21 anos do Estatuto do Desarmamento
aplicação do Estatuto do Desarmamento, refletindo a relevância jurídica dessa legislação e o impacto que ela teve na segurança pública e no Direito Penal no Brasil.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Atualizado às 14:38
No dia 23/12/24, o Brasil celebrará o vigésimo primeiro aniversário da promulgação do Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/03), um marco legal que visou restringir o porte e a posse de armas de fogo no país. Este estatuto tem sido um dos pilares do sistema jurídico penal brasileiro, com o objetivo de combater a violência armada e reduzir o número de crimes violentos, principalmente aqueles envolvendo o uso de armas de fogo.
A trajetória do Estatuto do Desarmamento, desde sua promulgação até os dias atuais, é marcada por intensos debates, alterações legislativas e o impacto das suas disposições nos tribunais, especialmente nos julgados do STJ, que tem se debruçado sobre temas recorrentes relativos à interpretação e aplicação da norma.
A trajetória do Estatuto do Desarmamento
O Estatuto do Desarmamento foi sancionado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um momento crítico da história do Brasil, marcado por elevados índices de violência urbana e rural. A lei estabeleceu regras rigorosas para o porte e a posse de armas de fogo, restringindo a comercialização e o registro de armas no país. Além disso, instituiu penas mais severas para quem infringisse essas normas, buscando reduzir a circulação de armamentos nas mãos de civis.
Em seus primeiros anos, o estatuto se destacou pela medida mais emblemática: o referendo de outubro de 2005 que mais de 95 milhões de eleitores brasileiros compareceram às urnas para manifestar sobre a possibilidade de proibição do comércio de armas de fogo no Brasil. Apesar de a maioria dos eleitores ter se manifestado contrariamente à proibição total, o referendo ajudou a consolidar o tema da redução da violência armada como uma pauta pública e jurídica.
Com o tempo, o Estatuto do Desarmamento passou por algumas mudanças significativas. A mais relevante delas ocorreu em 2019, com a promulgação da lei 13.964/19, a chamada "lei anticrime", que alterou diversos dispositivos do CP e da lei 10.826/03, principalmente no que tange ao porte de armas. A nova redação concedeu um caráter mais flexível ao porte de armas, especialmente para determinadas categorias de pessoas, como CACs - caçadores, atiradores e colecionadores, bem como facilitou o processo de aquisição e posse de armas para outras categorias da população.
Em paralelo, a flexibilização das normas sobre o porte de armas tem sido um tema controverso no cenário político e jurídico, com debates intensos sobre a segurança pública e os direitos individuais. O entendimento de que a ampliação do acesso a armas poderia representar um aumento na violência armada é um ponto de confronto entre setores da sociedade, e a questão continua a ser debatida na atualidade.
Decisão recente sobre posse e porte de arma de fogo
Nos últimos anos, o STJ tem se deparado com questões recorrentes envolvendo a interpretação e aplicação do Estatuto do Desarmamento. O Tribunal tem desempenhado um papel fundamental na formação de jurisprudência consolidada sobre o tema, especialmente no que tange ao porte e à posse de armas.
Entre os temas repetitivos mais relevantes discutidos pelo STJ, destaca-se a interpretação da norma relativa a posse de arma ilegal de traficante pode ser crime autônomo se não houver prova de relação entre os delitos.
Tema repetitivo 1.259 do STJ, discutidos pela à pela terceira sessão sobre a relatoria do ministro Reinaldo Soares da Fonseca, fixou os seguintes termos: "A majorante do art. 40, inciso IV, da lei 11.343/06 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma de fogo e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas".
Portanto o STJ fixou entendimento sobre os casos em que o crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo pode ocasionar uma fração de aumento da pena por tráfico de drogas, ou quando os dois crimes devem ser punidos separadamente, somando-se as penas.
Para o tribunal se a arma é usada como uma ferramenta para a prática do tráfico, o primeiro crime é absorvido pelo segundo, e o tempo de condenação é aumentada de um sexto a dois terços. Do contrário, as penas são somadas, o que resulta em condenação maior para o réu, pois os crimes serão punidos de maneira autônoma, ou seja, a pena poderá ficar maior.
O impacto da lei no Direito Penal brasileiro
A aplicação do Estatuto do Desarmamento no Direito Penal brasileiro gerou transformações importantes no entendimento da criminalidade armada no país. O Direito Penal teve que se adaptar a uma legislação mais rigorosa, com o aumento das penas para crimes envolvendo armas de fogo. As normas sobre o porte e posse de armas se inseriram em uma estratégia mais ampla de controle social, buscando combater a violência em diversas frentes.
Nos tribunais, o impacto da lei se fez sentir principalmente em questões de delação premiada e circunstâncias atenuantes. Em vários casos, o STJ e outros tribunais inferiores reconheceram que a posse ilegal de armas não apenas caracteriza um ilícito penal autônomo, mas pode agravar penas em outros tipos de crimes. Em decisões recentes, a Corte tem reafirmado a importância de se considerar a gravidade do uso de armamentos ilegais, elevando as penas quando esta conduta estiver associada a crimes violentos.
Além disso, a questão do tráfico de armas tem ganhado destaque na aplicação do Estatuto. O crime de tráfico de armas, como previsto na lei 10.826/03, possui penas severas, e a jurisprudência tem se consolidado no sentido de que o envolvimento no tráfico ilícito de armas deve ser combatido com rigor, principalmente em contextos de organizações criminosas.
Considerações finais
O Estatuto do Desarmamento representa um marco importante na luta contra a violência armada no Brasil, tendo provocado uma reflexão sobre a utilização de armas de fogo na sociedade. A legislação, que completará 21 anos em 2024, passou por modificações e continua a ser uma questão central no debate jurídico e social.
Os julgados do STJ têm desempenhado um papel crucial na aplicação prática da lei, especialmente em temas repetitivos, como a legítima defesa, a prescrição dos crimes e o porte ilegal de armas. Embora haja uma tendência de flexibilização das normas em alguns contextos, a discussão sobre o impacto do acesso indiscriminado a armas segue sendo central.
A aplicação do Estatuto do Desarmamento tem desafiado operadores do Direito a encontrar o equilíbrio entre a segurança pública e os direitos individuais. A contínua evolução jurisprudencial e legislativa deve ser monitorada para garantir uma aplicação mais justa e eficaz da lei, que atenda às necessidades de segurança e justiça na sociedade brasileira.
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Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento)
Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime)
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (REsp 1994424 ; REsp 2000953 e Tema 1.259 do STJ)
Este artigo apresenta uma visão geral da aplicação do Estatuto do Desarmamento, refletindo a relevância jurídica dessa legislação e o impacto que ela teve na segurança pública e no direito penal no Brasil.