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Extensão da disciplina da Lei de Representação Comercial ao contrato de agência?

Ao considerar nula a cláusula del credere no contrato de agência, aplicando a Lei de Representação Comercial, o advogado defende que o Tribunal não esclareceu a relação entre os contratos de agência, de comissão e de representação comercial, e revelou contradições com decisões anteriores.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Atualizado às 11:43

O STJ considerou nula a cláusula del credere no contrato de agência, aplicando a Lei de Representação Comercial, mas não esclareceu a relação entre os contratos de agência, de representação comercial e comissão, e revelou contradições com decisões anteriores. 

No primeiro semestre do ano passado, o STJ enfrentou questões complexas sobre a qualificação dos contratos que operacionalizam o processo econômico de distribuição e sobre a determinação da normativa aplicável. No precedente divulgado no Informativo n.º 810 (STJ, REsp 1.784.914, 4ª T., Rel. Antonio Carlos Ferreira, julg. 23.4.2024), o Tribunal decidiu que, ao contrato de agência, seria aplicável o art. 43 da Lei de Representação Comercial, que veda a estipulação da cláusula del credere, determinando a nulidade dessa regra contratual.

A cláusula del credere, geralmente associada ao contrato de comissão (arts. 693 e seguintes do Código Civil), atribui à parte contratada os riscos decorrentes da insolvência e de mal cumprimento do contrato por terceiros. Com o objetivo de proteger o representante comercial contra o desequilíbrio de poder econômico e jurídico em relação ao produtor, a Lei de Representação Comercial proíbe que o representante assuma tais riscos (cf. Rubens Edmundo Requião, Nova regulamentação da representação comercial autônoma, São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 181-182).

No caso analisado, o STJ examinou a possibilidade de aplicação dessa vedação a contrato denominado "Contrato de Transporte e Outras Avenças". Caso tal regra fosse aplicável, a pretensão de um dos contratantes de ser ressarcido pela outra parte por falta de fundos dos adquirentes de seus produtos seria inviabilizada.

Apesar de seu nomen iuris, o TJ/SP qualificou o acordo como contrato de agência, em que o agente detinha a posse dos bens a serem negociados (configurando o chamado contrato de distribuição-intermediação ou agência-distribuição, conforme art. 710, in fine, do Código Civil; sobre a controvérsia dessa qualificação, cf. o enunciado no. 31 da I Jornada de Direito Comercial do CJF). Essa decisão considerou que a prestação principal do contrato abrangia não apenas o transporte, mas também a alienação de mercadorias, sendo o contratado remunerado por comissão. O Tribunal paulista corretamente concluiu que nem a representação nem a exclusividade desfiguravam o contrato de agência. Já o STJ, com base nos Enunciados n.º 5 e 7, entendeu que requalificar o contrato demandaria análise de elementos fáticos, o que não seria admissível na instância superior, mantendo o entendimento da corte de origem.

Uma vez qualificado como contrato de agência, o STJ aplicou a normativa da Lei de Representação Comercial, com base no art. 721, in fine, do Código Civil, e no critério da especialidade para solucionar o conflito normativo.

Apesar de o resultado prático do precedente coincidir com a posição defendida por este autor em trabalhos anteriores - inclusive um deles citado na decisão do STJ -, faltou a esse Tribunal uma análise fundamental: a justificação específica da aplicação analógica da regra da Lei de Representação Comercial ao contrato de agência. Essa ausência contrasta com decisões anteriores que abordaram a questão de forma distinta.

O art. 721 do Código Civil prevê que, no contrato de agência, são aplicáveis, no que couber, as regras do contrato de comissão e da legislação especial. Enquanto a Lei de Representação Comercial veda a cláusula del credere, o contrato de comissão permite sua pactuação (art. 698, caput, do Código Civil), desde que acompanhada de remuneração mais elevada ao comissário (cf. J.X. Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. VI, n.º 922). Como se vê, os critérios utilizados pelo STJ não solucionam plenamente tal conflito normativo.

Não basta referir-se à Lei de Representação Comercial como legislação especial aplicável ao contrato de agência, ou como norma especial. O STJ deveria ter explorado a ainda nebulosa relação entre os tipos contratuais de agência e de representação comercial - que, na visão deste autor, correspondem ao mesmo tipo contratual.

Tal necessidade de avaliar a relação entre tais tipos decorre também da circunstância de o Tribunal possuir precedentes conflitantes sobre o tema: alguns afastam ao contrato de agência a aplicação da Lei de Representação Comercial (v. REsp 1.897.114, 3.ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 10.8.2021), enquanto outros determinam sua aplicação conjunta com as regras do Código Civil, entendendo que este último teria revogado parcialmente a referida lei (v. AgInt no AREsp 1.504.367, 4.ª T., Rel. Min. Raul Araújo, julg. 6.3.2023). Entende-se ainda que o registro do representante comercial no Conselho Regional acarreta a aplicação da Lei n. 4.886, que o diferencia, por consequência, do contrato de agência (STJ, AgInt no AREsp 2.131.954, 3ª T., Rel. Mn. Marco Aurélio Bellizze, julg. 3.6.2024; STJ, AgInt no REsp 2.095.006, 3ª. T., Rel. Min. Moura Ribeiro, julg. 11.3.2024 STJ, REsp 2.027.337, 3ª T., Rel. Min. Moura Ribeiro, julg. 14.3.2023; STJ, REsp 1.698.761, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 17.2.2021).

Independentemente do debate, o precedente representa um avanço na harmonização da disciplina dos contratos de agência e de representação comercial, embora ainda falte explicitar de forma mais clara a relação entre esses tipos contratuais.

André Brandão Nery Costa

André Brandão Nery Costa

Advogado no escritório Gustavo Tepedino Advogados. Doutor pela Universidade de Roma "La Sapienza" (reconhecido pela Universidade de São Paulo). Mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne. Mestre e graduado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Law & Economics pelas Universidades de Yale, Paris II Panthéon-Assas e Essec, e em arbitragem internacional pela Universidade de Montpellier.

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