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Comentários ao acórdão proferido no RE 107.248 sobre terço de férias

O STF, no Tema 985, decidiu pela incidência da contribuição previdenciária sobre o terço de férias, contrariando decisões anteriores e reafirmando a tese de natureza salarial.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Atualizado em 23 de dezembro de 2024 11:33

O STF ao julgar o RE 1.072.485-PR, sob a sistemática de repercussão geral (Tema 985), reverteu a sua tranquila jurisprudência acerca da não incidência da contribuição previdenciária sobre o pagamento do terço de férias contrariando igualmente, a decisão proferida em 2014 pelo STJ, sob a sistemática de recursos repetitivos, (Resp. 1.230.957), decidindo, por maioria de votos, pela incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, conforme a ementa do julgado abaixo:

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o Tema 985 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário interposto pela União, assentando a incidência da contribuição previdenciária sobre valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, nos termos do voto do relator, vencido o ministro Edson Fachin. Foi fixada a seguinte tese: "É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias."

Falaram: Pela recorrente União, a dra. Flávia Palmeira de Moura Coelho, procuradora tributária - ABAT, o dr. Halley Henares Neto e o dr. Nelson Mannrich. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o ministro Celso de Mello. Plenário, sessão virtual de 21.8.2020 a 28.8.2020. (RE 1072485-RG/PR; DJe de 2/10/20).

Interpostos os embargos declaratórios eles foram parcialmente providos para atribuir efeitos ex nunc ao acórdão de mérito, a contar da data de publicação da sua ata de julgamento (1/9/20), ressalvadas as contribuições já pagas e não impugnadas judicialmente até essa mesma data, que não serão devolvidas pela União (j. em 16/6/24 e publicado no DJe de 16/10/24).

Exame do acórdão de mérito

O acórdão sob exame não apenas contraria o Resp. 1.230.957 decidido sob a sistemática de recursos repetitivos, como também, várias decisões proferidas pelo STF, como veremos adiante.

No âmbito do STJ merecem ser citadas duas súmulas:

Súmula 125 - O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do imposto de renda.

Súmula 386 -São isentas do imposto de renda as indenizações de férias proporcionais e o respectivo adicional.

A proclamação da natureza indenizatória, por óbvio, afasta a natureza salarial das férias e do terço de férias, fato que livra, ipso facto, da incidência da contribuição previdenciária sobre tais verbas. 

No âmbito do STF o assunto vem sendo discutido de longa data, sendo que a sua jurisprudência é bastante instável.

Começa pelo posicionamento da Corte Suprema de não conhecer das discussões da espécie por se tratar de controvérsias de natureza infraconstitucional. 

Realmente, a Corte tem decidido iterativamente que a questão de saber quanto à natureza jurídica de tal verba, para fins de tributação pela contribuição previdenciária ou pelo imposto de renda, insere-se no plano infraconstitucional: RE 611.505-RG, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 28-10-2014; ARE 745.901-RG, Rel. Min. Teori  Zavascki, DJe de 18/9/14.

Contudo, o STF, após ter proclamado a soberania do STJ para julgar essa questão em várias oportunidades, examinou o mérito da controvérsia para firmar a tese pela intributabilidade do terço de férias, porque ele não incorpora à remuneração do empregado (Ag. Reg. no RE nº 587.941/ SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 21-11-2008; Ag. Reg. no AI nº 603.537/ DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 30-3-2007; Ag. Reg. no AI nº 712.880/ MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 11-9-2009; Ag. Reg. no AI nº 710.361/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 8/5/09.

Acontece que decorridos doze anos, esses mesmos insignes ministros, sem que houvesse qualquer modificação legislativa em nível constitucional ou infraconstitucional, passaram a defender a tese oposta.

Efetivamente, na sessão plenária virtual terminada no dia 28/8/20 o STF, por maioria de votos, resolvendo o Tema 985 da repercussão geral, firmou a tese pela constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o montante pago a título de terço constitucional de férias gozadas, previsto no inciso VII do art. 7º da CF. 

Para a maioria dos integrantes da Corte Suprema dois são os fatores que fundamentam a decisão pela tributação do terço de férias gozadas: natureza remuneratória e a habitualidade da verba paga.

O ministro Edson Fachin discordou desse posicionamento majoritário, porque embora o terço de férias seja pago com habitualidade ele não tem natureza remuneratória, a exemplo do auxílio-alimentação, porque esse ganho habitual do empregado não constitui parcela que se incorpora à remuneração do empregado, e também, por ele não integrar reflexos na aposentaria sendo, portanto, evidente, que esse terço de férias é alheio a qualquer natureza salarial.

Por derradeiro, insta lembrar que o Tema número 985 da repercussão geral tem abrangência maior do que o que ficou decidido nesse julgamento finalizado em 28/8/20 que se limitou ao terço de férias gozadas.

Com efeito é o seguinte o teor desse tema:

"985 - Natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal." 

Como se verifica, o Tema 985 da repercussão geral versa sobre férias indenizadas ou gozadas.

Por essa razão, o ministro Edson Fachin encaminhou à deliberação do Tribunal Pleno a seguinte tese jurídica pertinente ao Tema 985 da sistemática da repercussão geral:

"É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias considerando o seu caráter reparatório".

Esse último posicionamento do STF acerca do terço de férias gozado, firmando a constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária, tem reflexo imediato na área do imposto de renda.

Esperemos que o STF não venha modificar o seu entendimento solidificado há muito tempo acerca da não incidência do imposto de renda sobre as verbas de natureza indenizatória (RREE 548.828/RS, 487.121/RS, 559.964/RS 591.140/RS).

Infelizmente a divergência entre a jurisprudência do STJ e do STF, e principalmente as frequentes alterações da jurisprudência da Corte Suprema, sem que houvesse modificação legislativa, conspira contra o princípio da segurança jurídica que repousa na previsibilidade que decorre das leis em vigor, suprimindo a justa expectativa dos contribuintes.

A decisão sob comento contradiz o que restou decidido no RE 593.068 (Tema 163).

Entretanto, o acórdão sob análise refuta a contradição apontada por diversos intervenientes no processo na condição de amicus curiae sustentando que o Tema 163 refere-se ao regime próprio dos servidores e que em relação ao RGPS aplica-se o art. 28 da lei 8.212/91: 

"Art. 28. Entende-se por salário de contribuição:

[...]

§9º. Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o Art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

O STF, ante o texto retrotranscrito, entendeu que é devida a contribuição social sobre o terço de férias pagas por ter natureza habitual e caráter remuneratório. Data máxima vênia, servidor público e empregado do setor privado sofrem o mesmo desgaste de energias pelo exercício da atividade laboral.

Outrossim, o STF, em reiteradas oportunidades, firmou a natureza indenizatória do terço de férias para isentar a incidência do Imposto de Renda.

Se ele tem natureza indenizatória parece lógico que não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária, porque fica descaracterizada a natureza remuneratória desse terço de férias.

Uma coisa não pode ter natureza indenizatória para um determinado fim, e ter natureza salarial para outro fim.

A contradição da decisão analisada é visível. E mais, não pode o acessório (terço de férias) sujeitar-se à incidência da contribuição previdenciária, e o principal, férias, ficar de fora dessa tributação.

Sempre que a decisão da Corte Superior (STF ou STJ) é tomada sob o enfoque econômico-financeiro do sujeito ativo do tributo há possibilidade de se cometer equívocos da espécie, que não se sustentam à luz do direito positivo e da própria jurisprudência até então reinante.

Não se sabe, exatamente, o que levou o STF a impactar a sua jurisprudência até então tranquila pela natureza indenizatória do terço de férias, para repentinamente decidir pela natureza salarial desse terço de férias.

Menos compreensível, ainda, que o terço de férias para o setor público tenha natureza indenizatória para recompor a energia despendida pelo servidor público, e para o setor privado esse mesmo terço de férias não tenha natureza indenizatória, no pressuposto de que o empregado, ao contrário do servidor público, não sofre desgaste no exercício da atividade laboral. Só o servidor público despenderia energia no exercício de sua atividade laboral, enquanto que o empregado do setor privado não sofreria esse dispêndio de energia no exercício de sua atividade laboral.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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