O futuro dos contratos: A tecnologia blockchain e o potencial dos smart contracts no Brasil
As vantagens, os desafios legais e o impacto da regulação dos contratos inteligentes e da tecnologia blockchain no Brasil.
sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
Atualizado em 19 de dezembro de 2024 11:32
Os contratos são acordos formais entre duas ou mais partes, nos quais se estabelecem obrigações e direitos mútuos, com o objetivo de garantir a realização de determinada atividade ou transação, detalhando os termos e condições que regem o relacionamento entre as partes envolvidas, como prazos, pagamentos, penalidades e outros aspectos relevantes. No entanto, para que um acordo seja celebrado, é essencial que exista um mínimo de confiança entre as partes. Nesse contexto, surgem os smart contracts, também conhecidos como contratos inteligentes.
Os smart contracts representam uma evolução na condução e registro digital de transações, baseando-se em código computacional autoexecutável. Esses contratos são programas de computador que automatizam a execução dos termos previamente definidos, eliminando a necessidade de intervenção humana. Uma vez publicados, não podem ter suas regras alteradas, o que reduz a necessidade de confiança entre as partes e garante a segurança do vínculo contratual. Nick Szabo foi um dos pioneiros nesse conceito, descrevendo-os como conjuntos de promessas digitais com protocolos que asseguram o cumprimento das partes envolvidas.
Para garantir a proteção das partes, os contratos inteligentes foram integrados à tecnologia blockchain, que proporciona um registro descentralizado e imutável de todas as transações, funcionando como um banco de dados público. O uso do blockchain promove transparência e segurança, inserindo informações que adquirem presunção de veracidade e se tornam permanentes, impossibilitando alterações arbitrárias, a menos que os mecanismos para ajuste estejam previamente previstos. Nesse contexto, esses contratos têm o potencial de revolucionar as práticas contratuais tradicionais, oferecendo eficiência, transparência e redução de custos nas transações comerciais. No entanto, até o momento, não há uma regulação específica para esse tipo de contrato, aplicando-se as diretrizes gerais e tradicionais do Direito. Assim, surge a seguinte indagação: A regulação dos contratos inteligentes é imprescindível para garantir a segurança jurídica nas práticas contratuais?
Os contratos inteligentes na tecnologia blockchain têm um potencial promissor de expansão e adoção, mas enfrentam desafios consideráveis no contexto legal, sendo a ausência de regulamentação específica o principal obstáculo. Isso levanta questões sobre segurança jurídica, proteção ao consumidor e resolução de disputas. A descentralização da blockchain gera questões sobre jurisdição e aplicação das leis em litígios, enquanto a imutabilidade pode dificultar a correção de erros ou a adaptação às circunstâncias concretas. A necessidade de regulação é defendida por aqueles que buscam mitigar riscos e garantir a conformidade com normas éticas e legais. Por outro lado, há quem defenda a autorregulação dos contratos inteligentes. Szabo, por exemplo, argumenta que a estrutura baseada em código e a execução automática desses contratos podem dispensar a intervenção regulatória externa, aumentando a eficiência e reduzindo os custos operacionais.
Diante desse cenário, diversos países iniciaram discussões sobre a tecnologia blockchain e estão buscando maneiras de aplicá-la de forma eficiente e segura. No Brasil, o TCU, por meio do relatório de levantamento e acórdão 1613/20, plenário, sob a relatoria do ministro Aroldo Cedraz, realizou uma análise detalhada sobre a utilização da tecnologia blockchain, com o objetivo de identificar oportunidades e riscos associados à sua adoção, além de descrever os fatores críticos de sucesso e os possíveis impactos para o controle e regulamentação.
O relatório destacou o potencial da blockchain para melhorar serviços digitais, desburocratizar processos e combater a corrupção, com aplicações em diversas áreas do setor público e privado. No entanto, foram identificados riscos como segurança cibernética, escalabilidade, regulamentação e aceitação pelos usuários. Entre os fatores críticos de sucesso estão a governança clara, a interoperabilidade entre sistemas e a capacitação dos envolvidos na implementação e uso da tecnologia. O estudo concluiu que, apesar do potencial significativo da blockchain para transformar o setor público, é essencial abordar os riscos e desafios para garantir o sucesso de sua adoção.
Em suma, o debate sobre a regulação dos contratos inteligentes equilibra a promoção da inovação com a proteção dos interesses das partes envolvidas. Encontrar um meio-termo que incentive a inovação, assegure a segurança jurídica e proteja o consumidor é essencial para liberar o potencial desses contratos na economia digital global. A regulamentação adequada é necessária para fornecer diretrizes claras sobre a aplicação das leis em transações complexas e transfronteiriças, garantindo a integridade dos contratos e mitigando os riscos legais.
A utilização de contratos inteligentes baseados em tecnologia blockchain representa uma evolução significativa na forma como as transações são conduzidas e registradas. As vantagens são claras: Além da transparência que melhora a auditoria e rastreabilidade das operações, há segurança reforçada pela imutabilidade do registro distribuído e a automatização que reduz custos e aumenta a eficiência. No entanto, esses avanços trazem desafios, como a complexidade legal e regulatória, vulnerabilidades de segurança e limitações de escalabilidade.
Para enfrentar esses desafios no Brasil, iniciativas como a lei 14.129/21 representam passos importantes na direção de uma regulamentação que favoreça a adoção segura e eficiente dos contratos inteligentes e da tecnologia blockchain. Essa lei visa estabelecer um ambiente normativo que promova a inovação, enquanto protege consumidores e garante conformidade legal, buscando integrar a tecnologia no cotidiano de maneira segura e eficaz. Com uma abordagem equilibrada e proativa, o país está posicionado para colher os benefícios dessa tecnologia emergente, impulsionando a economia digital e fortalecendo sua infraestrutura legal para o futuro.
Giulia Bastos
Advogada no Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados.
Isabela Oliveira
Advogada no Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados.