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As redes sociais como fonte de provas de litigância predatória

Redes sociais são aliadas na identificação de litigância predatória, usando vínculos de seguidores e interações para apontar fraudes em processos judiciais.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Atualizado às 09:53

A era digital transformou radicalmente a forma como nos relacionamos, trabalhamos e litigamos. As redes sociais, em particular, emergiram como poderosas ferramentas de comunicação e interação, mas também como fontes ricas de informações que podem ser utilizadas em processos judiciais.

Neste artigo, exploramos a utilização das redes sociais como fonte de prova para a constatação de litigância predatória, com foco no vínculo de seguidor como elemento indiciário.

A litigância predatória consiste na utilização abusiva do processo judicial com o objetivo de prejudicar economicamente ou intimidar adversários, muitas vezes sem fundamento legal sólido.

As redes sociais podem ser utilizadas como um instrumento para identificar e comprovar a existência de uma organização ou grupo que atua de forma coordenada para promover múltiplos processos contra uma mesma parte, caracterizando a litigância predatória.

O vínculo de seguidor em redes sociais pode ser um indicativo relevante para a constatação de litigância predatória.

A existência de um número significativo de seguidores em comum entre diversos autores de ações judiciais contra a mesma parte pode sugerir a existência de uma organização ou grupo atuando de forma coordenada.

Esse ponto foi o que definiu o sucesso em nossa atuação no processo 3000304-80.2023.8.06.0136.

Nesse caso, a autora contratou um seguro no dia 15/4/23, vinculado à sua conta digital, denominado Seguro Conta Protegida. Alegou, na inicial, que após três dias da contratação, foi abordada por dois sujeitos, os quais a obrigaram a realizar duas transações pix.

Informou, ainda, que o fato foi narrado para as autoridades policiais e, ao entrar em contato com a seguradora, teve o pedido de indenização securitária negado, sob a informação de que o caso se trata de risco excluído da apólice.

A autora entrou em contato com a seguradora e, dessa forma, no dia 21/4/23, foi aberto sinistro, sob 1643156. Diante da ausência de informações necessárias que deveriam conter no Boletim de Ocorrência, foram solicitadas informações adicionais à segurada.

Após o envio do documento solicitado, foi realizada sindicância para análise do sinistro, contudo, foram identificadas inconsistências, que indicariam possível fraude e o sinistro foi declinado. Com a informação dos dados da destinatária do pix, foi produzido um relatório de sindicância, que confirmavam a possibilidade de fraude.

Por meio do Google Maps, a defesa da seguradora identificou que a autora e a destinatária do pix residem na mesma rua.

Além da ferramenta acima, por meio do uso do Instagram, foi constatado que a segurada é irmã de outro segurado, com abertura de sinistro sob o mesmo motivo de coação para realização de pix.

A partir das pesquisas nas redes sociais, foi localizado vínculo de amizade entre a autora e a destinatária do pix do irmão da segurada, fortalecendo os indícios de fraude no caso.

Após apresentação desses pontos, o magistrado decidiu pela improcedência da demanda, sendo a sentença de primeiro grau confirmada pela turma recursal, decidindo os julgadores nos seguintes termos:

"A tese central adotada pela seguradora reside no fato de que foi verificada, na regulação do sinistro, que não foram prestadas informações verídicas acerca das circunstâncias em que ocorrido o sinistro. A seguradora defende que foi constatada fraude e tentativa de forjar sinistro, amparando-se nos seguintes fatos: 1) A segurada e a destinatária do pix residem na mesma rua; 2) A segurada é irmã de outro segurado da apólice, que afirmou também ter sido coagido para a realização do pix; 3) Em pesquisa nas redes sociais, foi localizado vínculo de amizade entre pessoas com nomes similares aos da autora e da destinatária do pix.

Com efeito, ao que se deflui do exame das alegações vertidas pelas partes e das provas contidas nos autos, a segurada não faz jus à indenização securitária por tentar fraudar o sinistro. O conjunto probatório contido nos autos demonstra que o alegado sinistro teria ocorrido no dia 18/4/23, apenas dois dias depois da contratação do seguro. Além disso, não há nos autos elementos que comprovem qualquer tentativa da parte autora de recuperação dos valores transferidos junto a instituição financeira. Ressalta-se ainda que, de fato, a parte autora e a destinatária do pix, suspostamente realizado por meio de coação, residem na mesma rua.

Todos esses elementos conduzem à conclusão de que a parte segurada, aparentemente, atuou em conluio para fraudar sinistro, bem como se

pautou eivada de má-fé ao comunicar fato inexistente. Nesse contexto, a quebra da mais estrita boa-fé entre os contratantes ofende o disposto no art. 765 do Código Civil e desautoriza qualquer indenização securitária no caso em comento.

Assim, observa-se que a parte demandada se desincumbiu de seu ônus probatório a contento, demonstrando de forma conclusiva a má-fé da segurada. Ou seja, se denota ofensa à boa-fé, princípio insculpido no art. 422 do CC/02, que permeia os contratos e a qual as partes são submetidas."

Assim, seguindo o exemplo acima, para além da análise quanto ao vínculo de seguidores, é possível e interessante, ao verificar o perfil de parte contrária de processo, apreciar os seguintes pontos:

  1. Natureza das publicações: Analisar o conteúdo das publicações nas redes sociais, buscando por mensagens que indiquem a existência de uma estratégia comum ou a coordenação de ações;
  2. Data das publicações: Comparar as datas das publicações com o ajuizamento das ações judiciais para identificar possíveis conexões temporais;
  3. Interação entre os usuários: Analisar a interação entre os usuários, como comentários, curtidas e compartilhamentos, para identificar a existência de uma comunidade virtual com interesses comuns;
  4. Identificação de pessoas citadas nos processos: Buscar identificar os autores das publicações e verificar se possuem algum vínculo profissional ou pessoal com os autores das ações judiciais.

Isto posto, é possível constatar que as redes sociais representam um novo horizonte para a coleta de provas em processos judiciais. O vínculo de seguidor, quando analisado em conjunto com outros elementos, pode ser um importante indicativo da existência de litigância predatória.

Catarina Alves

Catarina Alves

Integrante da área de contencioso cível de Queiroz Cavalcanti Advocacia desde 2011 e trabalha no escritório de Recife.

Andreza Santos

Andreza Santos

Integrante da área de contencioso cível desde 2015. Atuação focada, principalmente, em Direito Civil, especialmente em contratos de seguros, bancários e consumo.

Sue-Ellen Santos Burégio de Lima Couto

Sue-Ellen Santos Burégio de Lima Couto

Coordenadora do Queiroz Cavalcanti Advocacia.

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