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A judicialização do Direito Previdenciário: Uma visão sobre a previdência privada no ano de 2024

O aumento da judicialização impacta a previdência privada, exigindo maior foco em soluções consensuais e gestão eficiente dos planos.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Atualizado em 27 de janeiro de 2025 13:51

Em retrospecto ao ano de 2024, voltamos o nosso olhar para verificar as razões para o aumento da judicialização e seus reflexos para determinadas áreas do Direito. Há segmentos que trazem maior impacto no dia a dia do brasileiro, notadamente o direito previdenciário, mais especificamente a previdência privada.

O Relatório Justiça em Números (Relatório) do CNJ1 indica o aumento de 9,4% de ajuizamento de demandas, organizado em grandes temas de direito, nas seguintes áreas: (i) previdenciário; (ii) tributário; (iii) trabalhista; e (iv) saúde.

O Relatório também indica que triplicou a quantidade de CEJUSC - Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania desde a implementação dos NUPEMEC - Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, que buscam o encerramento das ações em sua fase inicial ou mesmo preparatória.

Contudo, sobre este aspecto, o Relatório conclui que "a conciliação, política permanente do CNJ desde 2006, não apresenta evolução. Em 2022, foram 12,3% de processos solucionados por conciliação, valor similar ao medido nos anos anteriores. Registra-se crescimento, contudo, na conciliação em fase de execução, que passou ao longo dos 7 últimos anos de 3,5% para 9,1%. Por segmento de justiça, os melhores índices de conciliação estão na fase de conhecimento da Justiça Trabalhista (37%), na execução dos JEF - Juizados Especiais Federais (44%), e na fase de conhecimento dos juizados especiais na Justiça Estadual (16%)".

Igualmente relevante, o Relatório detalha o aumento de produtividade de 7% do Poder Judiciário, o que demonstra a melhoria dos procedimentos judiciais de maneira geral. Isto decorre da digitalização do processo judicial, como bem exposto: "Os dados mostram que o conjunto de iniciativas voltadas ao atendimento em formato virtual e à melhoria dos sistemas processuais, tais como o juízo 100% digital, os Núcleos de Justiça 4.0 e o balcão virtual foram ampliadas. A proporção de casos novos eletrônicos atingiu quase 100% e a tramitação eletrônica já é uma realidade em 85,8% das ações em andamento, sendo que apenas quatro tribunais do país possuem 20% ou mais de autos físicos pendentes de solução definitiva".

Em que pese o fomento de métodos consensuais de resolução de disputas, o Relatório aponta o prolongamento do sentenciamento das ações judiciais para 2 anos e 3 meses. Em igual sentido, o processo comum teve aumento de duração média de três anos e um mês. O tempo médio de duração das ações de forma geral foi indicado como quatro anos e três meses.

Assim, é constatado tanto o aumento no número geral de ações judiciais, quanto na duração média do processo judicial, indicando um cenário de incremento de despesas administrativas e contingenciamento de valores para tratamento dessas demandas.

Especificamente sobre as ações de direito previdenciário, o Relatório destaca que "(...) na Justiça Federal, o elevado quantitativo de processos de direito previdenciário, entre os quais o auxílio por incapacidade temporária é o subtema mais recorrente, seguido pela aposentadoria por incapacidade permanente, por idade ou por tempo de contribuição, que aparecem na listagem dos cinco maiores assuntos do segmento".

Considerando a semelhança das situações de fato que ensejam o ajuizamento de demandas no regime oficial (acima indicadas) e do regime de previdência complementar, pode-se estimar o incremento na judicialização destas relações, em que pese o Relatório não apresentar o detalhamento de ajuizamento de ações relacionadas à previdência privada.

Igualmente relevante, o aumento de oferta de planos de benefícios e o incremento de adesões de participantes também levam a crer no potencial de judicialização do contrato previdenciário.

Esse aumento pode ser compreendido pelo cenário legislativo que promoveu fomento no setor, com especial destaque à emenda constitucional 103, de 12 de novembro de 2019 (EC 103/19), que determinou a obrigatoriedade de instituição de regime de previdência complementar para os entes estaduais e municipais, bem como à resolução do CNPC - Conselho Nacional de Previdência Complementar 60, 7 de fevereiro de 2024, que autoriza a inscrição (adesão) automática de participantes.

A ordem de grandeza de pagamento de benefícios pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) denota a relevância do sistema para sociedade, seja no viés previdenciário ou na qualidade de investidor institucional.

É válido lembrar que o Relatório 2023 da Previdência Complementar Fechada, publicado pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC)2, aponta como volume de ativo do sistema o total de 1,28 trilhão, correspondente à 12% do PIB do Brasil. Os indicadores apresentam o volume de R$ 100 bilhões referentes a pagamentos de benefícios em prol de participantes, assistidos e pensionistas.

Pela leitura do Relatório do CNJ, entendemos que existem potenciais reflexos para previdência privada, em que pese a ausência de individualização desse segmento como tema de análise.

Em um primeiro momento, o aumento da judicialização e prolongamento das demandas parece ir contra o movimento de aprimoramento dos procedimentos cartorários e ampliação dos métodos de resolução consensuais de conflitos. A digitalização dos procedimentos do Poder Judiciário gerou a expectativa de incremento na celeridade e efetividade nos procedimentos cartorários com consequente redução da duração e diminuição dos processos judiciais, o que não ocorreu de fato.

De um lado, temos a continuidade de uma cultura altamente judicante por parte da sociedade, de outro, temos o fomento ao incentivo de soluções por meios consensuais de resolução de conflitos e aumento da produtividade do Poder Judiciário.

Há um evidente espaço para aprimoramento da cultura de soluções consensuais de conflitos perante os patrocinadores de planos de previdência privada e fundos de pensão, tendo em vista a modesta melhora no Poder Judiciário apresentada pelos dados do Relatório. Em paralelo, não se pode descuidar do tratamento adequado das demandas judiciais por parte do setor jurídicos dos patrocinadores e EFPC, agora integralmente apresentadas em juízo digital, o que demanda uma atuação cautelosa para o tratamento de fluxo de informação, principalmente diante da celeridade imposta pelos procedimentos cartorários aprimorados por avanços tecnológicos.

Recomenda-se fomentar a cultura de soluções consensuais de conflitos antes mesmo do ajuizamento de demandas judiciais. O aprimoramento da comunicação com participantes, assistidos e beneficiário é essencial. A necessidade de aperfeiçoamento técnico dos responsáveis pelo contencioso judicial das EFPC e seus patrocinadores é também relevante, esses profissionais devem se manter atualizados com os avanços da tecnologia para implementação de soluções eficientes, acompanhados da utilização de ferramentas modernas de trabalho adequadas à melhor prestação de serviço.

O objetivo final é a preservação do patrimônio coletivo dos participantes e assistidos dos planos de benefícios complementares, que, ao fim e ao cabo, pode ser impactado por eventuais perdas em razão do aumento da judicialização desta relação contratual.

Sem pretensão de empreender uma análise final dos dados apresentados pelo Relatório do CNJ e mesmo diante da ausência de tratamento específico da previdência privada, é certo que os números representam indicadores para reflexão dos gestores das EFPC e seus patrocinadores.

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1 Publicado 28 de maio de 2024.

2 Disponibilizado em 21 de maio de 2024.

Pedro Diniz da Silva Oliveira

Pedro Diniz da Silva Oliveira

Advogado Sênior de Bocater Advogados. Formado pela UFF. Especializado em Previdência Privada UERJ. Pós-graduado em Direito Processual Civil UFF. Mestrando em Direito do Trabalho e Previdenciário UERJ

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