Emendas parlamentares são inconstitucionais desde o nascedouro
STF libera emendas parlamentares com condições rígidas, mas debate sobre transparência e inconstitucionalidade segue no centro das discussões.
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
Atualizado em 16 de dezembro de 2024 10:53
As emendas parlamentares têm origem na proposta de EC para tornar impositivo o orçamento anual da União, por meio da PEC 565/06.
Essa proposta surgiu a partir da constatação de que todas as dotações orçamentárias eram executadas de forma parcial não se exaurindo as verbas consignadas na LOA.
A solução para essa anomalia estava na fiscalização efetiva da execução orçamentária, de um lado, e de outro lado, na melhoria na elaboração de proposta orçamentária anual que refletisse efetivamente o plano de ação governamental, deixando de ser uma mera peça decorativa para cumprir a formalidade constitucional.
A inconveniência de engessar o orçamento público em torno de programas governamentais, sempre mal elaborados, levou os parlamentares a alterar o orçamento autorizativo para o orçamento impositivo.
Mas, os espertos legisladores aproveitaram a semente do orçamento impositivo, inventando, por meio da EC 86/15, as chamadas emendas individuais (RP6) à base de 1,2% da RCL, hoje, 2%, tornando obrigatória a sua execução sem, contudo, definir o cronograma da liberação das verbas respectivas. No embalo dessa Emenda veio a emenda de bancada (RP7) que vincula a favor dos parlamentares 1% da RCL (receita corrente líquida), conforme EC 100/19. Seguiu-se, ao depois a Emenda do Relator (RP9) com base em mera Resolução do Congresso Nacional. Essa última Emenda foi declarada inconstitucional pelo STF por falta de transparência e publicidade, sequer possibilitando a identificação dos parlamentares beneficiados a critério do Relator, na verdade, figura existente apenas enquanto em tramitação a discussão e aprovação do projeto de LOA. Hoje, essa Emenda do Relator acha-se incorporada à emenda individual que de 1,2% da RCL passou para 2% em uma ação relâmpago do Congresso Nacional, logo depois da declaração de inconstitucionalidade da emenda identificada pela sigla RP9 que a população, acertadamente, apelidou de orçamento secreto. Esses são os fatos.
O Plenário do STF referendou, por unanimidade, a decisão do Ministro Flávio Dino que liberou as emendas suspensas desde agosto/2024, porém, mediante condições rígidas, isto é, as emendas só serão liberadas após a comprovação no Portal da Transparência da exibição do nome dos parlamentares solicitantes, dos benefícios finais e do plano detalhado das ações e da aplicação dos recursos.
Deliberou, também, que na emenda Pix (RP6) é condição para sua liberação a aprovação pelo Executivo de planos de trabalho.
Por fim, a partir de 2025, as despesas com as emendas não poderão crescer mais do que o teto de despesas discricionárias do Executivo, o limite do arcabouço fiscal estabelecido pela LC 200/23 ou a variação da RCL, o que for menor.
Na verdade, nenhuma das medidas preconizadas pelo STF retirará a eiva de inconstitucionalidade dessas emendas que afrontam o princípio da separação dos poderes e agride o sistema presidencialista de governo.
Os parlamentares foram eleitos para legislar e fiscalizar, por meio de controle externo, a execução orçamentária a cargo do Presidente da República, eleito para governar o país. E governar, outra coisa não é senão aplicar os recursos financeiros de conformidade com a LOA aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Chefe do Executivo, que espelha, ou deveria espelhar o plano de ação do governo no decorrer o exercício.
Outrossim, o sistema de governo presidencialista não comporta um sócio na gestão de recursos financeiros. É como ter dois administradores gerais em uma empresa, cada qual planejando e executando programas próprios. O conflito é óbvio!
Não existe na Constituição vigente nada que autorize a implantação do semi-parlamentarismo. No parlamentarismo o Chefe de Governo é o Primeiro Ministro, sendo que o Presidente é apenas o Chefe de Estado. Ou é uma coisa ou outra. Não pode ser duas coisas ao mesmo tempo, sob pena de gerar o caos nas finanças públicas. Não pode um órgão incumbido da fiscalização da execução orçamentária promover, ao mesmo tempo, a realização de despesas.
Por fim, mesmo fazendo-se a abstração dos aspectos do princípio da separação dos poderes e do sistema presidencialista de governo que não permite dualidade na gestão de recursos públicos, as emendas parlamentares padecem do grave vício do desrespeito do princípio da legalidade das despesas.
De fato, só de pode gastar aquilo que está previsto e fixado na LOA. Para gastar mais é preciso autorização legislativa para abertura de crédito adicional suplementar. E se a despesa a ser feita não estiver prevista na LOA é preciso autorização legislativa para abertura de crédito adicional especial.
E mais, a execução da despesa pública precisa obedecer aos procedimentos previstos na lei 4.320/64 presididos pelo princípio da publicidade. O primeiro passo é o empenho da verba exteriorizado em uma nota de empenho onde consta o valor original, o valor das despesas e o saldo que ficou. O segundo ato é a liquidação da despesa, isto é, tornar líquida e certa a obrigação de pagar que revela a natureza das despesas a ser feita. O terceiro ato é o despacho da autoridade administrativa competente ordenando o pagamento. E por fim, o pagamento da despesa pelo Tesouro. É oportuno esclarecer que o princípio da unidade de tesouraria que está expresso no art. 56, da lei 4.320/64 determina que toda a receita seja recolhida no tesouro, dele saindo tão somente como decorrência de pagamento de despesa autorizada.
Nenhum desses requisitos é observado no pagamento da verbas oriundas de emendas parlamentares.
Os rígidos requisitos exigidos pelo STF, para a liberação das verbas oriundas de emendas parlamentares que, a nosso ver, são inconstitucionais tendem a ser flexibilizados pela Corte Maior como decorrência de "negociações" exercidas pelo Congresso Nacional.
Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.