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A alteração do critério de avaliação do potencial de perda de vidas na classificação de barragens por dano potencial associado

A lei 12.334/10 e a resolução 143/12 do CNRH definem critérios de classificação de barragens, destacando o risco de perda de vidas humanas.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Atualizado em 31 de janeiro de 2025 15:13

O art. 7º da lei Federal 12.334/10, que instituiu a PNSB - Política Nacional de Segurança de Barragens, estabelece que as barragens serão classificadas pelos agentes fiscalizadores, por categoria de risco, por dano potencial associado e pelo seu volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo CNRH - Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Para regulamentar o comando contido no art. 7º da PNSB, o CNRH publicou no ano de 2012 a resolução 143, que em seu art. 5º considerou os seguintes critérios gerais para classificação quanto ao dano potencial associado de uma barragem: I - existência de população a jusante com potencial de perda de vidas humanas; II - existência de unidades habitacionais ou equipamentos urbanos ou comunitários; III - existência de infraestrutura ou serviços; IV - existência de equipamentos de serviços públicos essenciais; V - existência de áreas protegidas definidas em legislação; VI - natureza dos rejeitos ou resíduos armazenados; e VII - volume.

Especificamente, em relação ao critério "existência de população a jusante com potencial de perda de vidas humanas", a resolução CNRH 143/12, em seus anexos I.2 (resíduos e rejeitos) e II.2 (acumulação de água), referentes à classificação quanto ao DPA - Dano Potencial Associado, trouxe critérios ligeiramente distintos, vejamos:

Em rápida análise comparativa entre os anexos I.2 e II.2, denota-se que os conceitos (inexistente, pouco frequente, frequente e existente) são iguais; que os valores a serem aplicados em cada um desses anexos são diferentes para cada um dos conceitos e que para barragens de resíduos/rejeitos utiliza-se o critério "existência de população a jusante" e para as barragens de acumulação de água utiliza-se o critério "potencial de perdas de vidas humanas".

Com base em tais critérios, os respectivos órgãos fiscalizadores de segurança de barragens - ANM - Agência Nacional de Mineração, ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica e ANA - Agência Nacional de Águas - editaram suas respectivas regulamentações, quais sejam, resolução ANM 95/22, resolução ANEEL 1.064/23 e resoluções ANA 132/16 e 236/17.

Contudo, em outubro de 2024, foi publicada a resolução CNRH 241, na qual constam "novos" critérios gerais de classificação de barragens por dano potencial associado, por volume e por categoria de risco.

Importante destacar, desde já, que a resolução CNRH 241/24, que revogará a resolução CNRH 143/12 após 1 ano de sua publicação, trouxe mudanças que poderão afetar a classificação do DPA das barragens submetidas às normas previstas na PNSB. 

Dentre as principais alterações promovidas pela resolução CNRH 241/24, destacam-se as seguintes:

i) Alterado o conceito de "área afetada", que passa a ter o seguinte conteúdo: "área a jusante da barragem passível de ser impactada por eventual ruptura da barragem, incluindo propagação de rejeitos, sedimentos e resíduos em cursos d'água, ou área definida pelo órgão fiscalizador"

ii) A nova resolução cria o conceito de "área de inundação", até então inexistente na PNSB e nas normativas do CNRH, ANM, ANEEL e ANA. Trata-se da "área sujeita à inundação a jusante da barragem, delimitada no mapa de inundação da simulação de ruptura no cenário em tempo estável (sem precipitação) com regime de curso d'água equivalente à vazão média de longo termo, ou área mais abrangente definida pelo órgão fiscalizador"

iii) Os critérios "inexistente", "pouco frequente", "frequente" e "existente" foram substituídos respectivamente por "baixo", "médio", "alto" e "muito alto".

iv) Alterados critérios, parâmetros e pontuações para cálculo do DPA - Dano Potencial Associado das barragens de rejeitos, resíduos ou de acumulação de água. Vejamos os novos critérios contidos nos anexos I (Quadro I.4 resíduos e rejeitos) e II (Quadro II.4 - acumulação de água):

Dentre as citadas alterações, uma, aparentemente, refletirá de maneira mais contundente nos empreendimentos e órgãos reguladores/fiscalizadores, no caso, a substituição do critério "existência de população a jusante" pelo "potencial de perda de vidas humanas" para fins de classificação das barragens por DPA - Dano Potencial Associado.

Isso porque, as normas reguladoras de barragens atualmente vigentes e, portanto, editadas sob a égide da resolução CNRH 143/12, ainda preveem como um dos critérios de classificação por DPA a "existência de população a jusante", de modo que, como visto, deverão ser atualizadas com base na resolução CNRH 241/24, o que causará reflexos consideráveis de ordem regulatória e prática no contexto da gestão de barragens.

A exemplo, a resolução ANM 95/22 prevê que a classificação para barragens de mineração deverá considerar o volume total do reservatório, impacto ambiental, impacto socioeconômico e a existência de população a jusante, sendo que esse último deverá ser substituído pelo "potencial de perda de vidas humanas". O mesmo ocorre em relação à resolução ANEEL 1.064/23 e às resoluções ANA 132/16 e 236/17. 

Com efeito, em que pese a lei Federal 12.334/10 estabeleça que a classificação de barragens por categoria de dano potencial associado será feita em função, também, do potencial de perda de vidas humanas, até então, esse não era um critério expressamente utilizado para fins de pontuação e consequente cômputo do DPA.

Vale reforçar, ainda, que se adiciona o fato de a avaliação do DPA, para fins de potencial de perda de vidas humanas, considerar o conceito legal de "área de inundação", o qual, até então, não era exigido na referida avaliação. 

Outro ponto que salta aos olhos é o fato de a resolução CNRH 241/24 determinar que o potencial de perda de vidas humanas seja calculado a partir do "risco hidrodinâmico", elaborado com base nos guias de boas práticas em segurança de barragens reconhecidos pelos órgãos fiscalizadores. Todavia, a resolução CNRH 241/24 estabelece que, na ausência de mapa indicando o risco hidrodinâmico, a área de potencial de perda de vidas humanas será a mesma da área de inundação. 

O termo risco hidrodinâmico já consta, por exemplo, nas normativas da ANM e ANEEL, mas não como critério expresso e obrigatório para avaliação e definição do DPA.

Nada obstante, a partir do risco hidrodinâmico será definido o potencial de perda de vidas humanas que refletirá diretamente na definição do DPA da barragem, sendo que, como visto, segundo a resolução CNRH 241/24, em não havendo mapa com risco hidrodinâmico, será considerada toda a área de inundação. Todavia, a normativa do CNRH não esclarece o que será considerado em toda a área de inundação (ex.: toda a área de inundação será considerada com risco de perda de vidas humanas baixo, médio, alto ou muito alto?).

Como visto, a resolução do CNRH não estabelece o conceito de risco hidrodinâmico, fazendo menção expressa de que a sua definição deverá seguir a metodologia definida nos guias de boas práticas (conforme art. 6º, inciso X da PNSB) reconhecidos pelos órgãos fiscalizadores de segurança de barragens. 

Muito embora estejamos a falar de termo técnico não afeto, por óbvio, a uma detida análise jurídica, identificamos que no site do SNISB - Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (https://www.snisb.gov.br/portal-snisb/documentos-e-capacitacoes/relatorios) consta guia discorre sobre modelos hidrodinâmicos a serem aplicados no estudo e mapa de inundação. 

Feitos os apontamentos sobre a resolução CNRH 241/24, o que nos parece é estarmos diante de um novo cenário normativo que poderá trazer significativas alterações na classificação das barragens, seus respectivos DPAs, mapas de inundação, bem como planos de ação de emergência, dentre outros.

Vale reiterar que, por força do art. 7º da PNSB, as barragens serão classificadas pelos agentes fiscalizadores, por categoria de risco, por dano potencial associado e pelo seu volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo CNRH - Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Justamente nesse sentido, o art. 8º da resolução CNRH 241/24 determina que os órgãos fiscalizadores (ANM, ANEEL, ANA) terão o prazo de 1 ano após a sua publicação para realizarem eventuais adequações em suas normas de classificação de barragens, devendo os referidos órgãos procederem a reclassificação das barragens sob sua jurisdição (art. 9º da resolução 241/24) dentro de um prazo de dois anos a partir da publicação dos atos normativos revisados.

Diante de alterações significativas como essas, bem como considerando que tais mudanças refletirão diretamente em tantos instrumentos necessários à gestão de barragens, é necessário avaliar a aplicação das novas diretrizes de maneira rigorosa, mensurando todos os seus desdobramentos tais como os atinentes à segurança das populações/comunidades potencialmente afetadas, bem como todos os desdobramentos técnicos, operacionais e jurídicos dessa nova configuração legal aplicável à gestão e segurança das barragens no país.

Marcus Vinícius Neves Vaz

Marcus Vinícius Neves Vaz

Sócio do escritório Rolim Goulart Cardoso

João Lara Resende

João Lara Resende

Advogado nas áreas de Direito Ambiental, Mineração e Energia do Rolim Goulart Cardoso

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