A Receita Federal avança com o procedimento de consensualidade fiscal
A Receita Federal avança com o "Receita de Consenso", um marco na consensualidade fiscal que visa resolver disputas com transparência e colaboração.
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
Atualizado em 16 de dezembro de 2024 13:34
Em um cenário de grande complexidade fiscal no Brasil, a pauta tributária se apresenta como uma das mais determinantes para os rumos da economia brasileira nos próximos anos. Com foco na conformidade fiscal, novas medidas estão em andamento para desenvolver o futuro do sistema arrecadatório no país e promover uma maior justiça tributária. É de longa data esse pleito.
Sabemos que além de uma tributação justa, o contribuinte anseia por algo a mais: a implementação de normas que consolidem os direitos e as garantias do contribuinte, fundadas em um modelo de confiança e colaboração, gerando cooperação recíproca entre as partes.
Nesse contexto, entre outras frentes já implementadas ou em fase de implementação, pela portaria RFB 467, de 2024, a RFB - Receita Federal do Brasil lançou o procedimento de consensualidade fiscal, denominado "Receita de Consenso", um marco no relacionamento entre o fisco e os contribuintes, estabelecendo um modelo de prevenção e resolução de disputas, que otimiza recursos públicos e fortalece a colaboração institucional.1
O "Receita de Consenso" busca resolver de forma consensual divergências entre os sujeitos da relação jurídica, nas hipóteses em que: (i) havendo procedimento fiscal, exista divergência quanto ao entendimento preliminar exposto pela autoridade fiscalizatória sobre a qualificação de um fato tributário ou aduaneiro; ou (ii) na ausência de procedimento fiscal, na definição da consequência tributária ou aduaneira de determinado negócio jurídico.
Na sequência, a RFB publicou a portaria Sutri 72, de 2024, para estabelecer normas necessárias à implementação do "Receita de Consenso", viabilizando as medidas fundamentais para que seja instaurado o procedimento de consensualidade fiscal.
Para ingressar ao programa "Receita de Consenso", estão aptos os contribuintes que possuírem classificação máxima em programas de estímulos à conformidade, como o programa "Confia", em relação ao período do mês anterior ao do requerimento, nos termos do art. 5° da portaria Sutri 72, de 20242.
Convém aqui abrir um rápido parêntese, no contexto dessa medida, cabe rememorar que o programa "Confia", criado em 2020 pela Receita Federal, se configura como um dos programas base de classificação dos contribuintes por promover a conformidade fiscal das empresas com a criação de um ambiente colaborativo, transparente e de confiança. É um processo de mudança de mentalidade e de comportamento de ambas as partes.
Pois bem. O exame da admissibilidade de ingresso no "Receita de Consenso", será realizado por um auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil integrante do Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat), o qual formalizará a decisão final mediante despacho decisório que considere a matéria controvertida; o grau de incerteza sobre os fatos tributários ou aduaneiros; a existência de conduta com repercussão em lançamentos semelhantes para períodos de apuração posteriores; e a existência de jurisprudência administrativa ou judicial sobre situações idênticas ou similares aos fatos do caso concreto.
A portaria Sutri 72, de 2024, detalha as competências do Cecat, órgão vinculado à Sutri - Subsecretaria de Tributação e Contencioso, que será responsável pela execução das seguintes atividades vinculadas ao programa "Receita de Consenso": (i) a recepção de demandas; (ii) o exame de admissibilidade das demandas recebidas e (iii) a análise e a deliberação, de forma consensual e dialógica, das matérias admitidas no procedimento consensual.
Na prática, as tarefas serão realizadas pelo Sejup - Serviço de Controle de Julgamento de Processo de Penalidades Aduaneiras e por auditores fiscais da RFB, capazes, especificamente, de atuarem nas técnicas de consensualidade em ambiente de diálogo, podendo exercer a sua atividade em regime de dedicação exclusiva ou parcial.
Durante o exame de admissibilidade do requerimento, os auditores fiscais considerarão: (i) a matéria controvertida, verificando a possibilidade de mais de uma interpretação razoável da norma legal ou infralegal tributária incidente sobre o objeto; (ii) o grau de confiabilidade dos fatos tributários ou aduaneiros, com base em divergências quanto à qualificação dos atos, fatos ocorridos ou sobre a aplicação de norma à matéria; (iii) a existência de conduta com repercussão em lançamentos semelhantes para períodos de apuração posteriores, avaliada com base no risco de posteriores litígios e (iv) a existência de jurisprudência administrativa, por no mínimo, três delegacias da Receita Federal do Brasil de julgamento (DRJ), pelo Carf - Conselho Administrativo de recursos fiscais ou judicial, com no mínimo três decisões de pelo menos dois TRF - Tribunais Regionais Federais, uma decisão do STJ ou, ainda, pelo STF, sobre situações similares ao caso concreto.
Além disso, fatores como a avaliação da economicidade da inclusão do litígio no programa podem ser considerados para o exame de admissibilidade da demanda, bem como os auditores fiscais poderão requerer elementos de suporte para fundamentar a sua decisão.
Uma vez admitido, o procedimento consensual será conduzido por audiências gravadas, podendo o auditor fiscal solicitar reuniões adicionais, caso necessário. Após o período de debates, será formalizado um termo de consensualidade, assinado pelas partes, determinando os deveres e as obrigações de cada uma dessas. Com o termo assinado, a Sutri deverá editar um ato declaratório executivo que, uma vez publicado, inicia o prazo de 30 dias para que as partes possam cumprir as suas obrigações.
Fato é que o "Receita de Consenso" não surge como uma solução imediata para o volume atual de litígios no Brasil, mas tem o objetivo de restaurar e aprimorar a relação entre o fisco e os contribuintes, proporcionando uma maior segurança jurídica ao contribuinte e estimulando o desenvolvimento da capacidade operacional da RFB.
O programa entrou em vigor no dia 1/11/24, estando os contribuintes qualificados aptos a realizar o ingresso e seguir com o devido procedimento. Desse modo, a RFB entrelaça diferentes programas de conformidade, com o objetivo macro de criar um paradigma de relacionamento entre as partes e diminuir, gradativamente, o número de autuações.
Em conclusão, o "Receita de Consenso", com uma abordagem voltada para a conformidade voluntária, tem o potencial de aumentar a arrecadação de forma sustentável. A mudança na postura da RFB, passando de um modo punitivo para um mais orientador, é um passo crucial para estruturar uma relação de confiança com os contribuintes e incentivar o cumprimento das obrigações fiscais, beneficiando não só as partes, mas a economia como um todo.
Agora é esperar o desenvolvimento e os efeitos práticos no dia a dia!
___________
1 O "Receita de Consenso" pauta-se nos princípios da imparcialidade; voluntariedade; boa-fé mútua; prevenção e solução consensual de controvérsias; e cumprimento das soluções acordadas.
2 O "Receita de Consenso" tem por finalidade evitar, mediante técnicas de consensualidade, que conflitos acerca da qualificação de fatos tributários ou aduaneiros relacionados à RFB se tornem litigiosos.
"Art. 5º Poderão ingressar no Receita de Consenso os contribuintes com classificação máxima em programas de conformidade da RFB relativa ao mês anterior ao do requerimento.
Claudia Cristina dos Santos Abrosio
Sócia no escritório Ayres Ribeiro Advogados, mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).