Medidas para recuperação de crédito: Estratégias jurídicas e prevenção da inadimplência
O texto aborda estratégias judiciais e extrajudiciais de recuperação de crédito, destacando desafios, práticas preventivas e impacto jurídico no Brasil.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Atualizado em 20 de dezembro de 2024 13:21
A inadimplência no Brasil é uma questão que afeta milhões de pessoas e empresas e sua origem pode ser atribuída a uma combinação de fatores econômicos, sociais e individuais, como o aumento do custo de vida, o desemprego e a má gestão financeira. Hoje, mais de 70 milhões de brasileiros estão endividados, evidenciando a necessidade de se adotar medidas eficazes para prevenir e lidar com esse problema.
Nesse contexto, a recuperação de crédito surge como um conjunto de estratégias adotadas para perseguir o pagamento de dívidas. Trata-se de um processo utilizado quando uma das partes de um acordo não cumpre com suas obrigações previamente estabelecidas. A recuperação de crédito pode ser dividida em dois tipos principais:
1. Recuperação extrajudicial
A recuperação extrajudicial envolve a tentativa de recuperar os valores devidos sem recorrer ao Judiciário. Esse processo pode incluir negociações diretas, acordos amigáveis, envio de notificações extrajudiciais ou até protesto de títulos em cartórios. Esse método é frequentemente preferido por ser menos oneroso e mais ágil em comparação com o processo judicial, além de preservar a relação comercial entre as partes envolvidas.
Exemplos de instrumentos utilizados na recuperação extrajudicial incluem:
- Notificações extrajudiciais: O devedor é notificado formalmente sobre a dívida e constituído em mora;
- Renegociação de dívida: As partes podem rever prazos, valores ou condições de pagamento para facilitar a quitação do débito;
- Protesto em cartório: O credor pode registrar o protesto de um título em cartório, o que pode gerar restrições de crédito ao devedor, incentivando o pagamento.
A recuperação extrajudicial tem a vantagem de ser menos custosa e menos burocrática, além de preservar a privacidade das partes envolvidas. No entanto, sua eficácia depende da disposição do devedor em negociar e o credor deve ponderar seu uso, dado que as tratativas extrajudiciais não suspendem o prazo de prescrição1.
2. Recuperação judicial
Quando as tentativas de recuperação extrajudicial não produzem os resultados desejados, o credor pode optar pela recuperação judicial. Esse processo envolve a intervenção do sistema judiciário e é mais formal e complexo, sendo necessário o cumprimento de prazos e requisitos estabelecidos pela legislação.
O papel do advogado é fundamental nesse processo, representando o credor no Tribunal de Justiça, garantindo que todas as formalidades legais sejam cumpridas e desenvolvendo estratégias jurídicas eficazes para maximizar as chances de sucesso. A seguir, destacamos as principais ações judiciais de recuperação de crédito:
Ação de execução
A ação de execução é utilizada quando o credor possui um título executivo - ou seja, um documento que comprova de forma inequívoca a existência da dívida e permite a sua cobrança imediata. Os títulos executivos, dentre outros2, incluem:
- Escrituras públicas;
- Duplicatas;
- Contratos assinados por duas testemunhas;
- Certidão de dívida ativa;
- Contratos de honorários advocatícios.
Neste tipo de ação, o credor ingressa no tribunal apresentando o título executivo, requerendo a execução forçada da dívida. O devedor é citado para que, no prazo de três dias, pague o valor devido ou cumpra a obrigação estabelecida. Caso contrário, o juiz poderá determinar a penhora de bens do devedor, visando à satisfação do crédito.
O devedor pode apresentar defesa, alegando, por exemplo, que a dívida já foi paga ou que o título é inexigível.
Ação monitória
A ação monitória é uma ferramenta jurídica que visa à cobrança de dívidas quando o credor não possui um título executivo, mas detém uma prova escrita que demonstra a existência da obrigação. Essa ação é especialmente útil em situações nas quais há uma dívida não documentada de maneira formal ou um documento que, por si só, não constitui um título executivo.
Para ingressar com a ação monitória, o credor deve apresentar ao tribunal documentos que provem a existência da dívida, além da memória de cálculo do valor devido. Se o juiz considerar que os documentos são suficientes, ele emite um mandado de pagamento, ordenando que o devedor pague a dívida ou apresente sua defesa no prazo estipulado.
Caso o devedor não conteste ou pague a dívida, o mandado de pagamento se converte em um título executivo judicial, permitindo ao credor iniciar uma ação de execução.
Ação de cobrança
A ação de cobrança é um processo judicial pelo rito comum, utilizado quando não há um título executivo ou quando os documentos disponíveis não permitem o uso de outras modalidades processuais mais rápidas, como a ação monitória. Esse tipo de ação permite uma maior produção de provas e defesas, mas, por outro lado, tende a ser mais demorado e custoso.
Apesar de sua morosidade, a ação de cobrança é muitas vezes a única opção disponível em casos em que, por exemplo, o prazo para execução de um cheque ou nota promissória já prescreveu, tornando impossível a execução do título. O art. 785 do CPC3 permite que, mesmo após a prescrição da ação de execução de um título executivo, seja ajuizada uma ação de cobrança.
Durante o processo, o credor deve comprovar a existência da dívida por meio de documentos e testemunhas. O devedor, por sua vez, pode contestar o débito, produzindo suas próprias provas. Após a fase de instrução, o juiz emite uma sentença determinando o pagamento da dívida, caso o credor tenha êxito.
3. Riscos da cobrança indevida
A cobrança indevida na recuperação de crédito pode gerar uma série de riscos e consequências jurídicas, financeiras e reputacionais para o credor.
Primeiramente, cabe destacar os danos morais e materiais. Quando um credor realiza uma cobrança indevida, ele pode ser responsabilizado por esses tipos de danos. O devedor, caso sinta-se injustiçado ou constrangido por ser cobrado de uma dívida inexistente ou já paga, pode ajuizar uma ação de indenização por danos morais.
Outro ponto relevante são as multas e penalidades legais. No Brasil, o CDC protege os consumidores contra práticas abusivas, incluindo a cobrança indevida. De acordo com o art. 42 do CDC4, caso seja realizada uma cobrança de dívida inexistente ou maior do que o valor realmente devido, o consumidor tem direito à repetição de indébito, isto é, à devolução em dobro do valor pago indevidamente, acrescido de juros e correção monetária. Além disso, se a cobrança indevida for realizada de forma abusiva ou constrangedora, o credor pode sofrer sanções administrativas e multas impostas por órgãos de defesa do consumidor.
Logo, tal cuidado é essencial.
Considerações finais
Além das medidas judiciais e extrajudiciais descritas, é fundamental que as empresas e credores adotem práticas preventivas para evitar a inadimplência, como a elaboração cuidadosa de contratos com cláusulas claras e específicas sobre as obrigações monetárias, além da aplicação de ferramentas de controle que auxiliem na gestão de crédito e cobrança. Investir em estratégias preventivas, como consultas periódicas a serviços de proteção ao crédito e monitoramento financeiro dos clientes, pode reduzir significativamente o risco de inadimplência.
1 Período determinado pela lei dentro do qual um credor tem o direito de exigir judicialmente o cumprimento de uma obrigação, como o pagamento de uma dívida. Após o término desse prazo, o direito de acionar judicialmente o devedor é extinto, impedindo o credor de buscar uma solução por meio da Justiça, mesmo que o crédito ainda exista. Ou seja, o credor perde o direito de exigir judicialmente a satisfação de seu crédito.
2 Art. 784 do CPC.
3 Art. 785. A existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial.
4 Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Marina Arista Silva
Advogada graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2020), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo (2022). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio de Jesus, autora de diversos artigos e líder do Departamento Contencioso no TM Associados.
Gabriela Crispim Dinis
Bacharelanda em Direito pela Faculdade de Direito Padre Anchieta. Trainee dos Departamentos Contencioso e Trabalhista no TM Associados.