MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. DIP Financing na recuperação judicial: Oportunidade ou risco para empresas em crise e investidores?

DIP Financing na recuperação judicial: Oportunidade ou risco para empresas em crise e investidores?

O DIP Financing é essencial para a recuperação judicial no Brasil, mas enfrenta desafios jurídicos e estruturais; eficácia depende de boa assessoria.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Atualizado às 11:15

Resumo: O DIP Financing é uma inovação trazida pelo legislador em 2020, crucial para a reestruturação de empresas, mas que enfrenta desafios no Brasil devido às diferenças estruturais e jurídicas em relação ao modelo norte-americano, de onde foi inspirada.

Introdução

O DIP Financing (Debtor-in-Possession Financing) é um mecanismo que permite a empresas em recuperação judicial obterem financiamento prioritário para viabilizar sua reestruturação. Originário do Direito norte-americano, especialmente no contexto do Chapter 11 do Bankruptcy Code, sua aplicação no Brasil apresenta desafios decorrentes das distinções entre os sistemas jurídicos de Common Law e Civil Law, além de particularidades na legislação nacional.

Comparação entre as legislações: Estados Unidos e Brasil

Nos Estados Unidos, a ideia de se apoiar a recuperação de empresas nasceu no século XIX, no contexto da crise das ferrovias. As primeiras medidas foram criadas pelo próprio judiciário norte-americano, oriundas do modelo de Common Law adotado por lá. Na década de 1930, a recuperação virou objeto de lei nos EUA, sendo amplamente discutida e aperfeiçoada ao longo dos anos.

Nesse contexto, fica evidente a importância dada a fomentar a atividade empresarial nos EUA, ao passo que a evolução da lei falimentar norte-americana para o que conhecemos hoje é fruto de décadas de aprimoramento legislativo e pretoriano.

Atualmente, o financiamento DIP na lei norte-americana está previsto no Chapter 11 do Bankruptcy Code. A exemplo do Brasil, tanto a suspensão das ações e execuções quanto o financiamento DIP são fatores preponderantes para a decisão de pedir a recuperação judicial. A bem da verdade, a legislação norte-americana em muito se parece com a brasileira, por conta de ter servido de inspiração em nosso processo legiferante.

No Brasil, a lei 11.101/05 aborda o financiamento de empresas em recuperação judicial nos arts. 69-A a 69-F, introduzidos pela lei 14.112/20. Esses dispositivos preveem a possibilidade de o devedor em recuperação obter novos financiamentos, com garantias e privilégios específicos, desde que aprovados pelo juízo competente. Contudo, a aplicação prática desses artigos ainda é incipiente, gerando incertezas quanto à sua efetividade.

Leonardo Adriano Ribeiro Dias destaca que "não há dúvidas de que a história, a cultura e a experiência de cada país, bem como os problemas e limitações locais, devem ser observados na elaboração das leis, o que naturalmente dificulta a mera importação de determinados institutos de outros ordenamentos jurídicos" (DIAS, 2022, p. 112).

Desafios na Aplicação do DIP Financing no Brasil

Um dos principais desafios é a diferença na estruturação dos processos de recuperação. Nos Estados Unidos, é comum que o financiador DIP participe desde a fase preparatória da recuperação judicial, garantindo suporte financeiro desde o início. No Brasil, muitas empresas ingressam com o pedido de recuperação sem um planejamento financeiro robusto ou sem acordos prévios com potenciais financiadores, o que pode comprometer a eficácia do processo.

Noutro bordo, o DIP Financing, comum entre os acadêmicos e os operadores do Direito Falimentar, ainda não é um instituto bastante difundido entre os empresários brasileiros, o que gera inúmeras dúvidas sobre a sua aplicação.

Manoel Justino Bezerra Filho nos ajuda a entender de forma bastante objetiva do que se trata o referido financiamento, quando cita que o art. 69-A "prevê que o juiz da recuperação, depois de ouvido o Comitê de Credores (se existente), autorize contratos garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens ou direitos do ativo não circulante. Estes bens a serem dados em garantia podem ser da própria recuperanda ou de terceiros" (BEZERRA, 2023, p. 341).

Sem a intenção de esgotar os desafios na aplicação e os fatores de sucesso das operações envolvendo o DIP Financing, não podemos deixar de mencionar a eventual demora nas decisões relacionadas ao tema, que podem inviabilizar a continuidade dos financiamentos, pelo simples fato de os negócios financeiros terem um timing diferente daquele que é comum no judiciário brasileiro.

Considerações sobre o Judiciário brasileiro

Embora o sistema Judiciário brasileiro enfrente desafios relacionados à celeridade processual, é importante reconhecer os esforços contínuos para aprimorar a eficiência na tramitação de processos de recuperação judicial. Podemos citar como a principal medida a criação das varas especializadas em todo o país.

Não obstante, a colaboração entre magistrados, advogados e demais operadores do Direito têm sido fundamental para promover um ambiente mais favorável à aplicação de mecanismos como o DIP Financing.

A importância da assessoria jurídica especializada

Diante desse cenário, é crucial que empresários e financiadores busquem escritórios de advocacia especializados em reestruturação empresarial. Uma assessoria jurídica competente pode auxiliar na estruturação de operações de DIP Financing, garantindo segurança jurídica e aumentando as chances de sucesso na recuperação.

Sérgio Campinho enfatiza que "o instituto da recuperação judicial, nos moldes da lei 11.101/05, vem concebido com o objetivo de promover a viabilização da superação desse estado de crise, motivado por um interesse na preservação da empresa desenvolvida pelo devedor. Enfatiza a empresa como centro de equilíbrio econômico-social, pois é fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos" (CAMPINHO, 2023, p. 119/120).

Conclusão

O DIP Financing representa uma ferramenta valiosa para a recuperação judicial no Brasil. Apesar dos desafios decorrentes das diferenças entre os sistemas jurídicos e das particularidades do ordenamento brasileiro, sua implementação, quando bem estruturada e assessorada, pode trazer benefícios significativos para empresas em crise e financiadores. O fortalecimento desse mecanismo depende de uma compreensão aprofundada de suas nuances e de uma atuação conjunta entre os diversos atores do sistema jurídico e econômico.

_________

1 DIAS, Leonardo Adriano Ribeiro. Financiamento na recuperação judicial e na falência. - 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

2 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/05: Comentada artigo por artigo - 16. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

3 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Falência e Recuperação de Empresa. - 13. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2023.

Ricardo Viscardi Pires

Ricardo Viscardi Pires

Advogado especialista em reestruturação de empresas, autor e coautor de diversos artigos jurídicos, sócio do escritório Bismarchi Pires Sociedade de Advogados

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca