Um breve estudo sobre a execução de alimentos no processo civil brasileiro
Análise detalhada da execução de alimentos no Brasil, abordando legislação, jurisprudência e aspectos práticos do direito à proteção alimentar.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Atualizado às 09:35
Resumo:
Toda pessoa menor de idade precisa de alimentos, seja ela criança ou adolescente. Quando um acordo de pagamento de alimentos é desrespeitado, ou uma decisão judicial que os fixa não é cumprida, será necessária a execução forçada dos alimentos. Portanto, os alimentos devidos entre companheiros não serão tratados nesse artigo.
I - Introdução
Quando do relacionamento de um casal existir uma criança ou adolescente, existem direitos e obrigações para ambos os genitores. Com o divórcio, é fixado o valor a título de alimentos, que variará de acordo com as peculiaridades do caso concreto. A verba deverá ser paga mensalmente em uma data determinada. Não honrada a obrigação ou honrada parcialmente, surge a necessidade do ajuizamento da execução de alimentos baseada nas peculiaridades de cada caso.
II - A previsão da execução de alimentos no Direito Processual Civil brasileiro e as leis extravagantes
No CPC, a previsão está nos arts. 911 ao 913. A lei 5.478/68 é a lei da ação de alimentos. Já a lei 8.971/94 regula o direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão. E a lei 11.804/08 trata dos alimentos gravídicos. A execução de alimentos é uma execução especial e deve ter um tratamento especial em nome do princípio da proteção integral da criança e do adolescente. Este princípio encontra amparo no Caput do art. 227 da CF/88. O STJ se pronunciou no informativo de jurisprudência 447, no sentido de caber ao credor a escolha da forma de execução dos alimentos conforme RHC 12.622-RS, DJ 12/8/02, e RHC 22.001-SP, DJ 1/10/07. RHC 27.936-RJ, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 16/9/10. Em razão do princípio da disponibilidade da execução previsto no art. 775 do Digesto Processual Civil, o credor pode desistir de toda execução ou apenas a alguma medida executiva, assim, caso entenda por bem ou oportuno. Importante lembrar que desistência não se confunde com renúncia, instituto de direito material, conforme já decidiu o STJ no REsp 715.692/SC, rel. min. Castro Meira, j. 16/6/05, DJ 15/8/05, p. 205.
III - Da condição de procedibilidade e do abandono material
Como regra geral, quando se ingressa com uma ação judicial é necessário o recolhimento das custas e da taxa judiciária. Em uma ação judicial que versa sobre alimentos, ajuizada pelo menor, não é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de hipossuficiência dos recursos de seu representante legal1. Quando a execução for baseada em título extrajudicial que contenha obrigação de pagar alimentos, o magistrado determinará a citação do executado para que num prazo de três dias, realize o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução, assim como das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, como prevê o art. 911 do Pergaminho Processual Civil. O prazo para paramento em três dias é um prazo de direito material e não processual, logo, contam-se em dias corridos e não em dias úteis. Os alimentos no CC tem previsão nos arts. 1694 ao 1710. A justificativa sobre a impossibilidade de realizar o pagamento não exime o devedor da referida dívida, entretanto, impede a prisão como meio coercitivo. A prisão do devedor de verbas alimentares é uma forma de pressioná-lo a adimplir as prestações, não tendo natureza sancionatória. A CF/88 onstituição da estabelece no inciso LXXVII do art. 5° que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável do pagamento de alimentos. Na execução de alimentos prevista no art. 911 do Digesto Processual Civil será aplicada subsidiariamente as regras de cumprimento da sentença previstas nos §§ 2º ao 7º do art. 518 do Pergaminho Processual Civil. O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo conforme verbete 309 da súmula do STJ. Sobre a justificativa da impossibilidade do pagamento dos alimentos, decidiu o STJ que a impossibilidade do devedor deve ser apenas temporária; uma vez reconhecida, irá subtrair o risco momentâneo da prisão civil, não havendo falar, contudo, em exoneração da obrigação alimentícia ou redução do encargo, que só poderão ser analisados em ação própria. 5. (REsp 1.185.040/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta turma, julgado em 13/10/15, DJe de 9/11/15.)2 O STJ tem admitido a prova testemunhal para comprovar a impossibilidade de pagamento da pensão alimentícia como por exemplo no REsp 1.601.338/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relatora para acórdão ministra Nancy Andrighi, Terceira turma, julgado em 13/12/16, DJe de 24/2/17). Importante mencionar que não se aplica a teoria do adimplemento substancial à execução de alimentos3. Quando a parte executada for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância da prestação alimentícia, como prevê o art. 912 do Pergaminho Processual Civil. Ao despachar a petição inicial, preenchidos os requisitos legais, o magistrado enviará um ofício à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência previsto no art. 330 do CP, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolização do ofício. O ofício conterá elementos mínimos para que possa ser cumprido com exatidão e não gerar dúvidas, a saber, os nomes completos, assim como números de inscrição no CPF junto à RFB, tanto do exequente quanto do executado, o valor a ser descontado mensalmente, o número da agência, da conta corrente e a indicação do banco/instituição financeira, na qual o depósito deva ser realizado, e se for o caso, o tempo de sua duração. Cumpre ser destacado que os alimentos incidem sobre as férias e o 13º salário, conforme REsp 1.106.654/RJ, relator ministro Paulo Furtado (desembargador convocado do TJ/BA), Segunda seção, julgado em 25/11/09, DJe de 16/12/09). O devedor de alimentos poderá ter seu nome inscrito em cadastros de restrição ao crédito cuja previsão está nos §§3º e 4º do art. 792 do CPC, como já decidiu o STJ no REsp 1.469.102/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 8/3/16, DJe de 15/3/16)4. Não requerida a execução nos termos capítulo VI do título II do Pergaminho Processual Civil, deverá ser observado o disposto no art. 824 e seguintes, ressalvada a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação, conforme exegese do art. 913 do mesmo códex. O prazo para prisão pelo débito alimentar é de um até três meses como preconiza o §3º do art. 528 do mesmo códex. A lei de alimentos, lei 5.478/68 em seu art. 19 estabelece 60 dias como prazo máximo de prisão. Surge então uma divergência doutrinária sobre qual prazo aplicar. O STJ adotou o entendimento expresso no Digesto Processual Civil, como ficou demonstrado em STJ, 4ª turma, RHC, 23.040/MG, rel. min. Massami Uyeda, j. 11/3/08, Dje 30/6/08). O pagamento parcial do débito não é suficiente para revogação da prisão5. A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns ex vi §4º do art. 528 do Digesto Processual Civil. É exatamente esta a interpretação do STJ6. O devedor de alimentos poderá inclusive responder pelo crime de abandono de incapaz com previsão no art. 133 do Estatuto Repressor.
IV - Da penhora e algumas modalidades pouco conhecidas
Quando o devedor não honra seus compromissos em dia, acaba forçando o credor a requerer diligências junto ao Poder Judiciário como por exemplo consulta ao SISBAJUD, para verificar se há saldo/recursos financeiros em conta correte ou aplicações financeiras. Consulta junto ao RENAJUD para verificar a existência de veículos automotores registrados em seu nome. Pesquisa junto ao INFOJUD para constatar se há ou não patrimônio em nome do devedor de alimentos, ora executado declarados no Imposto de Renda. Cabe penhora de Pis/Pasep e saldo do FGTS para adimplir o débito alimentar (STJ, AGRG no REsp 1.127.084/MS, oficiando-se a Caixa Econômica Federal. É permitida a penhora do salário para pagamento de verba alimentar por força do §2º do art. 833 do Digesto Processual Civil. O STJ tem precedentes no mesmo sentido, como por exemplo no AgInt no REsp 1.732.927/DF, relator ministro Raul Araújo, Quarta turma, julgado em 12/2/19, DJe de 22/3/19). A restituição de Imposto de Renda do contribuinte devedor de alimentos também pode ser penhorada, conforme REsp 1.059.781/DF, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira turma, julgado em 1/10/09, DJe de 14/10/09.
V - Conclusão
A execução de alimentos é um tema sensível e delicado, pois, geralmente, mexe com o ânimo das famílias, existe o risco da prisão do devedor, causando aflição e angústia para aquele que não tem condições de adimplir o débito. Quando maior a urbanidade, civilidade e compreensão dos genitores sobre a situação que estão vivendo naquele momento, melhor será o desfecho da situação concreta, devendo, se possível, evitar-se que o acordo de alimentos ou a decisão judicial precise ser de fato levada à execução. O bom senso de ambos os genitores pode resultar em economia de recursos financeiros que poderão ser revertidos em favor dos filhos menores, caso não seja necessário realizar despesas com taxa judiciária e custas processuais. Por outro lado, existem inúmeros mecanismos para se cobrar o débito do devedor contumaz, que simplesmente não paga porque não quer e acha que nada lhe acontecerá, chegando-se ao extremo da prisão por débito alimentar, o genitor que foi preso, sempre será visto como um mal genitor ou como um genitor relapso. Posteriormente em uma ação de regulamentação de visitas, sempre haverá mágoas não resolvidas ou ressentimentos que podem, em tese, impactar na vida do menor, que precisa ser preservado, amado e respeitado. Prevenir um litígio sempre é a melhor solução. Honrar os acordos e compromissos nas datas marcadas com pontualidade e regularidade, trará uma sensação de dever cumprido para ambos os genitores, evitando-se traumas paras os menores.
1 STJ, informativo de jurisprudência 664, REsp 1.807.216/SP, rel. min. Nancy Andrighi, DJE 6/2/22.
2 STJ, informativo de jurisprudência 573.
3 STJ, informativo de jurisprudência 632, HC 439.973.
4 STJ, informativo de jurisprudência 579.
5 STJ, informativo de jurisprudência 504, 4ª turma, RHC 31.302-RJ, rel. min. Antônio Carlos Ferreira, j. 18/9/12, Dje 25/9/12.
6 STJ, informativo de jurisprudência 551, 3ª turma, HC 305.805-GO, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13/10/14, Dje 31/10/14.
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