As expressões de publicidade como marca: Breve reflexão sobre a nova interpretação do inciso VII do art. 124 da LPI pelo INPI
O INPI revisou a interpretação do art. 124 da LPI, permitindo registro de expressões publicitárias como marca, desde que demonstrada distintividade.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Atualizado em 26 de dezembro de 2024 11:25
Recentemente, com a publicação da última atualização do manual de marcas, no dia 27/11/24, o INPI passou a adotar uma nova interpretação quanto ao inciso VII do art. 124 da LPI - Lei da Propriedade Industrial (9.279/96), que fixa não serem registráveis como marca sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda.
Com isso, o INPI passa a adotar hermenêutica menos restritiva quanto a eventual pleito do registro de expressões publicitárias como marca. A partir da leitura da última atualização do manual de marcas, fica nítido que um novo marco infralegal tende a conformar a antiga posição restritiva pátria para com visões mais ampliativas do exterior.
Quanto ao tema, merece destaque o recente julgamento do REsp 2.105.557/RJ1 pela 3ª turma do STJ, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi. Na ocasião, a Corte Cidadã reconheceu que, embora a expressão publicitária "Harmonia na Pele" possua caráter publicitário, sua associação a elementos figurativos e nominativos na composição da marca "Theraskin Harmonia na Pele" confere o grau de distintividade exigido para o seu registro. Todavia, o voto condutor enfatizou que a expressão isolada "Harmonia na Pele" permanece insuscetível de apropriação exclusiva, em que determinou o apostilamento a fim de limitar os direitos decorrentes do registro (registros de marcas ns. 906887097 e 906887844).
O mencionado precedente dialoga, em certa medida, com as recentes alterações realizadas pelo INPI no item 5.9.4 do manual de marcas, em que é possível notar um deslocamento na interpretação do inciso VII do art. 124 da LPI no que diz respeito à incidência da proibição legal, que deixa de recair "sobre aquelas expressões usadas apenas como meio de recomendar, destacar e/ou evidenciar o produto ou serviço", para repousar "sobre sinais incapazes de serem percebidos como marca pelo público consumidor em razão de sua exclusiva atuação como meio de propaganda".
Nesse contexto, é imprescindível que o INPI, como autarquia Federal especializada, mitigue ao máximo a subjetividade em suas decisões, especialmente porque o processo de análise dos pedidos de registro de marca ocorre de maneira abstrata, sem considerar questões relevantes do fato concreto. Tal forma de análise, por sua vez, traz a necessidade de que a autarquia Federal explicite quais serão os parâmetros técnicos objetivos para o exame de expressões publicitárias, até mesmo para que seja possível compreender as razões de suas decisões e as métricas utilizadas, o que proporcionará transparência e segurança ao exame, evitando distorções ou assimetrias na posição da autarquia.
Observe-se a mudança na posição do INPI, passando de seu entendimento anterior para a nova interpretação do inciso VII do art. 124 da LPI adotada:
O que se entende da nova interpretação do INPI, é que ainda que determinado sinal tenha função de propaganda, caso possa ser percebido como marca e tenha características distintivas, será passível de registro.
Aqui reside um ponto de conflito: há uma linha tênue entre a percepção de determinado sinal ou expressão como marca e a notoriedade deste sinal ou expressão como fator que direciona o público consumidor a determinado produto ou serviço.
Inclusive, em encontro com os usuários, promovido pelo INPI em 30/10/24, foi falado sobre a necessidade de um diálogo entre o debate a respeito da distintividade adquirida2, também em curso perante o INPI, e o registro de expressões de publicidade como marca. Não faltam exemplos de expressões de propaganda [i.e., "todo mundo usa" - Alpargatas S.A/Havaianas] que por si só não possuem qualquer carga distintiva, mas o seu uso - muita das vezes resultado de forte investimento em marketing e propaganda - faz com que o consumidor passe a compreender dado sinal/expressão como marca, ou seja, como capaz de identificar os produtos ou serviços por ele assinalados, bem como diferenciá-lo dos produtos ou serviços concorrentes.
A nova posição do INPI merece cautelosa reflexão, haja vista que, em certa medida, poderá ser contrária à previsão do inciso VII do art. 124 da LPI e à compreensão da doutrina. Caroline Somesom Tauk e Celso Araújo Santos, em comentários à lei da propriedade industrial, destacam que o fato da expressão de propaganda se tornar conhecida não a torna registrável.3 Inclusive, os autores trazem relevantes exemplos de expressões de propaganda notoriamente conhecidas, com carga distintiva, mas não passíveis de registro, são eles: "a verdadeira maionese" (HELMAMNN'S, da Unilever), "se é Bayer, é bom" (Bayer) e "amo muito tudo isso" (McDonald's).
De uma forma ou de outra, o exame substantivo de expressões de propaganda precisará passar por duas etapas: a primeira, relativa à verificação se dado sinal ou expressão é ou não empregado como marca, ou se o seu uso se dá como mero artifício de propaganda; em um segundo momento, será necessário analisar se dado "slogan" é i. capaz de distinguir o produto ou serviço assinalado dentre os outros concorrentes e, ao mesmo tempo analisar, ii. se tem capacidade de fixar-se na percepção do público de forma a apontar o produto/serviço em questão.4
Muitos são os questionamentos, seja com relação à aplicação do princípio da especialidade5 [poderão titulares distintos, em nichos mercadológicos diferentes, obter registro de expressões de publicidade - que exercem função distintiva - idênticas ou similares?], ao tempo de exame dos pedidos de registro de marcas [tudo indica que haverá um aumento no número de depósitos e, como o exame dos pedidos de registro de expressões de propaganda será mais minucioso, isso poderá impactar diretamente no prazo geral de exames], ao tempo recorde com que algumas expressões de publicadade futuramente registradas terão o seu alto renome6 reconhecido [dado o tempo de mercado, seu conhecimento disseminado e sua consagração perante o público consumidor etc], assim como os exemplos trazidos pelo INPI no novo item 5.9.4 do manual de marcas - aparentemente insatisfatórios.
A mudança de postura do INPI ocorrerá, pelo que anunciou Schmuell Lopes Cantanhede, no encontro realizado no dia 30/10/24, acompanhada de amplo diálogo com os usuários e avaliação interna dos resultados da nova implementação. Em 2025, será feita uma pesquisa de satisfação com os usuários, no ano seguinte (2026) uma avaliação intermediária dos resultados e desdobramentos e, no ano de 2028, uma avaliação final dos efeitos da melhoria.
A publicação da atualização do manual de marcas do INPI, já com a nova interpretação do inciso VII do art. 124 da LPI - Lei da Propriedade Industrial (9.279/96), ocorreu no dia 27/11/24 e, com ela, as incertezas que as mudanças sempre carregam.
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1 STJ, 3ª Turma, Min. Fátima Nancy Andrighi, REsp 2.105.557/RJ, J. 14.08.2024.
2 "[...] distintividade adquirida como a capacidade de um signo a priori não distintivo de distinguir um produto ou serviço por meio do uso no mercado e circunstâncias de fato que assim comprovem." BEYRUTH, Viviane Barbosa. Quando a marca se torna forte: secondary meaning. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 49
3 TAUK, Caroline Somesom; SANTOS, Celso Araújo. Lei de Propriedade Industrial Interpretada: Comentários e Jurisprudências. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024. p. 448
4 BARBOSA, Denis Borges. A Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. 2 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2017. p. 72
5 "O princípio da especialidade restringe a proteção da marca ao ramo de atividade de seu titular, pois a necessidade de evitar confusões e associações descabidas não exige uma extensão maior." SCHIMIDT, Lélio Denicoli. Marcas: aquisição, exercício e extinção de direitos. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 233
6 "[...] as marcas de ALTO RENOME tem atrativos próprios, são conhecidas por grande parte do público, são consagradas, tem boa fama e distinguibilidade, posto que o leigo ou letrado, imediatamente, liga aquele "sinal distintivo" ao produto ou so serviço que assinala." SOARES, José Carlos Tinoco. Marcas notoriamente conhecidas - marcas de alto renome vs "diluição". Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 219
Daniel Gonçalves Delatorre
Mestre em Direito Civil pela UERJ, Especialista em Direito da Propriedade Intelectual e Bacharel em Direito com ênfase em Contencioso pela PUC-Rio. Advogado Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados