Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?
O Senado aprovou o substitutivo ao PL 2.338/23, que regula a inteligência artificial no Brasil, incluindo regras sobre direitos autorais e responsabilidades.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Atualizado às 11:01
No dia 10 de dezembro, foi aprovado pelo plenário do Senado o substitutivo ao PL 2338/23, que estabelece o marco regulatório da inteligência artificial no Brasil. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados, onde as discussões se iniciarão em 2025.
A redação aprovada possui uma seção específica sobre a relação entre IA - inteligência artificial e direitos autorais. A seguir, sumarizamos os principais pontos trazidos pelo texto.
Autorização vs. Proibição: O texto propõe que, como regra geral, não seja necessária a autorização prévia dos titulares de direitos autorais e conexos para utilização de obras e conteúdos protegidos nos processos de desenvolvimento de sistemas de IA (conceito que inclui as etapas de mineração, treinamento, retreinamento, testagem, validação e aplicação); no entanto, os titulares poderiam proibir essa livre utilização, caso desejem.
- Adota-se, portanto, uma lógica distinta da estabelecida pela lei de direitos autorais, que exige a autorização prévia do autor para quaisquer modalidades de utilização das obras (art. 29).
- O titular que optar por exercer esse direito de proibição geral, ainda assim pode celebrar individualmente acordos de licenciamento em relação a suas obras com agentes de IA, caso deseje.
- A forma de exercício do direito de proibição será disciplinada pela regulamentação.
Transparência: O desenvolvedor de IA que utilizar conteúdo protegido por direitos de autor e conexos deve publicar um sumário dos conteúdos utilizados, em sítio eletrônico de fácil acesso, observados os segredos comercial e industrial, nos termos de regulamento específico.
Responsabilidade dos agentes de IA: O agente de IA pode responder por perdas e danos morais e materiais, nos termos da legislação aplicável, decorrentes da utilização de obras e conteúdos protegidos em processos de treinamento realizados antes da proibição do uso pelo titular. No entanto, a redação proposta deixa dúvidas relevantes sobre como tal disposição seria aplicada na prática.
Exceções à proteção de direitos autorais: O texto inclui duas hipóteses nas quais o titular não poderia proibir a utilização de sua obra por sistemas de IA.
- Utilização por organizações e instituições científicas e de pesquisa, museus, arquivos públicos, bibliotecas e instituições educacionais, para fins de pesquisa e desenvolvimento de sistemas de IA, desde que: (i) o acesso tenha se dado de forma lícita, (ii) não tenha fins comerciais, (iii) a utilização seja feita na medida necessária para o objetivo a ser alcançado, sem prejudicar os interesses econômicos dos titulares e sem concorrer com a exploração normal das obras e conteúdos protegidos, (iv) a instituição não seja vinculada, coligada ou controlada por entidade com fins lucrativos que forneçam sistemas de IA.
- Mineração de dados, por entidades públicas ou privadas, para combate a ilícitos civis e criminais contra direitos de autor e conexos.
Proteção de obras e conteúdos utilizados nos sistemas de IA: Cópias das obras e conteúdos protegidos utilizados nos sistemas de IA devem ser armazenadas em condições de segurança, apenas pelo tempo necessário para a realização da atividade ou especificamente para verificação dos resultados. É vedada a exibição ou a disseminação das obras e conteúdos protegidos utilizados no desenvolvimento de sistemas de IA.
Remuneração dos titulares pelo uso de obras e conteúdos protegidos: Cabe ao agente de IA que utilizar obras e conteúdos protegidos remunerar os respectivos titulares de direitos autorais e conexos pela utilização.
- A remuneração pode ser negociada diretamente ou coletivamente.
- O cálculo da remuneração deve considerar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e elementos relevantes, como o porte do agente de IA e os efeitos concorrenciais dos resultados em relação aos conteúdos originais utilizados. Contudo, o artigo não deixa claro se tais parâmetros são aplicáveis apenas a negociações coletivas, ou também às individuais.
- Garantida a livre negociação na utilização dos conteúdos protegidos.
- Remuneração garantida a titulares domiciliados no exterior desde que haja reciprocidade e equivalência na proteção.
- Os titulares que optarem pela negociação direta podem realizá-la.
Próximos passos na tramitação
Após ter sido revisado pelo Núcleo de Redação Legislativa do Senado, que publicou a redação final em 19 de dezembro, o projeto passa a aguardar o envio para a Câmara dos Deputados, onde será distribuído às comissões por meio de despacho do presidente da Câmara.
Convém ressaltar que o recesso legislativo inicia-se em 23 de dezembro e os trabalhos legislativos serão retomados apenas em 2 de fevereiro. Ademais, no início do ano legislativo serão realizadas as eleições para presidente de ambas as casas legislativas, de modo que, a princípio, o projeto somente será distribuído após eleito o novo presidente da Câmara dos Deputados.
Cabe ao presidente da Câmara determinar quais comissões analisarão o projeto, se será apensado ou não a outras proposições, se será formada ou não comissão especial temporária para analisar o projeto... São diversas variáveis, e a tramitação também pode sofrer alterações durante o processo legislativo. Portanto, no momento, não é possível antever de que maneira e em que ritmo o projeto será discutido na Câmara dos Deputados.
Finalmente, se, futuramente, o projeto for aprovado pela Câmara com alterações de mérito em relação ao texto aprovado pelo Senado, ele retornará ao Senado, cujo plenário será responsável por aprovar ou rejeitar as mudanças. Por fim, a última etapa da tramitação seria a sanção ou veto do presidente da república.
Priscila Akemi Beltrame
Advogada Sócia - CQS/FV Advogados Mestre em direitos humanos e doutora em direito penal pela Faculdade de Direito da USP.
Luísa Roman
Advogada Associada - CQS/FV Advogados