Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência
A inadimplência no Brasil exige equilíbrio entre credor e devedor, com foco em correção monetária, juros e adaptações a mudanças legislativas.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Atualizado em 18 de dezembro de 2024 14:36
A inadimplência é um tema recorrente no direito civil brasileiro, exigindo soluções que equilibrem os interesses do credor e do devedor, além de assegurar a segurança jurídica e a previsibilidade das relações contratuais. Nesse contexto, as regras relativas à correção monetária e aos juros desempenham um papel central, pois são instrumentos que visam a recomposição do valor devido e a desestimulação do inadimplemento.
Este art. aborda as disposições atuais do Código Civil (lei 10.406/02) e do CPC (lei 13.105/15) sobre o tema, destacando as atualizações e interpretações recentes.
Inicialmente, cabe conceituar a diferença entre os institutos, uma vez que a correção monetária não constitui penalidade, mas sim um mecanismo de preservação do poder aquisitivo da moeda. O Código Civil, em seu art. 389, determina que, havendo inadimplemento de obrigação, o devedor responde por perdas e danos, acrescidos de juros, atualização monetária e honorários advocatícios. A atualização monetária segue os índices oficiais determinados pelo poder público, como o IPCA-E ou, em determinadas situações, o INPC.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, renomado doutrinador na área, "a atualização monetária não representa um ganho ao credor, mas sim uma manutenção do valor real da obrigação, resguardando o princípio do enriquecimento sem causa". Essa visão reforça a importância da utilização de índices que reflitam com precisão a variação do poder aquisitivo.
O Código de Processo Civil complementa essa previsão ao estabelecer, em seu art. 292, que o valor da causa deve ser corrigido monetariamente até o pagamento. Essa previsão busca evitar o enriquecimento sem causa do devedor e preservar o equilíbrio das relações obrigacionais.
Os juros moratórios, por sua vez, estão previstos nos art.s 395 e 406 do Código Civil e configuram penalidade pelo atraso no cumprimento de uma obrigação. O art. 406 estabelece que, quando não pactuados, os juros serão fixados à taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, atualmente equivalente à taxa Selic.
Nas palavras de Flávio Tartuce, "a previsão de juros moratórios visa não apenas a compensar o credor pelo tempo de inadimplemento, mas também a desestimular a mora por parte do devedor". Tal entendimento reflete a função punitiva e compensatória dos juros moratórios no sistema jurídico brasileiro.
Nesta temática dos juros moratórios, uma questão relevante é a impossibilidade de cumulação entre os juros moratórios e a Selic, sendo este p posicionamento reiterado do STJ. Isso decorre devido ao fato de que a Selic já incorpora tanto os juros quanto a correção monetária, evitando-se, assim, o bis in idem.
Mudanças legislativas recentes
A lei 14.905, sancionada em 28 de junho de 2024, trouxe mudanças significativas no regime de correção monetária e na aplicação da taxa de juros no direito brasileiro. As principais alterações incluíram:
1) No tocante à temática da correção monetária:
Índice de Correção e aplicação automática: O art. 389 do Código Civil foi alterado para incluir a atualização monetária como uma obrigação automática em casos de inadimplemento. A lei estabeleceu ainda que, na ausência de convenção entre as partes ou de legislação específica, a atualização monetária deve seguir o IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, apurado e divulgado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou o índice que vier a substituí-lo
2) No tocante aos juros moratórios:
Taxa selic: A lei reafirmou que, quando os juros moratórios não forem convencionados ou não houver taxa estipulada, a taxa aplicável será a mesma utilizada para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, atualmente a taxa Selic
Proibição de acumulação: Foi reiterada a impossibilidade de acumulação da taxa Selic com outros índices de atualização monetária, evitando o bis in idem
A lei 14.905, se incumbiu ainda de alterar a redação específica de alguns art.s, passando a trazer adições ou esclarecimentos acerca dos conceitos neles existentes. Neste sentido, temos:
- art. 389: Incluiu a atualização monetária como parte das perdas e danos devidos pelo devedor em caso de inadimplemento
- art. 395: Especificou que o devedor em mora deve arcar com os prejuízos causados, acrescidos de juros, atualização monetária e honorários advocatícios
- art. 406: Estabeleceu que os juros moratórios, quando não convencionados, seguirão a taxa Selic, e não podem ser cumulados com outros índices de correção
Impacto das decisões judiciais:
- Inconstitucionalidade da TR: A decisão do STF nas ADIns 4.357 e 4.425 declarou a inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária em diversas situações, resultando na adoção de índices mais aderentes à inflação real, como o IPCA
Cabe destacar ainda que o dinamismo das interpretações judiciais impacta diretamente a aplicação das regras de correção monetária e juros. A exemplo disso, a decisão do STF nas ADIns 4.357 e 4.425 declarou a inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária em diversas situações, resultando na adoção de índices mais aderentes à inflação real.
Outra discussão relevante, oriunda de interpretação judicial, é a possibilidade de pactuação de taxas de juros superiores ao limite legal em contratos privados. Embora o art. 591 do Código Civil permita tal convenção, desde que não ultrapasse o limite estabelecido pelo Banco Central, o STJ tem analisado casos de abusividade com base no princípio da função social do contrato e na boa-fé objetiva, destacando que, nesses casos, é fundamental avaliar a hipossuficiência de uma das partes e a eventual onerosidade excessiva gerada pela pactuação.
Vimos, portanto que, a regulação da correção monetária e dos juros no âmbito do direito civil busca equilibrar os direitos e deveres das partes, desestimulando o inadimplemento e assegurando a justa reparação do credor. No entanto, a constante evolução do entendimento judicial e as eventuais alterações legislativas exigem atenção e adaptação por parte dos operadores do direito, sendo essencial acompanhar as atualizações normativas e as decisões dos tribunais superiores, para garantir uma aplicação justa e coerente das regras existentes.
Ingrid Queiroz
Sócia do PDK Advogados.