Licitação, subcontratação e nepotismo terceirizado
Repita-se, a subcontratação é discricionariedade administrativa e não direito do licitante. Já a formação de consórcios é, em regra, prerrogativa dos licitantes.
quinta-feira, 2 de janeiro de 2025
Atualizado às 12:24
Alguns licitantes tem impugnado editais a partir da falsa premissa de que a subcontratação seria direito do licitante. Seguindo neste sofisma licitatório, prosseguem apontando supostas omissões quanto ao detalhamento da subcontratação.
A transcrição do art. 122 da lei 14.133/21 é de clareza solar nesse aspecto. Assim:
"Art. 122. Na execução do contrato e sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, o contratado poderá subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso, pela Administração.
§ 1º O contratado apresentará à Administração documentação que comprove a capacidade técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada aos autos do processo correspondente.
§ 2º Regulamento ou edital de licitação poderão vedar, restringir ou estabelecer condições para a subcontratação.
§ 3º Será vedada a subcontratação de pessoa física ou jurídica, se aquela ou os dirigentes desta mantiverem vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou se deles forem cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação."
A discricionariedade é patente: "...vedar, restringir ou estabelecer condições para a subcontratação."
Além disso deve haver interpretação sistemática com o parágrafo seguinte do mesmo artigo (art. 122§3º) que veda o "nepotismo terceirizado".
Para autorizar a subcontratação a administração pública dever ter, necessariamente, controle desse abominável ilícito OU optar pela excepcionalidade da subcontratação, como costumam fazer inúmeros entes públicos em seus editais. Também merece destaque o fato de que a expressão "...até o limite autorizado..." significa, obviamente, que não havendo autorização no edital, a subcontratação NÃO está autorizada.
Consórcio esvazia subcontratação
A subcontratação perdeu sentido prático já que, ao contrário da sepultada lei 8.666/93, a regra é a possibilidade da formação de consórcios, retirando a necessidade de subcontratação, ainda que haja complexidade do objeto. Logo, não há necessidade de subcontratação para a preservação da competitividade.
A melhor forma de enfrentamento, pelo licitante, das dificuldades de execução do objeto é a formação de consórcio e não a subcontratação, máxime diante da facilitação do nepotismo terceirizado, filhote legítimo da corrupção endêmica.
Nesse diapasão, prevê a lei 14.133/21:
"Art. 15. Salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio, observadas as seguintes normas:" (grifos nossos).
Portanto, havendo omissão no edital quanto à possibilidade de formação de consórcios estes estão permitidos, máxime quando sua vedação exige a justificativa. O consórcio poderia ser vedado, se por exemplo, isso favorecesse a formação de cartéis e a formação de "monopólios artificiais".
A consequência da vedação à formação de consórcios seria o detalhamento quanto à subcontratação e, ainda, medidas de controle para o combate ao "nepotismo terceirizado". Ocorre "terceirização" sob a ótica do licitante vencedor e "quarteirização" sob a ótica do Poder Público.
Nepotismo terceirizado
A lei 14.133/21 veda o nepotismo em várias oportunidades, seja no art. 7º, III (prevenção ao nepotismo), art. 14, IV (nepotismo licitatório), art. 48, parágrafo único (nepotismo privatizado1) e art. 122, § 3º (nepotismo terceirizado).
Não há dúvida de que o nepotismo de maior dificuldade de prevenção é o nepotismo terceirizado. A contratação de um parente por uma empresa terceirizada acaba sendo "camuflado" com maior êxito do que nas demais modalidades. A endemia da corrupção, portanto, acaba se alastrando com maior facilidade como as tiriricas que infestam lavouras.
Por conta da facilidade de proliferação de tal endemia sociológica é que a subcontratação em regra deve ser vedada.
Ainda que a administração pública exija a declaração de inexistência de parentesco também nas subcontratadas, o fato é que fica ainda mais difícil a fiscalização da efetiva inexistência de "corrupção nepotista" por via da terceirização (ou quarteirização sob a ótica do Poder Público).
Insuficiência de gestão
A insuficiência de gestão do licitante deve ser suprida pela via da formação de consórcio e não pela alegação de suposto direito à subcontratação.
Repita-se, a subcontratação é discricionariedade administrativa e não direito do licitante. Já a formação de consórcios é, em regra, prerrogativa dos licitantes.
Havendo omissão no edital sobre detalhamento da subcontratação, significa que ela é excepcional e, como regra, vedada. Da mesma forma, a omissão sobre consórcios significa, implicitamente, sua possibilidade. As duas figuras são "silêncios eloquentes" no âmbito dos editais licitatórios.
O "silêncio eloquente" no edital é suprido pelas previsões da lei de licitações no sentido de que o consórcio é a regra e a subcontratação é discricionaridade administrativa e não direito do licitante.
Conclusão
A subcontratação, na atual lei de licitações, é discricionariedade administrativa e não direito do licitante. A previsão de consórcios como regra é a forma pela qual o licitante pode enfrentar eventual complexidade do objeto. A vedação à subcontratação, como regra, é, por enquanto, a melhor forma de evitar-se o "nepotismo terceirizado" e a endemia da corrupção.
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1 A expressão foi utilizada no texto: https://www.migalhas.com.br/depeso/421233/nepotismo-licitatorio-privatizado