endereço virtual, evitando confusão patrimonial ou sucessão empresarial indevida.

IV - A transparência na utilização desses serviços, impedindo a manipulação de competências territoriais e fiscalização inadequada por parte do Estado.

Em conclusão, a evolução das dinâmicas empresariais exige um regramento mais preciso para evitar interpretações divergentes e garantir segurança jurídica tanto para empresas que utilizam coworkings e endereços virtuais quanto para credores, fisco e órgãos de fiscalização. O debate sobre a modernização legislativa e a padronização jurisprudencial se faz essencial para equilibrar flexibilidade econômica e proteção jurídica, garantindo um ambiente de negócios mais seguro e previsível.

____________

1 Jurisprudência - STJ

REsp 1.984.277/DF, Quarta turma, DJe 9/9/22.

REsp 2.032.878/GO, Terceira turma, DJe 20/4/23.

REsp 2070354/SP, Terceira turma, DJe 26/6/23.

AgInt no REsp 1726592-MT.

REsp 1537996-DF.

REsp 1338010-SP.

REsp 2001086-MT.

AgRg no AREsp 71538-SP.

AgInt no AREsp 1841748-DF.

AgInt no AREsp 555083-SP.

REsp 938979-DF.

REsp 773927-MG.

1.1 TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

Acórdão 1925711 - 0714967-03.2024.8.07.0000.

Acórdão 1735362 - 0741231-28.2022.8.07.0000.

Acórdão 1677569 - 0735995-95.2022.8.07.0000.

1.2 TJ/SP - Tribunal de Justiça de São Paulo

Apelação Cível 1020542-45.2020.8.26.0576, 31ª câmara de Direito Privado.

Apelação 1111331-68.2017.8.26.0100, 27ª câmara de Direito Privado.

Agravo de Instrumento 2145603-75.2020.8.26.0000, 29ª câmara de Direito Privado.

Agravo de Instrumento 2087125-74.2020.8.26.0000, 26ª câmara de Direito Privado.

1.3 TJ/PR - Tribunal de Justiça do Paraná

Apelação 0003801-10.2017.8.16.0194, 11ª câmara Cível.

2 Legislação - Código Civil (lei 10.406/02)

Art. 317 - Teoria da imprevisão.

Art. 421 - Liberdade contratual.

Art. 421-A - Pacta sunt servanda.

Art. 478 - Teoria da onerosidade excessiva.

Art. 565 a 578 - Contrato de locação e prestação de serviços.

Art. 593 - Contratos atípicos.

2.1 Código de Processo Civil (lei 13.105/15)

Art. 1.022, II - Fundamentação das decisões judiciais.

2.2 Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90)

Art. 2º e 3º - Conceito de consumidor e fornecedor.

2.3 Lei do inquilinato (lei 8.245/91)

Regras sobre locação de imóveis urbanos.

2.4 Lei da liberdade econômica (lei 13.874/19)

Regras sobre desburocratização de atividades empresariais.

2.5 Lei 13.979/20

Medidas emergenciais em razão da pandemia de Covid-19.

Gabriel de Sousa Pires

VIP Gabriel de Sousa Pires

Advogado, ex-Conselheiro Seccional e atual membro da Comissão de Seleção da OAB-DF. Especialista em Direito Contratual, Imobiliário e Empresarial. Sócio da J Pires Advocacia & Consultoria

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