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Contradições entre CVM e STJ induzem ambiente de insegurança para adoção de OPA

Melyssa Rocha

Discordância entre CVM e STJ aumenta a desconfiança no mercado de capital brasileiro e não protege adequadamente os direitos dos acionistas minoritários.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Atualizado em 23 de janeiro de 2025 14:53

A 3ª turma do STJ julgou os embargos de declaração do Grupo Ternium, reafirmando que, ao alterar o controle de uma companhia aberta, o novo acionista deve realizar uma OPA - oferta pública de aquisição de ações para os minoritários, caso a compra das ações ordinárias resulte em mudança efetiva no bloco de controle da companhia, alterando efetivamente as estruturas de controle. A decisão aconteceu em dezembro.

Isto é, não é preciso ter 50% das ações com direito a voto para ser considerada controladora, basta ter influência significativa no controle da companhia. Assim, o Grupo Ternium, que adquiriu 43,3% das ações ordinárias dentro do bloco de controle da companhia, será obrigado a indenizar a CSN - Companhia Siderúrgica Nacional, uma das acionistas minoritárias da Usiminas, por não ter realizado a OPA na época da aquisição do controle da companhia. 

OPA - oferta pública de ações é um dos mecanismos previstos no art. 254-A da lei 6.404/76, (LSA) utilizados no mercado de capitais para aquisição de ações com direito a voto de uma companhia aberta, com o intuito de viabilizar a compra de controle, nos termos do art. 116 da LSA, procedimento obrigatório. No Brasil, o processo que envolve a OPA ainda apresenta aspectos de insegurança jurídica, especialmente quando há divergências entre os posicionamentos da CVM - Comissão de Valores Mobiliários e decisões judiciais, como no caso do RES 1.837.538. O REsp 1.837.538, julgado pelo STJ, envolveu a análise de questões relacionadas às OPAs, com foco nas condições e requisitos legais para sua realização. A decisão do STJ levantou questionamentos sobre a interpretação das normas da CVM, em especial no que tange aos direitos dos acionistas minoritários e às obrigações dos controladores nas ofertas públicas. O conflito entre o entendimento do STJ e as decisões da CVM gerou um ambiente de insegurança jurídica, que precisa ser compreendido à luz dos princípios do direito societário e do mercado de capitais.

O REsp 1.837.538 e a decisão do STJ

O REsp 1.837.538, julgado pelo STJ em 2023, envolveu uma disputa sobre a obrigatoriedade de realização de OPA em circunstâncias específicas, relacionadas à aquisição de controle da Usiminas. O recurso teve como base a interpretação das normas reguladoras das OPAs, em especial no que diz respeito às condições e direitos dos acionistas minoritários. A decisão do STJ acabou contrariando o entendimento majoritário da CVM, o que gerou uma série de dúvidas quanto à efetividade e segurança jurídica das OPAs no Brasil.

Em sua decisão, o STJ entendeu que, em determinadas situações, a realização de uma OPA obrigatória poderia ser dispensada, caso a aquisição das ações não resultasse, de fato, em um controle da companhia ou em mudanças substanciais na estrutura societária da empresa. Essa interpretação gerou um conflito com a posição da CVM, que considera a OPA uma obrigação sempre que o controlador atingir o limite de 50% das ações com direito a voto, independentemente das circunstâncias específicas da operação.

A decisão do STJ deu uma interpretação mais subjetiva da legislação, enquanto a CVM defende uma interpretação mais literal, que visa proteger os acionistas minoritários e assegurar que a OPA seja sempre feita em condições justas. Essa divergência entre o entendimento do STJ e as normas da CVM evidenciou a insegurança jurídica que ainda permeia o processo das OPAs no Brasil, pela LSA não estabelecer critérios mais objetivos em seus dispositivos.

A contradição com a decisão da CVM

A divergência entre a decisão do STJ e a posição da CVM coloca em evidência a falta de uniformidade e clareza normativa no que diz respeito às ofertas públicas de aquisição no Brasil. A CVM adota um modelo de proteção aos acionistas minoritários, exigindo que a OPA seja realizada sempre que o controlador ultrapassar o limite de 50% das ações com direito a voto, independentemente das circunstâncias da aquisição. Para a CVM, a OPA é uma medida de proteção contra abusos de poder por parte dos controladores e uma garantia de que os acionistas minoritários terão a chance de vender suas ações a um preço justo.

Já o STJ, em seu julgamento no REsp 1.837.538, adotou uma interpretação que relativizou essa exigência, permitindo maior flexibilidade nas condições em que a OPA é obrigatória. A decisão tenta desburocratizar o processo, mas, ao mesmo tempo, gera uma grande incerteza jurídica, ao contradizer diretamente as diretrizes da CVM, entidade que regulamenta as regras da OPA e fiscaliza e sanciona agentes do mercado de capitais, o que pode levar a interpretações distintas sobre a aplicação das normas, afetando a confiança do mercado nas OPAs.

Insegurança jurídica no mercado de capitais

O conflito entre as normas da CVM e as decisões do STJ, como exemplificado pelo REsp 1.837.538, gera um cenário de insegurança jurídica no mercado de capitais brasileiro. Em um ambiente de incerteza quanto à aplicação das regras, investidores e acionistas podem se sentir desprotegidos, especialmente os minoritários, que são a principal parte interessada nas OPAs. A proteção dos direitos dos acionistas minoritários e a garantia de um preço justo são pilares fundamentais do sistema financeiro e societário, e qualquer distorção ou insegurança nesse processo pode prejudicar a credibilidade do mercado brasileiro.

Além disso, essa insegurança jurídica pode levar a conflitos judiciais e atrasos nas operações de compra e venda de ações, afetando não apenas as companhias diretamente envolvidas, mas todo o mercado de capitais. A falta de uma interpretação unificada das normas da CVM e do STJ enfraquece a confiança no sistema regulatório e no ambiente de negócios no Brasil.

Para mitigar a insegurança jurídica, é essencial um maior alinhamento entre o poder judiciário e os órgãos reguladores, como a CVM. Isso pode ser alcançado com a clarificação das normas, por meio da emissão de diretrizes mais claras e detalhadas pela CVM sobre quando e como a OPA deve ser realizada, a fim de evitar divergências interpretativas. Além disso, o STJ, ao decidir sobre assuntos que são regulados por entidades reguladoras, poderia buscar uma interpretação mais alinhada com os últimos pareceres do tema, protegendo, nesse caso, os direitos dos acionistas minoritários, que são fundamentais para o funcionamento do mercado de capitais no Brasil.

A insegurança jurídica das OPAs no Brasil é uma realidade que precisa ser enfrentada, especialmente quando há divergências significativas entre as interpretações da CVM e do STJ. A decisão do REsp 1.837.538 reflete a complexidade e a necessidade de um maior alinhamento entre os órgãos reguladores e o Poder Judiciário. A busca por maior clareza e uniformidade nas normas e jurisprudências é essencial para garantir a confiança no mercado de capitais brasileiro e proteger adequadamente os direitos dos acionistas minoritários.

Melyssa Rocha

Melyssa Rocha

Advogada na área de Societário e M&A do escritório Silveiro Advogados e possui graduação em Direito na Universidade IBMEC-RJ e é pós-graduanda no curso de LL.M. em Direito Societário no Instituto de Ensino e Pesquisa Insper.

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