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Novo marco legal para concessões e PPP's: Desafios para o mercado da infraestrutura

Propostas para concessões e PPPs destacam contratos dinâmicos, equilíbrio de riscos e inovação, fortalecendo infraestrutura no Brasil.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Atualizado em 27 de janeiro de 2025 14:25

As recentes propostas para modernizar o marco legal de concessões e PPPs - Parcerias Público-Privadas no Brasil, amplamente divulgadas pela imprensa, sinalizam uma iniciativa relevante para aprimorar a segurança jurídica e fomentar investimentos em infraestrutura. O projeto em discussão na Câmara dos Deputados, cujo relatório está previsto para março, prevê, entre outros pontos, o reequilíbrio econômico-financeiro imediato em casos de emergência, o estabelecimento de aportes públicos em concessões tradicionais e o aperfeiçoamento das regras de compartilhamento de riscos.

Essas alterações legislativas, alinhadas às necessidades contemporâneas do mercado de infraestrutura, podem contribuir para a consolidação de contratos mais robustos e eficientes, em benefício de usuários, poder concedente e concessionários. A seguir, destacamos alguns dos principais aspectos jurídicos de interesse, à luz da experiência acumulada em nosso escritório e do debate público sobre o tema.

1. Reequilíbrio econômico-financeiro emergencial

O conceito de equilíbrio econômico-financeiro é um dos pilares fundamentais dos contratos de concessão e PPPs, assegurando que o concessionário não suporte, de forma excessiva, riscos ou encargos que extrapolem o escopo inicialmente pactuado. A proposta de permitir um reequilíbrio imediato do contrato em situações de emergência - como episódios de enchentes, desastres naturais ou fatos imprevisíveis de grande magnitude - visa garantir a continuidade na prestação dos serviços públicos ou na provisão da atividade de infraestrutura, de modo a evitar paralisações que prejudiquem a coletividade.

Para que esse reequilíbrio emergencial ocorra sem dar margem a questionamentos, é recomendável inserir, nos contratos, cláusulas objetivas que elenquem os eventos passíveis de enquadramento nessa modalidade. Além disso, torna-se essencial definir o procedimento célere e os critérios de cálculo para indenizações ou adaptações contratuais. A adoção de painéis técnicos, instâncias arbitrais ou dispute boards pode agilizar a solução de impasses, conferindo maior previsibilidade aos agentes envolvidos.

2. Aportes de recursos públicos em concessões tradicionais

Outro ponto de destaque na proposta legislativa é a possibilidade de o Poder Público efetuar aportes financeiros em concessões tradicionais, sobretudo na fase inicial de investimentos. Tal medida se justifica em projetos de grande porte, como ferrovias e obras complexas de infraestrutura, em que o retorno financeiro se dilui no longo prazo. Os aportes podem também favorecer maior competitividade nos certames concessórios, haja vista que o retorno do capital investido terá seu prazo diminuído, fazendo com que os resultados financeiros possam ser percebidos em estágios mais prematuros.

A introdução desses aportes exige enorme atenção à responsabilidade fiscal e à necessidade de controle orçamentário, sob pena de o ente público incorrer em déficits que são extremamente nefastos para o equilíbrio das contas públicas. Assim, a lei deve estabelecer critérios rigorosos para a destinação dos recursos, a forma de desembolso, as garantias, as contrapartidas exigidas do concessionário e os mecanismos de fiscalização para prevenir irregularidades. Vale pontuar que, para o investidor privado, a presença de contrapartida estatal pode atenuar riscos, resultando em projetos com potencial custo-benefício otimizado para a sociedade.

O grande desafio ao investidor, mesmo com o aporte governamental, será a necessidade de gerenciar o risco orçamentário inerente às contas públicas, sobretudo em cenários de incerteza fiscal. O investidor deve avaliar a solidez das garantias, a previsibilidade dos desembolsos e a possível interferência do poder concedente na gestão do projeto.

3. Compartilhamento de riscos e "contrato vivo"

As incertezas que cercam os projetos de longo prazo realçam a necessidade de se prever, nos contratos de concessão, uma distribuição equitativa de riscos entre poder concedente e concessionário. Nesse contexto, adquire especial relevância o conceito de "contrato vivo" ou "contrato dinâmico", que admite ajustes contínuos ao longo de sua execução para acomodar transformações econômicas, tecnológicas e regulatórias.

Tal noção encontra raízes remotas na doutrina francesa, berço das concessões, onde a "mutabilidade" foi reconhecida desde cedo como atributo fundamental dos contratos administrativos de longa duração. Autores clássicos como Léon Duguit e Gaston Jèze já sustentavam que a essência do interesse público, subjacente a tais instrumentos, impunha a possibilidade de revisão contratual para se adaptar a novas circunstâncias.

Na origem, essa mutabilidade concentrava-se sobretudo em atender às variações do interesse público. Contudo, tenho sustentado que a realidade contemporânea - marcada por inovações tecnológicas e desafios climáticos - ampliou o sentido do instituto, exigindo do regulador uma postura ativa na contenção de riscos emergentes. O acompanhamento dos projetos passa a ser, por consequência, igualmente "vivo" e "dinâmico", a fim de promover o equilíbrio contratual sem descurar dos legítimos interesses da coletividade.

A ideia de um "contrato dinâmico" relaciona-se também à Teoria dos Contratos Incompletos, cujos estudos foram fortemente impulsionados por Oliver Hart, economista cujos trabalhos evidenciam que nenhum contrato é capaz de prever todas as contingências futuras. Em se tratando de contratos administrativos, porém, não se admite uma elasticidade irrestrita que viole o princípio da legalidade ou abra brechas para interesses mesquinhos e práticas fraudulentas. Assim, a incompletude contratual pode ser reconhecida e operacionalizada desde que respeitados os valores estruturantes do Direito Público, garantindo-se que o interesse público seja preservado e os mecanismos de controle sejam efetivos.

Em contratações de infraestrutura de grande porte, a aplicação da Teoria dos Contratos Incompletos exige a adoção de "válvulas de escape" que confiram previsibilidade e transparência às adaptações contratuais. Essas medidas podem se materializar em cláusulas de revisão periódica, painéis de disputas (dispute boards) e comitês de acompanhamento, sempre ancorados em critérios objetivos para a recomposição de riscos. Dessa forma, possibilita-se um ajuste contínuo e fundado na boa-fé, prevenindo, de um lado, abusos por parte da administração e, de outro, o desequilíbrio excessivo em prejuízo do concessionário.

Outro aspecto crucial é a fixação de limites à mutabilidade, a fim de evitar mudanças arbitrárias ou prejudiciais ao erário e à coletividade. O reforço das hipóteses legais para reequilíbrio e compartilhamento de riscos, conforme propõe a modernização legislativa, tende a trazer maior segurança jurídica aos investidores, fomentando um ambiente competitivo propício e contribuindo para a perenidade dos projetos. Tal abordagem, ao mesmo tempo em que respeita a natureza dinâmica dos contratos de concessão, assegura a observância dos princípios basilares do Direito Público, notadamente a legalidade, a impessoalidade e a moralidade.

Embora já exista embasamento na legislação vigente para revisões contratuais, a proposta em discussão sugere maior clareza acerca das hipóteses em que cada parte responderá por eventos extraordinários. A uniformização desses critérios tende a reduzir disputas e a promover maior estabilidade. Além disso, a previsão de cláusulas evolutivas e mecanismos de governança compartilhada - como comitês de acompanhamento e mediação - torna o contrato mais dinâmico. Essa abordagem equilibra, de um lado, a necessária segurança jurídica, e de outro, a flexibilidade para lidar com contingências, sempre condicionada pelos limites do regime jurídico-administrativo.

Dessa forma, na prática, contratos mais "dinâmicos" exigirão maior esforço de acompanhamento do cenário macro e microeconômico, além da pronta capacidade de renegociar obrigações e prazos sem perder de vista o retorno esperado.

4. Receitas acessórias

A regulamentação de receitas acessórias, que podem ser obtidas parcial ou integralmente pelas concessionárias, é outro avanço relevante para a modelagem de concessões e PPPs. Em alguns setores de rodovias, as receitas comerciais (lojas, estacionamentos, publicidade etc.) muitas vezes rivalizam ou até superam a arrecadação oriunda da tarifa principal.

A clareza legal na exploração de atividades acessórias incentiva a inovação e amplia as fontes de receita, com potencial de reduzir as tarifas pagas pelos usuários. Para o Poder Público, disciplinar essas atividades, mitiga riscos de desvios contratuais, estabelecendo parâmetros para a repartição de ganhos e eventual revisão de preços ao usuário final.

Observa-se, também, o fortalecimento da atratividade dos projetos, na medida em que potenciais investidores percebem um arcabouço legal mais seguro para diversificar fontes de remuneração.

5. Paralisação de serviços e descontinuidade de contrato

No âmbito das PPPs, em particular, a ausência ou atraso nos pagamentos por parte do Poder Público pode inviabilizar a continuidade de contratos, implicando risco de interrupção de serviços essenciais. As mudanças legislativas visam facultar maior proteção às concessionárias, permitindo a suspensão ou até mesmo a rescisão do contrato em caso de inadimplemento estatal reiterado.

A possibilidade de paralisar serviços, ainda que em último caso, exige que se estabeleçam previamente condições objetivas e prazos de notificação ao poder concedente. Ademais, é crucial resguardar a população de prejuízos maiores, sobretudo quando se trata de atividades delegadas tão essenciais para coletividade. Sob a ótica jurídica, a medida reforça o equilíbrio da relação contratual, pois estimula o ente público a cumprir suas obrigações de contraprestação, ao mesmo tempo em que assegura meios de defesa ao parceiro privado.

Conclusão

A modernização do marco legal de concessões e PPPs, com destaque para o reequilíbrio emergencial, o compartilhamento de riscos e a regulamentação das receitas acessórias, representa uma evolução significativa na forma de contratação e execução de projetos de infraestrutura no Brasil. A proposta de um "contrato vivo" - capaz de se adequar às condições econômicas em constante mudança - sugere maior segurança para investidores e, simultaneamente, maior proteção ao interesse público.

No entanto, embora seja imperativo aprimorar as leis e torná-las mais claras, um dos maiores desafios reside justamente na sua aplicação. A forma como se interpreta e se concretiza o Direito, especialmente em cenários complexos e multifacetados, constitui tema central dos debates contemporâneos na teoria geral do Direito. Não basta um texto normativo tecnicamente refinado se sua interpretação for equivocada ou se as decisões que dele decorrem carecerem de coerência e consistência.

É nesse sentido que o papel dos advogados e juristas se torna ainda mais relevante. Compete a tais profissionais, tanto no âmbito consultivo quanto contencioso, auxiliar na correta aplicação das normas, considerando a realidade fática e a multiplicidade de interesses em jogo. Por meio de análises técnicas bem fundamentadas, orientação segura aos agentes envolvidos e utilização de mecanismos de solução de disputas, busca-se garantir a efetividade dos princípios legais, bem como a preservação do equilíbrio contratual.

As leis de concessões e de PPPs, ao longo das últimas décadas, evidenciam que textos normativos robustos exigem um acompanhamento jurídico especializado. Diante dos novos paradigmas econômicos, sociais e tecnológicos, aprimorar e adaptar esses diplomas torna-se tarefa essencial para impulsionar projetos sustentáveis, equilibrados e efetivamente benéficos à infraestrutura brasileira. Conjugado a isso, o esforço contínuo de interpretação e aplicação correta do Direito revela-se imprescindível para que a modernização legislativa alcance seus propósitos e se converta em reais avanços para o país.

Augusto Neves Dal Pozzo

Augusto Neves Dal Pozzo

Professor de Direito Administrativo e Fundamentos de Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI). Vice-Presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Advogado e Parecerista. Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

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