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Alterações no BPC: um alerta para a necessidade de equilíbrio entre eficiência administrativa e proteção social

As alterações propostas ampliam os critérios de controle e fiscalização, como a obrigatoriedade de atualização cadastral a cada 24 meses e a introdução da biometria, mas ignoram o impacto humano e social dessas exigências.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Atualizado em 3 de janeiro de 2025 12:05

As recentes alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC) aprovadas, recentemente, pela Câmara dos Deputados, no PL 4614/24, trazem uma reconfiguração significativa no acesso e manutenção desse benefício assistencial. Embora justificadas sob a ótica do ajuste fiscal, as mudanças levantam sérias preocupações quanto à garantia de direitos fundamentais, especialmente para os grupos mais vulneráveis, como pessoas com deficiência e idosos em situação de pobreza extrema. O projeto segue para sanção presidencial.

O BPC é regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), lei 8.742/1993, que em seu artigo 20 garante o benefício de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência e idosos com 65 anos ou mais, desde que comprovem renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo. As alterações propostas ampliam os critérios de controle e fiscalização, como a obrigatoriedade de atualização cadastral a cada 24 meses e a introdução da biometria, mas ignoram o impacto humano e social dessas exigências.

A exigência de biometria para novos benefícios bem como a atualização cadastral periódica, por um lado, são medidas eficientes contra fraudes. Contudo, na prática, criam obstáculos adicionais para pessoas em regiões remotas, com dificuldades de locomoção ou em situação de vulnerabilidade extrema. Apesar de prazos prorrogáveis para casos específicos, como idosos e pessoas em áreas sem postos de atendimento, a implementação prática dessas regras corre o risco de excluir beneficiários legítimos.

Além disso, a inclusão mais rígida de rendimentos na composição da renda familiar também tem potencial de restringir o acesso ao BPC. Famílias que dependem de programas como o Bolsa Família podem ser impactadas pelas novas regras, que alteram o prazo de atualização cadastral e permitem maior controle sobre quem permanece ou não no programa. Essa intersecção de políticas públicas exige uma análise cuidadosa para evitar que mudanças administrativas prejudiquem o combate à pobreza.

O projeto reforça, ainda, a necessidade de avaliação biopsicossocial para a concessão do BPC, conforme previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/2015). Embora seja um avanço teórico, na prática, essa regulamentação ainda é incipiente. Sem critérios claros e instrumentos adequados, corre-se o risco de decisões subjetivas e arbitrárias. Beneficiários como autistas e pessoas com síndrome de Down já enfrentam desafios significativos no acesso ao benefício, e mudanças que endureçam critérios podem agravar essa situação.

Impacto no salário mínimo e benefícios vinculados

A limitação do aumento real do salário mínimo entre 0,6% e 2,5% também gera repercussões nos benefícios previdenciários e assistenciais atrelados a esse valor. Beneficiários do BPC, cuja sobrevivência está diretamente ligada ao salário mínimo, verão seu poder de compra corroído por aumentos insuficientes frente à inflação e às necessidades básicas.

Embora o governo argumente que as mudanças são necessárias para equilibrar o orçamento público, cabe questionar se o custo desse equilíbrio deve recair sobre os mais vulneráveis. O combate a fraudes é uma pauta legítima, mas precisa ser conduzida sem prejudicar quem depende do benefício para viver com dignidade. O argumento fiscal não pode justificar o abandono de princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (Artigo 1º, III, da Constituição Federal) e a assistência social como direito do cidadão (artigo 203 da Constituição Federal).

Assim, as alterações propostas pelo PL 4614/24 são um alerta para a necessidade de equilíbrio entre eficiência administrativa e proteção social. Mais do que nunca, é imprescindível que o poder público adote uma abordagem que contemple tanto a sustentabilidade econômica quanto a garantia dos direitos fundamentais. Sem isso, o projeto corre o risco de aumentar as desigualdades e comprometer a função social do BPC e de outros benefícios.

Que essa discussão continue sendo pautada não apenas pela responsabilidade fiscal, mas pelo compromisso ético de assegurar a dignidade de quem mais precisa. Afinal, políticas públicas que sacrificam os direitos dos mais vulneráveis estão longe de refletir o ideal de justiça social.

Anna Maytha Almeida

Anna Maytha Almeida

Advogada na Jacó Coelho Advogados. Graduada Direito pela UNIFASAN, pós-graduanda em Direito Previdenciário pela UNICAMPS.

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