Equipamentos de proteção e insalubridade: O impacto do progresso tecnológico no Tema 555 e suas implicações na Justiça do Trabalho
O presente artigo examina as contradições nos julgados de alguns tribunais pátrios em relação ao STF Tema 555 (concessão de aposentadoria especial devido à exposição ao ruído não neutralizado pelos Equipamentos de Proteção Individual - EPIs). São analisados o avanço tecnológico dos referidos equipamentos, a ausência de uma consulta técnica pelo Supremo Tribunal Federal ao adotar uma decisão de tamanha relevância e o consequente elastecimento da interpretação acerca da insalubridade.
quinta-feira, 9 de janeiro de 2025
Atualizado às 07:36
Introdução
1. Decisão do STF - Aposentadoria Especial X Adicional de insalubridade - Tema 555
O presente estudo analisa o julgamento do Tema 555 pelo STF, que aborda a aposentadoria especial por tempo de serviço, esclarecendo os limites entre a concessão do benefício previdenciário e a configuração do adicional de insalubridade. Em especial, destaca-se o julgamento do ARE 664.335/SC, que trouxe definições importantes sobre a ineficácia da declaração do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário como elemento suficiente para descaracterizar o tempo de serviço especial.
Por outro lado, há uma distinção essencial entre o Direito Previdenciário e as obrigações do empregador quanto ao pagamento do adicional de insalubridade, o qual exige um laudo técnico específico conforme previsto no art. 195 da CLT. Diante desse cenário, este artigo busca esclarecer os desdobramentos jurisprudenciais e técnicos da decisão, bem como suas implicações práticas para trabalhadores, empregadores e órgãos previdenciários.
A ministra corregedora da Justiça do Trabalho à época, ministra Dora Maria da Costa, em decisão de sua relatoria, pronunciou-se nos seguintes termos:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Do acórdão regional, extrai-se que o fornecimento e o uso dos EPIs neutralizaram o agente insalubre ruído, tendo em vista que o colocou no patamar exigido pelo Anexo 1 da NR 15, que prevê o limite de 85dB para oito horas de trabalho. Nesse contexto, a decisão recorrida está em sintonia com a Súmula nº 80 do TST, segundo a qual a eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores exclui a percepção do respectivo adicional. Agravo de instrumento conhecido e não provido" (AIRR- 868-36.2015.5.12.0052, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 11/09/2017; grifou-se).
Esclareceu a distinção entre as obrigações previdenciárias e trabalhistas, especialmente no que tange à exigência de laudo técnico para a comprovação do adicional de insalubridade, conforme previsto na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. Tal decisão reforça a necessidade de interpretação criteriosa dos pedidos relacionados à aposentadoria especial e à insalubridade no ambiente laboral.
O ministro Alexandre Agra Belmonte, ao enfrentar a questão do Tema 555 em relação ao adicional de insalubridade, destacou a total desvinculação entre os conceitos. Esclareceu que, diferentemente do precedente do STF, que menciona o uso de EPI apenas para caracterizar o tempo de serviço especial, no caso em análise havia, adicionalmente, a contratação de empresa especializada para neutralizar os efeitos do ruído. Vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO, DE REVISTA. DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. FORNECIMENTO. O pedido de indenização por danos morais e materiais 'está assentado em 3 (três) eventos danosos, quais sejam: disacusia neurossensorial bilateral (perda auditiva), tenossinovite e enfisema pulmonar.(...) Quanto à perda auditiva, o Regional consignou que o perito reconheceu o nexo de causalidade, no entanto, aquela Corte concluiu pela ausência da culpa da empresa, ao fundamento de que "a ré provou o fornecimento de equipamentos de proteção a ruídos excessivos que, de acordo com o Ministério do Trabalho, capazes de neutralizar os efeitos maléficos dos ruídos. Provou também que contratou empresas especializadas para neutralizar os efeitos do agente insalubre. O perito ainda confirmou que o autor não está incapacitado para o trabalho". O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do ARE 664335, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, concluiu, por maioria, especificamente em relação ao agente nocivo ruído, que o desempenho do trabalho em condições nocivas, isto é, quando há ruídos acima do limite tolerável, gera danos à saúde do trabalhador muito além da perda auditiva, razão pela qual o uso de EPI (protetores auriculares) não neutraliza totalmente os malefícios causados. No caso, entendo que o precedente do Supremo Tribunal Federal não é aplicável á hipótese dos autos, tendo em vista os seguintes aspectos: 1° - O precedente do STF trata da aposentadoria especial perante o INSS e cinge-se a discussão, á luz dos artigos 195. g 5° e 201. S 1° da Constituição Federal, sobre a possibilidade, ou não, de o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual - EPI -. informado no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). descaracterizar o tempo de serviço peculiar para aposentadoria especial no caso de comprovação da eficácia dos EPI' s. 2° - O STF concluiu que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dós limites legais de tolerância. a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário PPP). da eficácia do equipamento de Proteção Individual (EPI). não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria ." Depreende-se que o equipamento de proteção auricular, no caso específico do precedente do Supremo Tribunal Federal, não reduziu a agressividade do ruído a nível tolerável, o que não significa que em outros ambientes laborais não pode ocorrer, logo não pode ser aplicado o entendimento de forma generalizada. Ademais, no caso dos autos, em especial, o Regional consigna expressamente que "a ré provou o fornecimento de equipamentos de proteção a ruídos excessivos que, de acordo com o Ministério do Trabalho, capazes de neutralizar os efeitos maléficos dos ruídos. Provou também que contratou empresas especializadas para neutralizar os efeitos do agente insalubre.". Assim o caso se diferencia do precedente do Supremo Tribunal Federal que apenas menciona o EPI, para efeito de caracterização de tempo de serviço especial para efeito de aposentadoria, ao passo que no caso dos autos, além do EPI, havia a contratação de empresa especializada para neutralizar os efeitos do ruído. Sobre este segundo aspecto, saliente-se, ainda, que o art. 191 da CLT admite a eliminação ou a neutralização da insalubridade pela adoção de medidas e utilização de equipamentos que mantenham o ambiente dentro dos limites da tolerância. Até porque é praticamente impossível um ambiente 100% isento de qualquer agente insalubre. Com esses fundamentos e com amparo na Súmula 80 do TST, aplicada analogicamente ao caso, que preceitua que "a eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional.", correto o Regional que afastou a culpa da ré no evento lesivo. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR - 121200-93.2007.5.02.0083, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 23/09/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/09/2015 - ausentes grifos no original)
O precedente do STF aborda a aposentadoria especial perante o INSS e delimita a discussão à interpretação dos arts. 195, §5º, e 201, caput e §1º, da CF/88. O ponto central reside na possibilidade de o fornecimento de EPI - Equipamento de Proteção Individual, conforme informado no PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, descaracterizar o tempo de serviço especial necessário para a concessão da aposentadoria especial, desde que seja comprovada a eficácia dos EPIs.
Nesse contexto, o ministro Maurício Godinho Delgado posiciona-se de forma clara ao afastar a aplicação do Tema 555 do STF no que tange ao adicional de insalubridade. Esse entendimento fundamentou a reforma de condenações ao pagamento do adicional de insalubridade com base no seguinte argumento:
"Assim sendo, para esta 3ª Turma, tem-se que os fundamentos constante da decisão do STF, que apenas menciona o EPI para efeito de caracterização de tempo de serviço especial para concessão de aposentadoria, não são capazes de afastar a conclusão da perícia realizada nos autos, a qual constatou que o Obreiro não laborou em condições insalubres, diante da utilização de EPI's que elidiram a nocividade do ambiente, de modo que merece reforma a decisão recorrida." (TST - RR: 14269420145060121, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 18/05/2016, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016).
Além de todas essas questões, o entendimento firmado pelo STF na declaração de repercussão geral do Tema 555 tem sido amplamente criticado pelos profissionais técnicos e especialistas em Segurança do Trabalho. Essa insatisfação decorre do fato de o julgamento, restrito ao âmbito do INSS e de seus segurados, não ter contado com a participação, na qualidade de amicus curiae, das principais autoridades no tema, o que poderia ter enriquecido o debate.
2. Da ausência de critério técnico para caracterização da aposentadoria especial e ao adicional de insalubridade por exposição ao ruído
O julgamento do STF no ARE - Agravo de Instrumento em Recurso Extraordinário 664.335, em fevereiro de 2015, gerou intensas críticas ao tratar da eficácia dos EPIs - Equipamentos de Proteção Individual no controle da exposição ocupacional ao ruído e sua relação com a descaracterização do tempo de serviço especial para fins de aposentadoria especial.
De forma incoerente, o STF decidiu que os EPIs, como os protetores auriculares, não possuem a capacidade de neutralizar os efeitos nocivos do ruído, mesmo quando utilizados de forma adequada e conforme as normas técnicas de segurança. Essa conclusão contraria estudos científicos e técnicos que demonstram que, com o uso correto e fiscalizado, os EPIs reduzem significativamente os níveis de exposição a patamares seguros, eliminando os riscos auditivos e afastando a caracterização do ambiente insalubre.
É importante destacar que, embora o ruído também possa ser transmitido por vias óssea e tecidual, essa transmissão residual representa uma redução de 40 a 60 decibéis (dB) em comparação à transmissão aérea. Em ambientes onde o nível de ruído não ultrapassa 115 dB, tal atenuação é considerada suficiente e desprezível do ponto de vista dos danos auditivos, sendo incapaz de gerar prejuízos significativos à saúde do trabalhador.
Além disso, nos ambientes industriais modernos, a implementação de políticas de segurança rígidas, a manutenção periódica dos equipamentos e a correta utilização dos EPIs têm garantido a mitigação dos riscos ocupacionais. Desconsiderar a eficácia dos EPIs, como fez o STF, representa um retrocesso ao ignorar a evolução das práticas de segurança no trabalho e desestimular a adoção de medidas preventivas.
Portanto, ao afastar a neutralização do agente insalubre mesmo com a utilização comprovada dos EPIs, a decisão do STF acaba por desconsiderar a realidade técnica e científica e cria um entendimento equivocado. Tal posicionamento fragiliza a segurança jurídica, penaliza empregadores responsáveis e desvaloriza os avanços obtidos com a proteção individual no ambiente de trabalho. É fundamental que futuras decisões levem em conta estudos atualizados e criteriosos que comprovem a eficácia dos EPIs no controle do ruído e na proteção da saúde do trabalhador.
O relatório técnico sobre a eficácia dos protetores auditivos, elaborado pela Comissão de Estudo - Equipamentos de Proteção Auditiva da ABNT, apresenta conclusões relevantes acerca da exposição ao ruído e seus possíveis impactos à saúde. Segundo o documento, o ruído transmitido pelo ar não exerce uma contribuição significativa para o desenvolvimento de danos à saúde humana.
Além disso, o relatório ressalta que os efeitos extra auditivos frequentemente atribuídos à exposição ao ruído não possuem, necessariamente, uma relação causal direta com essa exposição. Sintomas como estresse, distúrbios do sono e problemas cardiovasculares costumam estar associados a doenças multifatoriais, cuja origem depende do histórico médico e do estilo de vida de cada indivíduo.
Essas constatações reforçam a necessidade de uma avaliação criteriosa e abrangente ao identificar os riscos ocupacionais relacionados ao ruído, considerando os fatores individuais e o contexto ambiental. Dessa forma, o uso de protetores auditivos permanece como uma medida preventiva essencial para minimizar os danos auditivos em ambientes ruidosos, ainda que os efeitos extra auditivos demandem investigações mais aprofundadas para a determinação precisa de suas causas.
O professor e pesquisador da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, doutor Samir N. Y. Gerges, membro fundador da Sociedade Brasileira de Acústica, apresentou a pedido da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS EXPORTADORAS DE CARNES - ABIEC em 2022 parecer técnico intitulado - "UTILIZAÇÃO DE PROTETORES AUDITIVOS E SUA EFICÁCIA NA NEUTRALIZAÇÃO DA EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL AO RUÍDO: CONTRA-ARGUMENTOS E REFUTAÇÕES AOS PONTOS TÉCNICOS TRAZIDOS PELA DECISÃO DO STF NO ARE 664.335".
O professor Samir Gerges é amplamente citado em diversas fontes técnicas que servem de referência para decisões, inclusive na decisão que gerou o Tema 555 do STF. Entretanto, é fundamental destacar que suas conclusões não sugerem, em momento algum, a inutilidade dos EPIs - Equipamentos de Proteção Individual na mitigação dos malefícios provocados pelo ruído à saúde dos trabalhadores. Pelo contrário, suas pesquisas reforçam a importância e a eficácia do uso adequado do EPI.
O que se observa nos estudos técnicos sobre os impactos do ruído na saúde ocupacional é que, além da perda auditiva, há a possibilidade de outros efeitos deletérios quando o uso do EPI não é realizado de forma efetiva ou sua manutenção é negligenciada.
Em conclusão, o professor Gerges apresenta o seguinte parecer:
Portanto, jamais se concluiu, tecnicamente, que a utilização adequada de EPIs seria incapaz de eliminar ou reduzir os riscos da insalubridade decorrente do agente ruído.
Conclusão
Com base nas evidências destacadas por Gerges e outros especialistas em saúde ocupacional, torna-se claro que o uso adequado dos EPIs - Equipamentos de Proteção Individual é indispensável para minimizar os riscos associados à exposição ao ruído nos ambientes de trabalho. No entanto, a eficácia dessa proteção depende de uma abordagem integrada que envolva:
- Medidas técnicas, como o controle do ruído na fonte e a manutenção preventiva de máquinas e equipamentos;
- Programas preventivos, incluindo treinamentos periódicos, monitoramento constante do ambiente e a conscientização sobre a importância do uso correto dos EPIs.
Ao combinar soluções técnicas e práticas preventivas, as organizações não só mitigam os efeitos prejudiciais do ruído, mas também contribuem para a construção de um ambiente laboral mais seguro, saudável e produtivo.
Jaime da Veiga Junior
Advogado e sócio do escritório JVLN Advogados Associados. Mestre em Gestão de Políticas Públicas (UNIVALI). Especialista em Direito do Trabalho (AMATRA). Especialista em Direito Processual Civil (FURB). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social (Universidade Católica de Joinville).