RN 593/23 e seus impactos na saúde suplementar
A RN 593/23, ao regulamentar a inadimplência em planos de saúde, enfrenta desafios práticos e legais, como a incompatibilidade com a lei 9.656/98 e ambiguidades textuais.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Atualizado em 26 de dezembro de 2024 11:24
A Resolução Normativa 593/23, que entrou em vigor em 1º/12/24, representa um marco importante no setor de saúde suplementar ao regulamentar as notificações de inadimplência nos contratos de planos de saúde. Contudo, como toda normatização, sua implementação vem acompanhada de desafios práticos e debates sobre sua compatibilidade com a legislação vigente.
Inicialmente, um dos principais pontos está na aparente incompatibilidade entre a RN 593 e a lei 9.656/98. Enquanto a lei permite a rescisão contratual após 60 dias de inadimplência, consecutivos ou não, dentro de um período de 12 meses, desde que o beneficiário seja notificado, a RN 593 estabelece a necessidade de, no mínimo, duas mensalidades em atraso para que a rescisão ocorra. Essa discrepância gera insegurança jurídica e pode levar à permanência de inadimplências isoladas sem consequências imediatas, impactando o fluxo financeiro das operadoras.
Outro desafio é a ambiguidade presente no texto da própria RN 593. O art. 4º, por exemplo, trata exclusivamente da rescisão contratual, enquanto o art. 5º impõe requisitos de notificação para todas as hipóteses, incluindo a suspensão do contrato. Essa falta de clareza pode dificultar a interpretação e a aplicação da norma, tanto para operadoras quanto para consumidores. Além disso, o art. 6º não especifica os prazos necessários após a notificação para que a suspensão seja efetivada, ampliando o cenário de incertezas.
Os impactos financeiros e operacionais também merecem destaque. A obrigatoriedade de duas mensalidades em atraso antes da rescisão pode permitir que inadimplências isoladas permaneçam sem solução, aumentando os custos administrativos. Além disso, a exigência de adaptações contratuais para incluir as novas regras impõe um ônus adicional em um mercado já desafiador.
O escopo da norma também merece atenção. Embora o preâmbulo da RN 593 se concentre na inadimplência, as disposições finais abordam também fraudes como motivo de rescisão contratual, sem, entretanto, desenvolver o tema no corpo principal do texto. Isso fragmenta a regulação e compromete a transparência.
Além disso, a comunicação oficial da ANS não ajudou a mitigar as dúvidas. A FAQ publicada pela agência em 3/12/24 contradiz o art. 9º da RN sobre quais contratos devem seguir as novas regras, o que intensifica a insegurança jurídica.
Embora a RN 593/23 represente um esforço relevante para organizar os processos de inadimplência no setor de saúde suplementar, suas ambiguidades e conflitos normativos indicam a necessidade de ajustes. Para que a norma alcance seus objetivos, é essencial que a ANS promova esclarecimentos e revisões que harmonizem suas diretrizes com a legislação vigente e tragam maior previsibilidade para todos os envolvidos.
Diante desses desafios, uma solução prática é o investimento estratégico por parte das operadoras. Capacitar equipes de atendimento, gestão e área jurídica é fundamental para garantir o entendimento das novas exigências, possibilitar a adequação dos contratos e executar as notificações de forma eficiente. Essa preparação não apenas minimizará erros operacionais, mas também assegurará que os direitos dos beneficiários e das operadoras sejam respeitados, promovendo um equilíbrio mais saudável nas relações contratuais.
Patrícia Brito
Advogada do Bhering Cabral Advogados.