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Vítima de violência doméstica pode desistir das medidas protetivas?

Este ensaio aborda a revogação das medidas protetivas a requerimento da vítima de violência doméstica, destacando a autonomia da mulher.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Atualizado às 13:38

1. Introdução

As medidas protetivas de urgência são instrumentos legais criados para proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A lei Maria da Penha, que estabelece essas medidas, visa interromper o ciclo de violência e prevenir novos episódios, oferecendo uma resposta rápida e eficaz do sistema judiciário.

Historicamente, a violência doméstica ocorre de forma privada, dificultando a coleta de provas, o que justifica a flexibilização das exigências probatórias para a concessão dessas medidas. Contudo, após a concessão das protetivas, podem surgir situações em que a vítima, por diversos motivos, não se sinta mais em risco e deseje a revogação das medidas. Nesse cenário, surge a questão: a vítima pode desistir das medidas protetivas? Este ensaio crítico explorará essa questão, abordando os aspectos legais, práticos e jurídicos envolvidos no processo de revogação das medidas protetivas.

2. A natureza das medidas protetivas e a flexibilidade na concessão

As medidas protetivas têm natureza urgente e são, em regra, concedidas sem a necessidade de provas robustas. A razão para essa flexibilização da exigência probatória inicial reside na dificuldade de comprovação da violência doméstica, que muitas vezes ocorre de forma clandestina, dentro da intimidade do lar. A lei Maria da Penha, ao tratar dessa triste realidade, considera a palavra da mulher que se declara vítima como suficiente para a concessão da proteção legal.

Esse modelo visa assegurar que a mulher possa ser protegida imediatamente, antes mesmo da apuração completa dos fatos. Dessa forma, ao solicitar as medidas protetivas, a mulher não precisa comprovar a violência de maneira formal, o que facilita o acesso à proteção.

3. A revogação das medidas protetivas pela vítima

Embora as medidas protetivas sejam concedidas para proteger a mulher em situações de risco, a realidade da vida doméstica e familiar pode mudar rapidamente com o tempo. Muitas vezes, após a concessão das medidas, a vítima e o homem apontado como agressor podem se reconciliar ou, de alguma forma, perceber que a situação de risco que justificou o pedido de proteção não mais existe. Nesse contexto, surge a possibilidade de a vítima desistir das medidas protetivas. A questão central, então, é se a vítima pode efetivamente desistir das protetivas.

A resposta é sim: a vítima pode solicitar a revogação das medidas protetivas quando não se sentir mais em risco. Essa possibilidade é respaldada pela autonomia da mulher, que deve ser reconhecida pelo Estado, desde que a manifestação de vontade não esteja viciada ou corrompida por ameaça ou qualquer outro tipo de coação. Após ter sido concedida a proteção, o processo de revogação segue o mesmo princípio de autodeclaração: assim como a mulher foi capaz de identificar a situação de risco no momento do pedido, ela também deve ser capaz de avaliar se a situação se alterou, perdendo a justificativa para a continuidade das medidas.

4. A revogação por meio de advogado especializado

A mulher vítima de violência doméstica pode pedir a revogação das protetivas por diferentes meios, podendo a mulher vítima se valer da assessoria de um advogado especializado na lei Maria da Penha. A revogação das medidas protetivas não precisa ser feita diretamente pela vítima no fórum. O processo pode ser simplificado por meio de um advogado especializado na lei Maria da Penha. Nesse caso, o pedido de revogação é feito direta e eletronicamente ao juiz que concedeu as medidas, o que agiliza o processo e evita a necessidade de comparecimento presencial da vítima ao fórum.

Essa abordagem é benéfica, pois garante que a mulher, que já está sob uma situação de vulnerabilidade, não seja tratada como incapaz ou desprovida de autonomia pelo Estado.

Afinal, a mulher que trabalha e vota tem plenos direitos sobre as decisões que envolvem sua vida, e o fato de desejar revogar as medidas protetivas deve ser tratado com o mesmo respeito e seriedade tanto pelo Estado quanto pelas instituições.

É possível que o fórum, por meio de seus serventuários, contate a vítima por ligação ou aplicativo de mensagens a fim de confirmar se o pedido de revogação está sendo feito pela vítima sem coação, induzimento ou qualquer outra forma de pressão que ofusque a sua livre manifestação. Isso facilita o processo e evita que a mulher precise se deslocar até o fórum, economizando tempo e recursos, além de preservar a sua dignidade e autonomia.

5. A relativização da manifestação de vontade em caso de vítimas menores de idade e de outras formas de vulnerabilidade

No entanto, é importante observar que a revogação das medidas protetivas pode não ser aceita pelo juiz em certos casos específicos.

Se a vítima for menor de idade ou vulnerável, o juiz pode avaliar que a revogação das medidas, apesar de traduzir a vontade da mulher vítima, não satisfaz o seu melhor interesse, especialmente se houver risco contínuo de violência ou se a mulher não tiver a maturidade necessária para avaliar a situação de forma adequada, ou, ainda, restar comprovada a dependência econômica em relação ao apontado agressor.

Esse ponto, no entanto, exige uma análise mais profunda, que pode ser tratada em outro artigo, dada a complexidade que envolve a manifestação de vontade de vítimas em situação de vulnerabilidade.

6. Quando considerar a revogação das medidas protetivas: A partir do protocolo do pedido de revogação ou a partir da decisão judicial?

Outro ponto relevante sobre a revogação das medidas protetivas é o momento em que as protetivas são consideradas revogadas: a partir do protocolo do pedido ou da decisão do juiz?

Este é um tema importante e de grande interesse prático, pois em algumas comarcas do país a análise do pedido de revogação pode ser demorada, levando semanas, chegando em alguns casos a levar meses até que uma decisão seja tomada. Durante esse tempo, a mulher que solicitou a revogação pode continuar sem contato com o homem contra quem solicitou a proteção, o que pode ser um inconveniente ou até um transtorno, dependendo das circunstâncias.

Entendemos que, a partir do momento em que o pedido de revogação é protocolado, as medidas protetivas devem ser consideradas revogadas. Isso se baseia na lógica que norteia a concessão das medidas, ou seja, se a mulher pode solicitar as protetivas com base em sua palavra, por que o pedido de revogação não pode seguir a mesma lógica? Essa interpretação também é mais razoável, pois evita que a vítima seja tratada de forma discriminatória e sujeita a uma espera prolongada, que poderia causar-lhe novos transtornos. Além disso, o reconhecimento a partir do protocolo da petição de revogação evita que o judiciário perpetue uma situação de insegurança para a mulher, quando ela já não percebe mais riscos.

7. A posição do STJ sobre a revogação e a aproximação consentida

Finalmente, é importante destacar que o STJ tem se posicionado no sentido de que a aproximação do homem consentida pela vítima não configura descumprimento das medidas protetivas, desde que a vítima concorde com o contato.

Se a mulher decide, voluntariamente, revogar a proteção e permitir o contato com o homem, isso não caracteriza o crime de descumprimento de medidas protetivas. Essa posição reforça a ideia de que a mulher, em última instância, tem o direito de decidir sobre sua vida, seus relacionamentos e sua segurança, e que sua decisão deve ser respeitada pelo sistema judiciário, ainda que o pedido de desistência das protetivas ainda não tenha sido apreciado pelo juiz.

8. Conclusão

As medidas protetivas são fundamentais para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, e a lei Maria da Penha garante que elas possam ser solicitadas sem a exigência de provas robustas, dado o contexto histórico e social da violência doméstica. No entanto, a mulher também deve ter o direito de desistir dessas medidas quando não se sentir mais em risco, o que demonstra seu protagonismo e autonomia na gestão de sua própria vida. O processo de revogação pode ser feito por meio de advogado especializado, agilizando a solicitação e preservando a dignidade da mulher. A revogação pode ser considerada a partir do protocolo do pedido, evitando a morosidade do processo judicial, e, quando a vítima consentir, a aproximação com o agressor não configura crime. Dessa forma, é essencial que o Estado respeite a autonomia da mulher e sua capacidade de avaliar a necessidade de proteção, reconhecendo que ela é a principal responsável por medir os riscos que a envolvem.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Atuação especializada e nacional na DEFESA NA LEI MARIA DA PENHA, com mais de 500 avaliações todas positivas no Google e mais de 2.500.000,00 milhões de visualizações nas redes sociais. 11.9.4013-7646

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