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Marcas e funk: Por que se encontraram no Tribunal?

O artigo trata da marca como sinal distintivo do empresário e sua relação com letras e videoclipes de música (funks) em que é utilizada sem autorização do titular.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Atualizado em 6 de janeiro de 2025 13:13

Como sinais distintivos do empresário, o nome comercial e a marca têm lugar cativo e de especial relevância. Ouso dizer que, em conjunto, são o baú da felicidade do empresário. Um produto sem marca é qualquer produto. Uma empresa sem nome comercial é qualquer empresa. Falemos da marca.

Indo para além da função de identificação, a marca tem a função de distinguir/diferenciar o empresário perante consumidores e concorrentes.1 Não é qualquer tênis, é um Nike. Não é qualquer geladeira, é uma Brastemp. Exemplos como esses não faltam. Segundo lição do saudoso professor Denis Borges Barbosa, é pela marca que se "constrói a relação entre o público e o produto".2 Por isso entendemos como impossível (ou deveras dificultoso) alcançar sucesso empresarial sem uma marca estabelecida, conhecida3 e prestigiada. A propósito, há casos em que a marca, de tão valiosa, sobrevive independentemente das atividades empresariais, a revelar a importância do instituto para o empresário. O cenário oposto também existe. Não faltam casos em que o prestígio da marca vai por água abaixo por escândalos de corrupção, fraudes e problemas de grande escala com consumidores, a despeito do prosseguimento das atividades empresariais.

No ordenamento jurídico nacional, a marca encontra regramento na lei 9.279 de 1996 (LPI - lei da propriedade industrial), especificamente a partir do art. 122. Uma vez concedido o registro, o empresário torna-se titular da marca (LPI, art. 129, caput) - bem imaterial exclusivo - e possuído dessa qualidade tem o direito de ceder, licenciar e zelar pela integridade/reputação da marca (LPI, art. 130).

Na qualidade de proprietário e no uso da prerrogativa de zelar pela marca, pode o titular fazer com que terceiros sejam proibidos de utilizar a marca sem expressa e prévia anuência (ius prohibendi). Essa é, sem dúvida, a principal prerrogativa conferida ao titular. Todavia, não pode o titular impedir o uso da marca nas hipóteses previstas no art. 132 da LPI.

A restrição legal ora mencionada obedece à interpretação constitucional de que nenhum direito é absoluto, cabendo ao legislador, por razões de conveniência política, estabelecer quais direitos podem ser relativizados.

Ainda que não registrada (situação nunca recomendada), a marca não fica desamparada. Goza de proteção pelo direito concorrencial, como anota o já citado professor Denis Borges Barbosa:

"O direito exclusivo sobre a marca se adquire, no Direito brasileiro, através do registro. Marcas não registradas são suscetíveis de proteção, não como direito exclusivo, mas com um valor concorrencial, através dos mecanismos da repressão à concorrência desleal".4

O TJ/SP tem prestigiado o titular da marca e assegurado a ele o exercício da titularidade e dos direitos anexos. Em recente caso, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, em sede de apelação, viu-se diante um dilema: Assegurar a irrestrita liberdade de expressão/produção artística, incluindo o uso desautorizado de determinada marca vs. Assegurar o direito do titular da marca de proibir o uso em produções artísticas/culturais.5

O caso - ainda em discussão - envolve o uso de marcas do Banco Santander em canções do gênero funk executadas por MC Kapela e MC Keké, bem como nos respectivos videoclipes. Os argumentos das partes são dignos de aplausos. A instituição financeira concentrou esforços em defender que, uma vez inexistente autorização, o uso de suas marcas em nove canções configuram ilícita/indevida utilização. Ainda, argumentou que a presença das marcas nas canções estariam atreladas a comportamentos penalmente reprováveis, trazendo prejuízo à sua reputação. Por sua vez, os cantores foram firmes em sustentar que, em determinadas músicas, a marca da instituição nem sequer foi mencionada nas letras. Com relação às demais canções, os cantores valeram-se da prerrogativa legal de utilização das marcas para fins culturais, o que dispensaria expressa autorização do titular (LPI, art. 132, inc. IV). Foram firmes em defender, ainda, a liberdade de expressão/produção cultural e trouxeram para debate processual o preconceito ao gênero funk.

Diante desse panorama, o TJ/SP decidiu que não haveria espaço para a prerrogativa do uso não autorizado de marcas para fins culturais/produção artística porque os cantores auferem lucros com as canções. Acrescentou que nas letras e videoclipes há menções à prática de crimes, daí por que não haveria que se falar em censura ou violação da liberdade de expressão. Portanto, a Turma decidiu à unanimidade assegurar ao titular das marcas o direito de zelar por ela, sua reputação e proibir com que terceiros a utilizem sem anuência. Caberá ao STJ dar a última palavra. Veremos.

Não é a primeira vez que o TJ/SP esteve diante do tema. Em outro caso envolvendo a mesma instituição bancária e idêntica discussão (utilização não autorizada de marcas em funks), o TJ/SP também ordenou a retirada de links da música "O Corre" do artista MC Kelvinho.6 Naquela oportunidade, a 6ª Câmara de Direito Privado entendeu que a música (letra e videoclipe) continha alusão à instituição bancária sem expressa e prévia autorização. Mais: Entendeu que por a letra fazer apologia à prática de crimes, a reputação das marcas Santander poderia ser moralmente prejudicada. O STJ manteve o acórdão proferido pelo Tribunal Paulista.

Portanto, em um ou outro caso, o TJ/SP fez prevalecer a tese do titular das marcas. Sem entrar no mérito dos argumentos, parece-nos corretas as decisões. A titularidade da marca traz consigo o direito de zelar por ela, incluindo, consequentemente, o direito de fazer cessar o uso por terceiros não autorizados. Repete-se: Esta é a principal vantagem da marca registrada.

_________

1 "Desta feita, marca é o sinal distintivo visualmente perceptível, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços.

Símbolo voltado a um fim, sua existência fática depende da presença destes dois requisitos: capacidade de simbolizar (distintividade absoluta), e capacidade de indicar uma origem específica em face de outras origens (distintividade relativa), sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor" (BARBOSA, Denis Borges. Aquisição de marcas pelo registro. Disponível em https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/aquisio-de-marcas-pelo-registro-janeiro-de-2015.pdf).

2 BARBOSA, Denis Borges. Do trade dress e suas relações com a significação secundária. Disponível em https://www.dbba.com.br/equipe/denis-borges-barbosa/.

3 Marca só é marca se a coletividade a tem como tal. Caso contrário, falta à marca o preenchimento do requisito essencial de proteção. Nesse sentido: "Um requisito a mais, a que a doutrina não cuida tanto, é que o signo deva ser reconhecível pelo público como sendo uma marca. Essa exigência em geral se subsume à constatação geral de que o sinal deve ser hábil a distinguir produto ou serviço de outro idêntico ou afim, de origem diversa.

Na verdade, o que se requer é algo um grau mais abstrato: o sinal deve ser hábil a ser reconhecido pelo público como uma marca, e não um acidente da natureza, ou um discurso poético, ou uma manifestação política. Se não for como tal reconhecido, sem primeiro educar o público do fato de que o objeto é uma marca, e não um avião, um elefante ou um discurso parlamentar, não terá meios de funcionar como marca" (BARBOSA, Denis Borges. Aquisição de marcas pelo registro. Disponível em https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/aquisio-de-marcas-pelo-registro-janeiro-de-2015.pdf).

4 BARBOSA, Denis Borges. Aquisição de marcas pelo registro. Disponível em https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/aquisio-de-marcas-pelo-registro-janeiro-de-2015.pdf.

No mesmo sentido: "No caso de marcas sem registro, não fica o utente totalmente desamparado. Socorre-se nas normas de repressão à concorrência desleal, nas quais incide todo ato tendente a estabelecer confusão entre produtos, mercadorias ou estabelecimentos" (SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares, nome empresarial, título de estabelecimento, abuso de patentes. 6. ed. Barueri: Manole, 2018, p. 16).

5 TJ-SP, 1ª Câm. Res. Dir. Emp., apel. n. 1111981-42.2022.8.26.0100, rel. Des. Alexandre Alves Lazzarini, j. 11.9.24, v.u.

6 TJ-SP, 6ª Câm. Dir. Priv., apel. n. 1055858-63.2018.8.26.0100, rel. Des. José Carlos Costa Netto, j. 10.8.22, v.u.

Leonardo Campos dos Santos

VIP Leonardo Campos dos Santos

Bacharel em Direito (PUC-SP). Especialista em Direito Empresarial (FGV-SP). Pós-graduando em Direito da Propriedade Intelectual (PUC-RJ). Mestrando em Direito Comercial (PUC-SP). Advogado.

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