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Abandono material no Direito de Família

O simples não pagamento da pensão alimentícia não configura, por si só, o crime de abandono material, sendo necessária a demonstração do elemento subjetivo e da ausência de justa causa.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Atualizado às 10:18

1. Introdução

O Direito de Família, enquanto ramo fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, busca garantir a convivência familiar harmônica, a dignidade da pessoa humana e a proteção dos direitos dos seus integrantes.

Nesse contexto, o abandono material, regulado pelo art. 244 do CP brasileiro, assume uma relevância primordial, especialmente quando se trata do dever de assistência material aos filhos.

Este artigo tem como foco a análise da criminalização da omissão no cumprimento da obrigação alimentar, abordando a natureza do crime, seus requisitos e as implicações jurídicas decorrentes.

2. Natureza jurídica e elementos do tipo

O crime de abandono material, inserido no art. 244 do CP, é tipificado como um delito contra a assistência familiar.

Esse crime configura-se como um tipo misto cumulativo, na modalidade omissiva pura e de natureza permanente. De acordo com Jescheck (Tratado de Direito Penal. Granada: Comares, 1993), trata-se de uma norma preceptiva que impõe uma ação determinada. A infração, portanto, consiste na omissão de uma ação positiva, qual seja, o pagamento da pensão alimentícia.

A obrigação alimentar, prevista nos arts. 1.694 e seguintes do CC brasileiro, visa assegurar que os filhos, em particular, recebam os recursos materiais necessários para sua sobrevivência e desenvolvimento.

No entanto, o não cumprimento desse dever pode ensejar a configuração do crime de abandono material, quando a omissão ocorre de forma deliberada, sem justificativa legal ou motivo plausível.

2.1 Elementos objetivos do tipo

O tipo penal apresenta os seguintes elementos objetivos

  • Omissão no pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada;
  • Ausência de justa causa para o inadimplemento;
  • Existência de vínculo familiar ou obrigacional que justifique o dever de assistência

2.2 Elemento subjetivo do tipo

O dolo específico caracteriza-se pela vontade livre e consciente de não adimplir a obrigação alimentar, mesmo tendo condições para tanto.

3. Fundamentos constitucionais e principiológicos

A criminalização do inadimplemento da prestação alimentícia está fortemente alicerçada nos primados da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CF/88) e na preservação da integridade do núcleo familiar (art. 226, caput, CF/88).

A responsabilidade parental não se limita ao aspecto afetivo, mas se estende ao dever material de prover a subsistência dos filhos, especialmente quando estes são menores ou incapazes de prover o próprio sustento.

Nesse sentido, a legislação brasileira protege o direito dos filhos à alimentação, considerando-a como uma necessidade básica e essencial para o desenvolvimento físico e psicológico.

Ao estabelecer que a omissão do pagamento da pensão alimentícia configura crime, o legislador visa não apenas punir a falta de assistência material, mas também fortalecer os vínculos familiares e assegurar que os pais cumpram suas responsabilidades, principalmente em relação aos filhos.

O Estado, por meio da tipificação do abandono material, busca assegurar que a negligência não prevaleça, prejudicando a dignidade dos membros da família mais vulneráveis.

4. O Direito Penal como ultima ratio

4.1 Distinção entre ilícito civil e penal

Entretanto, é importante destacar que o Direito Penal opera como uma verdadeira ultima ratio, ou seja, um mecanismo jurídico que deve ser utilizado como última instância, quando todos os outros meios legais de resolução do conflito falharem.

Nesse contexto, nem toda omissão no pagamento da pensão alimentícia será automaticamente configurada como crime.

4.2 Requisitos para caracterização do crime

Para configuração do delito, é necessária a presença cumulativa de:

  1. Dolo específico (elemento subjetivo);
  2. Ausência de justa causa (elemento normativo);
  3. Capacidade financeira para adimplemento (certeza quanto).

O que se pune é a omissão deliberada, a frustração intencional do pagamento da pensão alimentícia, com o claro intuito de prejudicar o beneficiário da obrigação.

5. Conceito de justa causa

A justa causa, como elemento normativo do tipo, pode ser caracterizada por:

  • Desemprego involuntário;
  • Doença grave que impeça o trabalho;
  • Insolvência comprovada;
  • Comprometimento da própria subsistência.

5.1 Ônus da prova

Cabe ao Ministério Público mediante provocação do alimentado, demonstrar:

  • A capacidade financeira do agente;
  • A ausência de justificativa para o inadimplemento;
  • O elemento volitivo direcionado ao não pagamento.

6. Análise probatória

6.1 Elementos probatório necessários

Para sustentar uma condenação, são indispensáveis provas de:

  • Capacidade econômica do agente;
  • Omissão deliberada no pagamento;
  • Inexistência de circunstâncias justificadoras

6.2 Insuficiência do mero inadimplemento

O simples não pagamento da pensão alimentícia não configura, por si só, o crime de abandono material, sendo necessária a demonstração do elemento subjetivo e da ausência de justa causa.

7. Consequências práticas

7.1 Para a persecução penal

  • Necessidade de investigação aprofundada da condição financeira do agente;
  • Demonstração inequívoca do dolo específico;
  • Afastamento das hipóteses de justa causa.

7.2 Para a defesa criminal

  • Possibilidade de demonstração de impossibilidade financeira;
  • Apresentação de justificativas para o inadimplemento;
  • Comprovação de ausência de dolo específico.

8. Conclusão

O crime de abandono material, embora importante instrumento de proteção familiar, exige criteriosa análise dos elementos constitutivos do tipo para sua caracterização

A distinção entre o ilícito civil e penal é fundamental para evitar a banalização do Direito Penal e garantir sua aplicação apenas aos casos de efetivo abandono material doloso.

____________

1 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Direito Penal. Granada: Comares, 1993.

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2023.

3 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Forense, 2023.

4 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Rio de Janeiro: Impetus, 2023.

Marcelo Alves Neves

VIP Marcelo Alves Neves

Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado. Visite: https://www.man.adv.br

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