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Justiça restaurativa: Alternativa para resolução de conflitos e os Direitos Humanos

A Justiça restaurativa objetiva preservar a dignidade das partes e responsabilizar o ofensor de maneira humanitária, alinhando a resolução de conflitos a princípios éticos e humanistas.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Atualizado em 17 de dezembro de 2024 13:02

1. Introdução

O presente trabalho visa abordar a Justiça Restaurativa como um novo método de pensar no âmbito de resoluções de conflitos em comparação com os métodos tradicionais, correlacionando com os Direitos Humanos, pois propende atender a dignidade das partes envolvidas, por meio da restauração da harmonia nas relações, demonstrando que esse novo sistema tem muito a contribuir tanto para a atual sociedade, quanto para as futuras.

A Justiça Restaurativa objetiva que as partes construam, de forma empática, um entendimento sobre o conflito, pois entende haver causas ocultas dos conflitos, por exemplo as questões de desigualdade social, por isso a resolução de um conflito não deve ser focada apenas no imediato, e sim na amplitude, contribuindo para uma sociedade inclusiva.

Ademais, com a Justiça Restaurativa, as vítimas podem, enfim, obter o reconhecimento do que lhes sucedeu. Tanto as vítimas como os perpetradores sentem-se revalorizados porque são ouvidos. Este processo alivia o isolamento e repara uma relação danificada com o Estado, portanto, é algo benéfico para atingir o fim desejado por todos.

2. Justiça restaurativa: Conceito

O conceito de justiça restaurativa é um conceito aberto, pois sabe-se que é direcionada à conciliação e reconciliação entre as partes, no entanto, pode ser entendido como um método de resolução de conflitos, feito por técnicas autocompositivas, não podendo ser entendido como o único conceito, visto que, encontra-se em constante evolução (Pallamolla, 2009). O termo em questão, tem uma ampla definição, dentre elas, define o Manual sobre programas de Justiça Restaurativa: "A justiça restaurativa é uma abordagem que oferece aos ofensores, vítimas e comunidade um caminho alternativo para a justiça" (2021, p. 04).

Dentre as definições, todas, ou sua grande maioria, engloba a participação voluntária daqueles que foram afetados pelo dano, além do ofendido, também a participação do ofensor; o foco é no dano causado; as pessoas que irão participar serão previamente preparadas, com auxílio dos profissionais; diálogo com a finalidade de um entendimento em comum, em que todos os envolvidos participam, reconhecendo as consequências da conduta e, de comum acordo, chegam a conclusão do que deve ser feito; o resultado do processo restaurativo pode ser a declaração de arrependimento por parte do ofensor, reconhecimento da responsabilidade pelo ofensor e compromisso de reparar o dano em relação a vítima (Zehr, 2020).

Ainda, há entendimentos de que a justiça restaurativa seria dividida em dois grupos, sendo justiça restaurativa na visão institucional e na político-criminal. Na visão institucional a concepção de justiça restaurativa é entendida como instrumento para aperfeiçoar o desempenho da justiça funcional, assim, para esta concepção, a justiça restaurativa é um acréscimo de humanidade e eficácia à Justiça Penal. Já no entendimento político-criminal, a justiça restaurativa é vista como significante ferramenta de intervenção social, objetivando uma transformação. No entanto, ambas as visões não se isolam (Vasconcelos, 2023).

O Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (Resolução nº 2002/12 do CESO da ONU) define como Justiça Restaurativa os "processos restaurativos para atingir resultados restaurativos". Entende-se, ainda, a justiça restaurativa como um processo em que a vítima e o ofensor, e, quando aplicável, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões dele decorrentes, de forma geral com a ajuda de um facilitador. Esses processos podem englobar a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles) (ONU, 2002).

Outrossim, a Resolução 225 do CNJ, afirma, em seu artigo 1º, a Justiça Restaurativa "constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado" (Conselho Nacional de Justiça, 2016)

Consoante Vasconcelos (2023, p.208):

A justiça restaurativa tem, atualmente, como paradigmas preponderantes, a) o protagonismo voluntário da vítima, do ofensor e de pessoas da comunidade diretamente afetada, com a colaboração de mediadores (facilitadores); b) a autonomia responsável e não hierarquizada dos participantes; e c) a complementaridade crítica em relação às práticas do direito retributivo oficial, contribuindo, assim, para a concretização dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Esse método gera um espaço de diálogo onde todos os envolvidos possam expressar suas experiências e sentimentos, favorecendo a compreensão mútua e a reconstrução de relações (Bebiano, 2022)

Enfim, a Justiça Restaurativa apresenta um espaço confidencial, seguro e voluntário para ponderar e discutir os sentimentos, emoções e expectativas de todas as pessoas atingidas pela ofensa e pelas suas consequências.

3. Oirgem da justiça restaurativa

A expressão "Justiça Restaurativa", origina-se, a princípio, no projeto "Beyond Restitution: creative restitution", pelo psicólogo e investigador americano Albert Eglash, no ano de 1950. O projeto visava modificar o modelo terapêutico utilizado na época, aplicando um supervisor que auxiliaria o agressor a conquistar o perdão da vítima e reconstruir os vínculos. Esta visão, em parte, diverge com os princípios que norteiam o modelo restaurativo atualmente. (Ribeiro, 2018)

Em 1974, na cidade de Kitchener (Canadá), surgiram programas comunitários com a finalidade de mediar conflitos, após decisão judicial, entre ofensores e vítimas. O interesse pela justiça restaurativa surgiu a partir deste programa de reconciliação (Braithwaite, 2002, apud Achutti, 2016, p.20). A princípio, a justiça restaurativa foi reflexo de uma crescente insatisfação com o sistema tradicional de justiça criminal. (Morris, 2002; Hoyle, 2010; Van Ness e Strong, 2010, apud Achutti, 2016, p.20).

Segundo Daly e Immarigeon (1998, apud Achutti, 2016, p.20) os movimentos pelos direitos civis e das mulheres, nos anos de 1960, foram fundamentais para a criação da justiça restaurativa.

No Brasil, o primeiro projeto no qual continha elementos da Justiça Restaurativa, ocorreu em Jundiaí, por volta do ano de 1998. Tratou-se de um projeto em escolas, que tinha por objetivo acompanhar a evolução das diferentes comunidades no estudo, em que estavam categorizadas e previamente selecionadas.

O experimento brasileiro adotou uma visão realista sobre a escola como um ambiente suscetível a desordem e violência. Tinha por foco as implicações desses problemas para o ambiente escolar, considerando alguns principais fatores como o "clima" e a "diversidade", objetivando melhorar a efetividade do ensino, o espaço físico e as condições para aprendizado. (Saresp, 1998; Scuro, 2000; Parker, 2006 apud Scuro, 2008).

Em 2000 houve a interrupção do projeto devido à nomeação do diretor para um novo cargo, assim a Justiça Restaurativa no Brasil quase se tornou um evento isolado. Todavia, seus defensores perceberam que poderia ter mais sucesso se implementada em outros contextos sociais. Foi proposto que a Justiça Restaurativa atuasse como ferramenta no papel do Estado na Justiça. Assim, buscou-se integrar procedimentos restaurativos ao sistema jurídico para promover mudanças e atender às novas demandas por justiça (Scuro, 2008).

A ideia ganhou força com a criação de padrões legais e diretrizes para sua implementação, inicialmente em Porto Alegre e, depois, com o apoio do Governo Federal e do PNUD (Scuro, 2008), através de projetos-piloto financiados para explorar novos modelos de resolução de conflitos penais.

Assim, é importante que haja financiamento das associações para que mais sistemas sejam implementados.

4. Das práticas restaurativas

Todos as práticas restaurativas que serão abordadas, têm por objetivo o resultado restaurativo, que são os acordos que advêm dos processos restaurativos. O resultado restaurativo pode incluir a prestação de serviços à comunidade, reparação de um dano ou ainda restituição de um bem. Importante ressaltar que a principal finalidade com o resultado restaurativo é atender as necessidades dos envolvidos, de forma individualizada, objetivando, entre vítima e ofensor, reintegração. Além disso, fica demarcado qual a responsabilidade de cada um (Vasconcelos, 2023).

Em que pese as práticas restaurativas, temos que:

Acontece através de um processo relativamenteinformal, com   a   intervenção   de mediadores ou facilitadores, podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, tendo como objetivo a reintegração social da vítima e do infrator. Qualquer caso é passível deaplicação desse modelode justiça, dos mais complexos aos mais simples, porém deverão sersubmetidos  à  análiseprévia  de  umaequipe multidisciplinar treinada,para que sejamavaliadas as possibilidades de êxito da utilização deste modelo em cada caso concreto (Almeida; Pinheiro, 2017)

O que se busca com a justiça restaurativa, por meio de seus meios, é a restauração que, oferece a possibilidade de um acordo, com o reconhecimento por parte do infrator, de sua responsabilidade. Isto posto, procura-se alcançar a reabilitação (Pinto, 2011 apud Ribeiro, 2018).

Ainda, é possível afirmar que, para que a Justiça Restaurativa aconteça, não há necessidade do encontro presencial entre vítima e ofensor.

4.1. Mediação Vítima - Ofensor

A mediação vítima-ofensor ocorre quando participam do encontro os diretamente envolvidos no conflito. O mediador é quem irá facilitar a abertura de uma comunicação entre as partes (Vasconcelos, 2023).

A mediação entre vítima e ofensor, tradicionalmente aplicada a delitos de menor gravidade, tem se expandido para incluir casos mais sérios e violentos, tanto na justiça juvenil quanto na adulta. Este processo envolve um encontro facilitado por um mediador, visando um acordo reparador. Recentemente, observou-se a inclusão de familiares e amigos das partes para oferecer apoio. Além disso, surgiram variações como a "shuttle diplomacy", onde o mediador se encontra separadamente com cada parte, permitindo uma mediação indireta (Pallamolla, 2009).

Inicialmente, os facilitadores ou mediadores devem esclarecer alguns pontos importantes durante a abertura da mediação. Primeiro, o mediador não atua como juiz, portanto, não está ali para julgar. O processo é informal, mas estruturado o suficiente para garantir que cada parte tenha a oportunidade de se expressar sem interrupções (Vasconcelos, 2023). Os mediandos podem fazer perguntas entre si e aos acompanhantes, que também podem contribuir, mas de forma resumida e sem desviar o foco do diálogo entre a vítima e o ofensor.

Outra inovação é a utilização de co-mediadores e a inclusão de múltiplas vítimas e ofensores em um único processo, facilitando diálogos sobre causas e consequências dos delitos. Os casos podem ser encaminhados para mediação por juízes, oficiais de probation, advogados e até pelas próprias partes, podendo ser aplicados em diferentes estágios do processo criminal, desde antes da ação penal até após a sentença (Pallamolla, 2009).

Os mediandos terão a chance de discutir maneiras de resolver a situação e reparar os danos. O acordo só será formalizado se ambas as partes estiverem satisfeitas com a solução proposta, sem qualquer tipo de coação. Todos os debates e sessões preliminares serão mantidos em total confidencialidade e não poderão ser utilizados como prova em futuros processos civis ou criminais. Se houver advogados presentes, eles desempenham um papel importante, ajudando a guiar o processo e sugerindo soluções criativas para eventuais impasses (Vasconcelos, 2023).

Por fim, diferente da justiça penal tradicional, que muitas vezes reforça estigmas sobre os infratores, a mediação foca em informações que aproximam as partes, promovendo uma abordagem holística do delito. Este método não apenas envolve os implicados no processo de justiça, mas também os ajuda a compreender a dimensão social do crime (Pallamolla, 2009). Contudo, essa complexidade torna a mediação uma prática exigente, que requer comprometimento de todos os envolvidos.

4.2. Círculos restaurativos

Diferentemente da conciliação e da mediação, os círculos restaurativos ou reuniões restaurativas permitem a participação de mais pessoas, como familiares, amigos, integrantes do Estado, defensores, juízes, promotores, palestrantes e também, profissionais que não integram a área jurídica (Pallamolla, 2009).

Os círculos decisórios, chamados sentencing circles, possuem representantes do Ministério Público e autoridades judiciais, os quais podem participar como membros da comunidade, em que compete ao magistrado prolatar uma sentença que seja de acordo com o que foi concluído de forma consensual. Quando a prática restaurativa tem natureza decisória, como os círculos decisórios ou encontros decisórios, serão precedidos de pré-círculos ou pré-mediações, com o objetivo de averiguar a voluntariedade e realizar uma preparação dos participantes (Vasconcelos, 2023).

O foco dos círculos está nas necessidades de todas as partes (vítimas, comunidade e ofensores) de maneira holística e integradora (Pallamolla, 2009). Os intentos incluem promover a cura para todos os afetados, permitir que o ofensor se arrependa, e capacitar as vítimas e componentes da comunidade a se expressarem livremente e a solucionarem seus próprios conflitos e desavenças.

4.3 Conferências de Família  

O país que primeiro implementou as conferências de família foi a Nova Zelândia, em 1989, para lidar com jovens infratores, tornando-se pioneiro na aplicação sistemática da justiça restaurativa. Desde então, essa prática se espalhou para a Austrália e vários estados dos EUA, com dois modelos principais: o modelo court-referred, no qual os casos são desviados do sistema de justiça, e o modelo police-based, em que a polícia ou a escola facilitam o encontro entre as partes. Embora predominantemente usadas para jovens, na Austrália, as conferências também abrangem adultos encaminhados pelo sistema judicial. As conferências atendem a delitos de menor gravidade, como furto, e na Nova Zelândia, até crimes graves (Pallamolla, 2009).

Ainda que similar à mediação, há diferenças significativas, tanto na estrutura do encontro, quanto na abrangência dos temas discutidos. As Conferências de Família são mais amplas, com a presença dos familiares, sendo fundamental a presença da família do ofensor, tanto a família imediata, quanto a estendida. Em casos que a família é desestruturada ou disfuncional, pessoas mais distantes, desde que significativas, podem participar. Outrossim, cuidadores que oferecem suporte à família e um advogado da juventude, que defende os direitos do ofensor, também participam. As vítimas têm a opção de trazer seus familiares e apoiadores. A polícia, atuando como representantes da justiça nesse sistema, também faz parte do encontro. Deste modo, essas reuniões são extensas e reúnem pessoas com interesses e expectativas distintas (Zehr, 2020).

Assim, o foco é que o infrator reconheça o dano causado e assuma responsabilidade, podendo resultar em um pedido de desculpas, trabalho comunitário, participação em programas de reabilitação etc. (Pallamolla, 2009). Com estas conferências, visa-se a reconstrução da vítima, a responsabilização do autor do delito e a sua reintegração social.

5. Princípios da justiça restaurativa

A justiça restaurativa possui alguns princípios que a sustenta, entretanto, não há um consenso absoluto de quais exatamente seriam eles. Assim, os princípios vistos por trás daquilo que se compreende como justiça restaurativa, segundo Zehr (2020), são: Foco no dano causado; Danos resultam em obrigações e Justiça Restaurativa promove o engajamento ou participação.

O primeiro indica que a Justiça Restaurativa tem foco no dano causado, ou seja, um crime causa prejuízos, tanto às pessoas quanto à comunidade, e, por este motivo, a necessidade das pessoas deve ser atendida. O segundo versa sobre as obrigações do responsável pelo dano, assim, o culpado deve ser estimulado a compreender e reparar a lesão que seus atos causaram. Por fim, as pessoas atingidas pelo crime devem ser incluídas na solução. Podem participar de um diálogo direto e em outras situações, "o processo envolve trocas indiretas, por intermédio de representantes, ou ainda outras formas de envolvimento". Em linhas gerais, os princípios buscam viabilizar a cura e a reparação (Zehr, 2020).

Dentre os princípios, há os princípios da voluntariedade, da imparcialidade, do consenso, da informalidade e da confidencialidade, os quais norteiam as práticas restaurativas.

Pelo princípio da voluntariedade compreendemos que a Justiça Restaurativa somente é aplicada com a expressa anuência dos interessados, podendo, a qualquer tempo do procedimento, retirá-la (Manual da Justiça Restaurativa, s/d). Ademais, trata-se de uma arbitrariedade das partes em cooperar com o processo restaurativo, em que na procura da compreensão e do diálogo, os interessados terão suas dúvidas esclarecidas, além de serem informados sobre seus direitos, vantagens e consequências (Ferreira, 2006 Apud Ribeiro, 2018).

O princípio da imparcialidade consiste no tratamento igualitário às partes, sendo que o facilitador deve impedir que haja um desequilíbrio em relação ao poder, além de evitar a vitimização e, para tanto, deve agir com prudência (Carvalho; Rodrigues; Souza, 2023).

O princípio do consenso versa sobre a construção conjunta da sintonia do conflito, ou seja, para que haja um ajustamento entre os sujeitos conflitantes, o caminho dá-se pela ciência e o acordo de todos com os direitos e obrigações. O consenso, neste princípio, não faz referência ao acordo firmado entre as partes ao final do conflito, mas sim, ao consenso da participação e da condução da prática. Trata-se de uma característica integrativa (Manual da Justiça Restaurativa, s/d)

O princípio da informalidade diz respeito ao ambiente não tanto burocrático para que se administre o conflito, pois visa um ambiente mais informal, ou seja de fluxo mais flexível (Silva, 2019; Apud Carvalho; Rodrigues; Souza, 2023).

Por fim, o princípio da confidencialidade é essencial para que os interessados se sintam confiantes para abrirem suas experiências, o que sentiram e como o conflito afetou suas vidas. Conclui-se que, todo o procedimento é acobertado pela confidencialidade, assim, só poderão ser utilizadas como provas endoprocessuais caso haja o ajustamento entre as partes. A obrigação da confidencialidade só poderá ser quebrada caso haja consentimento claro entre os envolvidos, desrespeito à ordem pública ou às leis vigentes. (Manual da Justiça Restaurativa, [s.d.]). O princípio da confidencialidade pode ser visto como princípio do sigilo.

6. Dos Direito Humanos

Os direitos humanos têm por definição o direito de todos os indivíduos, ou seja, independe de origem, grupo social, orientação sexual, religião, ou fatores diversos destes citados. Todos são iguais perante a lei, não havendo qualquer distinção, conforme sentido previsto no art. 5º da Constituição Federal (Ramos, 2022). Ainda, pode-se dizer que os direitos humanos são princípios que garantem a cada pessoa a oportunidade de viver de forma plena e com dignidade em todas a dimensões da vida, sendo: psicológica, econômica, cultural, biológica, social e política (Ribeiro, 2014; Pequeno, 2018 apud Demétrio; Bensusan, 2019).

Em uma breve contextualização, a Organização das Nações Unidas (ONU), oficialmente criada em 1945 com a entrada em vigor da Carta das Nações Unidas sobre Organização Internacional. O principal objetivo era estabelecer normas que os países deveriam seguir, tanto em relação aos seus cidadãos quanto entre si, evitando com que tragédias se repetissem. Ainda, de acordo com o artigo 1º da Carta, a ONU visa promover paz global e garantir o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos. No entanto, não foi definido os "direitos humanos e liberdades fundamentais", coube, então, à Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, definir tais conceitos, além disso, os direitos humanos passaram a ser universais e indivisíveis, ou seja, toda forma para proteger a dignidade humana. (Castilho, 2023).

Dentre suas características, destaca-se a universalidade dos direitos humanos afirma que esses direitos pertencem a todas as pessoas, rejeitando a ideia de privilégios para um grupo seleto. A essencialidade ressalta que esses direitos são fundamentais e devem ser protegidos por todos, sempre prevalecendo sobre outras normas, mesmo diante das justificativas estatais. Já a reciprocidade destaca a interconexão dos direitos, que impõe não apenas ao Estado a responsabilidade de protegê-los, mas também à sociedade como um todo. Juntas, essas ideias promovem uma convivência igualitária, considerando os interesses de todos (Ramos, 2022).

Previstos no art. 5º da Constituição Federal de 1988, no qual é o marco inicial da efetivação dos direitos humano no Brasil. Buscam fazer valer e proteger de fato os direitos humanos a Organização das Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entre outros mecanismos internacionais. Além da efetivação no art. 5º, da Constituição Federal, no Título I, do mesmo dispositivo legal, que se refere aos "Dos Princípios Fundamentais", o Art. 4º, em seu inciso II, discorre: "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos;" (Direitos Humanos Atos Internacionais e Normas Correlatas, 2013.)

Os direitos humanos são um conjunto de direitos essenciais que garantem uma vida digna, fundamentada na liberdade e igualdade. Não há uma lista fixa desses direitos, pois as necessidades humanas e as demandas sociais evoluem ao longo do tempo, sendo traduzidas em normas jurídicas conforme o contexto histórico. Esses direitos têm diferentes estruturas, incluindo direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e direito-imunidade, cada um associado a obrigações que podem ser impostas ao Estado ou a particulares (Ramos, 2022).

6.1.Princípios e Fundamentos

Na sociedade brasileira os princípios estão ressaltados nos termos do artigo 3º, da Resolução n° 1, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos do Conselho Nacional de Educação, do Ministério da Educação: dignidade humana; igualdade de direitos; reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; laicidade do Estado; democracia na educação; transversalidade, vivência e globalidade; e sustentabilidade socioambiental.

Um dos princípios fundamentais do direito constitucional atual é a relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Essa relação é um dos poucos aspectos sobre os quais há concordância, embora o conteúdo e o significado desse princípio no contexto jurídico sejam alvo de intenso debate na doutrina e na jurisprudência (Castilho, 2023).

A variedade de significados da expressão "dignidade da pessoa humana" torna impossível atribuir a ela um conceito fixo, mesmo que seja flexível. Sendo comum que cada indivíduo interprete essa dignidade de acordo com sua própria visão. Trata-se de um conceito em constante evolução e construção, cuja realização envolve todos os órgãos do Estado (Castilho, 2023). Assim, pode-se dizer que dignidade é a característica essencial que define a natureza do ser humano e confere valor à sua existência simplesmente por ele ser humano. Esse valor é incondicional, incomensurável, insubstituível e não tem equivalente (Pequeno, 2016).

A dignidade é uma qualidade intrínseca a todo ser humano. Isso resulta em suas características, garantindo que o legislador ou o intérprete da norma não podem, de maneira alguma, restringi-la. Portanto, surge como resultado de um reconhecimento, manifestando-se como um valor social (Castilho, 2023). Trata-se da dimensão coletiva desse conceito.

7. Diferenças entre justiça restaurativa e justiça retributiva

Ao abordar a Justiça Restaurativa, há a necessidade de definir o que seria uma "lente retributiva", conforme Howard Zehr nomeia. O olhar retributivo diz sobre uma resposta punitiva, de certa forma é um revide pronto, onde não há a verificação da necessidade da vítima ou do ofensor. Trata-se de um sistema com divisões, ou seja, um oferece a denúncia, outro aceita ou contesta, além de ter quem toma a decisão de punição, assim em diante. Ao final, não há uma responsabilização de nenhum dos envolvidos (Mohr, 1987 apud Zehr, 2008).

Ademais, o modelo retributivo se ampara na ideia do crime como violação de uma norma penal, advinda do Estado e imposta na sociedade. Ainda, o Estado é que detém a obrigação e o poder de impor o castigo ao infrator, ou seja, quem condena, com a ideia de reprimir que outros cidadãos cometam a mesma prática. No entanto, como a abordagem retributiva e suas técnicas, como a prisão, não têm conseguido atingir seus objetivos, controlando, de forma eficaz, a violência e a insegurança pública, são necessárias novas alternativas de justiça para lidar com a situação (Ribeiro, 2018).

Do mesmo modo, a Justiça Retributiva se ocupa do passado, vinculando o ofensor ao crime ou ao ato que gerou o dano. Em contrapartida, a Justiça Restaurativa se volta para o futuro, concentrando-se em como reparar o dano e permitir que as partes, junto com a comunidade, avancem. Seu principal objetivo é restaurar relações e desenvolver soluções que favoreçam a convivência harmoniosa (Silva, 2021).

A justiça retributiva se baseia na ideia de que as liberdades individuais só podem ser garantidas por meio da coerção social. Quando as leis são violadas, o modelo retributivo inflige dor ao ofensor para servir de exemplo e causar um sentimento duradouro de culpa. Essa abordagem acredita que o sofrimento pode dissuadir a reincidência e prevenir novas infrações. Em contraste, a justiça restaurativa valoriza princípios como respeito, interconexão e responsabilidade, priorizando a reparação das relações em vez da punição (Melo, 2005 apud Silva, 2021).

Em consonância, pode-se afirmar que:

Por certo, a reparação do dano não se dá somente no âmbito material, mas há reparações nos próprios relacionamentos. No lado oposto, na justiça retributiva, não há espaços para estes entendimentos, pois o Estado está preparado para resolver conflitos jurídicos-penais conforme a norma,obedecendo à legalidade.Provavelmente, a diferença mais acentuada entre os dois modelos de justiça seja a definição adotada por cada um deles a respeito do crime. (Pellenz; De Bastiani, 2015, p. 42)

Em suma, Justiça Retributiva e a Justiça Restaurativa apresentam diferenças fundamentais na definição de crime e na abordagem do dano. A Justiça Retributiva considera o crime uma violação da lei, tratando o dano de forma abstrata, com a vítima representada pelo Estado e as partes do processo sendo o Estado e o ofensor, sem dar relevância às necessidades da vítima. Em contraste, a Justiça Restaurativa define o crime pelo dano causado ao relacionamento e à pessoa, interligando-o a outros conflitos e reconhecendo as pessoas como vítimas. Neste modelo, as necessidades da vítima são a principal preocupação, e a ofensa é analisada em um contexto mais amplo, que inclui fatores sociais, éticos, econômicos e políticos (Zehr, 2020).

Não importando qual a lente utilizada, grande parte das vítimas quer participar da justiça, ou seja, quer ser informada, consultada, além de participar de forma ativa.

Pode-se afirmar que, tanto a Justiça Restaurativa, como a Retributiva objetivam a resolução do conflito, visto que, ambas compreendem que houve uma desestabilização na balança. No entanto, não convergem quanto aos meios e sua eficácia para alcançar a resolução do conflito (Ribeiro, 2018). Assim, a Justiça Retributiva sopesa o infrator em suas falhas enquanto a Justiça Restaurativa observa o seu potencial de responsabilizar-se pelas lesões e implicações do delito.

8. Justiça restaurativa: Aspectos sociais e direitos humanos

A Justiça Restaurativa representa uma forma de melhoramento para administração da justiça, além de fortalecer a democracia, ao operar com a participação da sociedade civil, sem perder a conexão com o Estado. Ao transferir parte da jurisdição para organizações sociais, um Estado com baixa legitimidade social e eficácia pode fortalecer a sociedade civil, ajudando a garantir direitos fundamentais e melhorar a qualidade democrática geral. Contudo, em democracias com grandes desigualdades, como o Brasil, o sistema de justiça pode refletir e perpetuar essas desigualdades socioeconômicas. Portanto, a Justiça Restaurativa busca reduzir tal desigualdade, tornando o sistema de justiça mais acessível e democrático (Oxhorn; Slakmon, 2005, apud Azevedo; Pallamolla, 2014).

A Justiça Restaurativa abrange mais de uma forma de resolução do conflito, oferecendo para a sociedade meios para reduzir as lesões causadas pela conduta criminosa. Conforme discorre a Comissão Estadual de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do Paraná, em seu Manual de Justiça Restaurativa "é apenas um passo para que possamos, por meio de ações restaurativas, dar início a um processo participativo, mais humano e justo de resolução de conflitos, sem eliminar ou afastar a solução tradicional" (Manual de Justiça Restaurativa, [s.d.])

Além de ser uma alternativa à justiça tradicional, possui características únicas que a distinguem desse modelo e das iniciativas de maior acesso à justiça que o próprio Judiciário disponibiliza em suas jurisdições. Para essa abordagem, o principal objetivo é reparar as relações prejudicadas pelo ato criminoso. Essa mudança de foco resulta em diferentes características nos processos de mediação de conflitos. Abrange, assim, todos esses elementos e outros adicionais, buscando se firmar como um modelo alternativo ao sistema formal, a partir de uma perspectiva mais "humana" (Tonche, 2010).

Ademais, a Justiça Restaurativa objetiva tratar o crime como uma quebra de vínculos interpessoais, preocupando-se com o que foi lesado e com a restauração do vínculo (Ribeiro, 2018). Assim, a atenção é voltada às pessoas, influenciando a própria vítima e o agressor a buscar resolver o conflito de forma digna para ambos.

8.1. Colaboração e participação dos envolvidos

A Justiça Restaurativa tem como fundamento a participação ativa dos envolvidos no crime; tem-se a participação tanto dos envolvidos, como dos afetados pela conduta, visa a construção da reparação do dano, objetivando prevenir a sua recorrência, além de buscar amenizar o sofrimento causado pela conduta criminosa. A participação é voluntária, por meio do diálogo facilitado, oportunizando que se expressem, objetivando chegar a um comum acordo.

Entende-se por participantes do processo da Justiça Restaurativa a vítima, o ofensor, outros indivíduos e membros da sociedade que foram afetados pelo ocorrido. Essa participação tem direitos resguardados tanto em relação aos participantes, quanto com a finalidade de garantir a justiça, sendo, por exemplo, assegurado o direito às partes de receber aconselhamento jurídico sobre o processo, bem como, quando necessário, a interpretação e a tradução. Além disso, um dos fundamentos da justiça restaurativa é reconhecer que o comportamento não viola somente a lei, mas prejudica a sociedade em um todo, além de lesar, diretamente, as vítimas (Pinheiro; Chaves, 2013).

Por dimensão da vítima, no entendimento restaurativo, tem-se a busca por seu empoderamento, visto que, o conflito compromete a autonomia. A vítima é essencial para o olhar restaurativo, ainda que não seja de maneira direta, por exemplo: homicídio, a vítima será representada por sua família; outro exemplo, é o tráfico de drogas, em que a vitima é a sociedade (Manual de Justiça Restaurativa, [s.d]).

Dimensão do ofensor procura o induzir ao senso de responsabilização, mostrando o mal causado e para que compreenda, de fato, as consequências de sua conduta, contribuindo, com consciência, para a construção que, busca reparar o mal. Diferente do que acontece nas decisões tradicionais, em que o agressor não se sente responsável pelo dano, não reconhecendo sua responsabilidade em reparar ou amenizar o mal. A presença do ofensor também poderá ser de forma indireta, por exemplo: quando vem a falecer no curso do processo (Manual de Justiça Restaurativa, [s.d]).

Além da dimensão da vítima e do ofensor, tem-se uma terceira que é a comunidade, que busca aumentar o senso coletivo, junto ao sentimento de corresponsabilidade. No mais, a comunidade em que pertencem a vítima e o ofensor é, também, afetada pelo conflito, devendo colaborar para restauração (Manual de Justiça Restaurativa, [s.d]).

Na Justiça Restaurativa, o primeiro momento é o atendimento às necessidades imediatas, principalmente aquelas da vítima. Posteriormente, a Justiça Restaurativa deve buscar a identificação das necessidades e obrigações de forma ampla. Assim, dentro do possível, o processo será colocado sob o poder e responsabilidade dos diretamente envolvidos, ou seja, da vítima e do ofensor (Zehr, 2020).

Ainda seguindo o pensamento de Howard Zehr (2020), quando pela lente restaurativa, há uma sensação de restauração para a vítima, assim, de forma ainda simbólica, permite que a vitima consiga esclarecer para si algumas dúvidas, por exemplo: por que eu? Além das condutas legais que necessitam da participação da vítima, tais como: a oitiva, intimação da sentença, entre outros, há a necessidade de oportunizar para a vítima que ela expresse seus sentimentos e emoções diante do conflito, fazendo com que o processo restaurativo seja uma sensação de justiça, que não se confunde com vingança.

Ademais, no contexto atual, a forma de resolução de conflitos adotada é de característica acusatória, que dá ênfase a oposição entre os envolvidos. Já a Justiça Restaurativa se apresenta de maneira diversa à justiça tradicional por não alimentar essa relação de acusação e defesa, mas sim focando na participação dos envolvidos para ter a resolução do conflito (Azevedo; Souza, 2012). É importante não perpetuar a animosidade entre as partes e contribuir para a não-reincidência.

9. Impactos futuros da aplicação da justiça restaurativa

Em um olhar geral, o nosso sistema atual, tradicional, não encoraja o encontro pessoal entre as partes, tendo seus advogados que labutarem por seus interesses perante o juiz, o qual decidirá. Assim, a sentença judicial atinge apenas as questões que foram levadas ao juízo, não atingindo o interesse real do jurisdicionado (Manual de Justiça Restaurativa, s/d)

Os impactos futuros estão, diretamente, atrelados com desafios a serem enfrentados pelos operadores do direito. A participação dos profissionais do direito em práticas restaurativas requer maior sensibilidade, além de um treinamento adequado para lidar com os desafios pessoais e éticos do trabalho. Haverá a necessidade de equilibrar sua formação tradicional e seus procedimentos com novas abordagens, exigindo-se mudança de perspectiva (Pinto, 2011).

Isto posto, significa que deveremos aprender a conviver com divergências nas visões de justiça. Além disso, em relação à Justiça Restaurativa, terá que aprender a compartilhar as decisões com todos os envolvidos, sendo a vítima, os infratores e a comunidade envolvida, que são os verdadeiros protagonistas do conflito. Importante que esses profissionais não ignorem seus conhecimentos técnicos, para garantir que o procedimento e atos dentro deste sejam legalmente válidos, no entanto, deverão ultrapassar suas visões rígidas e tradicionais, com as quais estão acostumados (Pinto, 2011).

Recentemente, surgiram propostas que consideram a substituição da verdade material por uma verdade consensual, ou seja, utilizar do consenso como uma alternativa para resolver casos especiais, simplificando ou acelerando a aplicação de penas, além de determinar a extensão através de acordos. A abordagem consensual busca um processo comunicativo, inclui os impactos emocionais e consequências para todos os envolvidos (Paz, 2005 apud Pinto, 2011).

Trazendo de forma mais próxima de um modelo real, aponta-se quando há a harmonia entre a Justiça Restaurativa e a Criminal:

at a certain stage of the criminal procedure the case is referred to a mediator charged with reaching an agreement between victim and offender. If this is accomplished successfully, it will have an impact on the outcome of the public proceedings: either the charges will be dropped, or the agreement will affect sentencing.1

Além disso, a Justiça Restaurativa se propõe a tornar o sistema punitivo mais humano, buscando promover a harmonia entre todas as pessoas envolvidas em um conflito, seja direta ou indiretamente. Essa abordagem prioriza a compreensão dos motivos que levaram à situação, levando em conta as histórias de vida e as motivações de cada um. Em vez de simplesmente aplicar punições, a Justiça Restaurativa busca uma verdadeira resolução dos conflitos, alinhada com o ideal de justiça que desejamos em um mundo repleto de violações de direitos. Essa proposta enfatiza a importância dos valores morais nas relações humanas (Pinheiro; Chaves, 2013)

Dentre seus pensadores, Van Ness (2007, apud Pallamolla, 2009) pontua o modelo chamado de dual track model, em que a Justiça Restaurativa será aliada da Justiça Criminal, no entanto, independentes normativamente. Consiste em uma tentativa de acordo, em que dentro do processo criminal, em um estágio, o facilitador tentará um acordo, podendo chegar na retirada das acusações ou impactar em uma sentença. Sendo assim, um possível modelo que teria aplicação futura.

10. Conclusão

Os procedimentos restaurativos apresentam harmonia em qualquer fase do sistema judicial, apresentando uma maior potencialidade quando comparada com a justiça tradicional de forma una, sendo eficaz para responsabilizar o ofensor e levando em consideração a necessidade das vítimas. 

 A Justiça Restaurativa pode ser vista como uma forma de aprimorar a administração judicial, permitindo que as partes envolvidas participem ativamente do processo. Ela aborda as consequências do crime e ajuda a melhorar a percepção negativa do sistema judicial atual. Em vez de se limitar à imposição de penas, essa abordagem foca na reparação dos danos causados, incentivando a vítima e o ofensor a resolverem o conflito por meio do diálogo e da negociação. Além de visar a reparação material, busca, também, restabelecer relações afetadas pelo crime.

A Justiça Restaurativa tem como objetivo restaurar as relações entre as partes envolvidas em um conflito e recuperar a harmonia que foi afetada. Por meio do diálogo, busca-se promover a compreensão mútua e o comprometimento entre os envolvidos. Essa abordagem valoriza a dignidade de todos e promove a consciência do papel de cada um na sociedade.

Sob a mesma ótica, pode-se dizer que a Justiça Restaurativa representa uma forma de aprimorar o conceito de justiça atualmente. Entre suas práticas, estão propostas de acordo no início do processo, o que se assemelha, indiretamente, à conciliação no processo civil. A Justiça Restaurativa funcionaria como uma abordagem inicial, onde, se um acordo for alcançado, este seria homologado, ou não teria prosseguimento das acusações; caso contrário, o processo continuaria seu curso normal.

Dessa maneira, a Justiça Restaurativa e suas abordagens estão situadas em um contexto cultural mais abrangente, que inclui valores, ideias e formas de ver o mundo. Assim, como as práticas penais são influenciadas e refletem o ambiente cultural em que surgem, a criação de programas de justiça restaurativa é resultante de um processo de diálogos e transformações nas características culturais pré-existentes.

Conclui-se que a Justiça Restaurativa não é apresentada como substituta da justiça tradicional, e sim uma alternativa na resolução do conflito, apresentando, ainda, compatibilidade em coexistir com a justiça tradicional, visto que, não vai em caminho oposto ao cárcere, sendo positivo para a sociedade e contribuindo para que seja atendida a dignidade da pessoa humana, além de possibilitar o apoio humanitário à vítima e fazer com que o próprio ofensor entenda o erro de sua conduta. Todavia, em alguns casos não há compatibilidade com as práticas restaurativas, aplicando-se, a solução tradicional.

__________

1 Num certo estágio do processo criminal, o caso é encaminhado para um mediador encarregado em chegar a um acordo entre a vítima e o ofensor. Se isto é consumado de maneira plena, terá um impacto no resultado dos procedimentos públicos: ou as acusações serão retiradas ou o acordo impactará na sentença (Groenhuijsen, 2000, p. 71 apud Pallamolla, 2009, p. 86.)

2 ACHUTTI, Daniel Silva. Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

3 ALMEIDA, Cristiane Roque de; PINHEIRO, Gabriela Arantes. JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO PRÁTICA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS. DESAFIOS - Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do Tocantins, [S. l.], v. 4, n. 4, p. 180-203, 2017. DOI: 10.20873/uft.2359-3652.2017v4n4p180. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/desafios/article/view/4148. Acesso em: 8 out. 2024.

4 AZEVEDO, Rodrigo G. de; SOUZA, Guilherme Augusto D. "Que 'Paz' É Essa? Os Significados do Conflito na Cultura Jurídica Brasileira e a Justiça Restaurativa no Brasil", in Pozzebon; Ávila. Crime e Interdisciplinaridade. Porto Alegre, Edipucrs, 2012. https://meriva.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8955/2/Que_Paz_e_essa_Os_significados_do_conflito_na_cultura_juridica_brasileira_e_a_justica_restaurativa_no_Brasil.pdf

5 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Alternativas de resolução de conflitos e justiça restaurativa no Brasil. Revista USP, São Paulo, Brasil, n. 101, p. 173-184, 2014. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.v0i101p173-184. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/87825. Acesso em: 6 ago. 2024.

6 BEBIANO, F. N. Aplicação da inteligência artificial nos conflitos submetidos à justiça restaurativa: (im) possibilidade. Revista Eletrônica Direito e Política, [S. l.], v. 17, n. 3, p. 780-803, 2022. DOI: 10.14210/rdp.v17n3.p780-803. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rdp/article/view/18880. Acesso em: 8 set. 2024.

7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

8 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156 >. Acesso em: 29.abr.2024.

9 BRASIL. Resolução 225 de 31 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.DJe/CNJ, nº 91, de 02/06/2016. Disponível em: [http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2289]. Acesso em: 29 abr.2024.

10 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Manual de Justiça Restaurativa. s/d

11 CASTILHO, Ricardo dos Santos. Direitos Humanos. 7. Ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023.

12 Conselho Econômico e Social da ONU. Resolução nº 2002/12, Tradução Livre feita por Renato Sócrates Gomes Pinto. Disponível em: . Acesso em: 29 abr.2024.

13 Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp001_12.pdf>. Acesso em: 29.04.2024.

14 CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Guia de Práticas Restaurativas. Brasília, 2023.  

15 DEMÉTRIO, Fran; BENSUSAN, Hilan Nissior. O conhecimento dos outros: a defesa dos direitos humanos epistêmicos. Revista do CEAM, [S. l.], v. 5, n. 1, p. 110-124, 2019. DOI: 10.5281/zenodo.3338716. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadoceam/article/view/22296. Acesso em: 20 ago. 2024.

16 DE CARVALHO, R. A. M.; RODRIGUES, M. M. T. ; SOUZA , K. A. . Concepções, princípios e valores da justiça restaurativa. Revista Foco, [S. l.], v. 16, n. 1, p. 631, 2023. DOI: 10.54751/revistafoco.v16n1-003. Disponível em: https://ojs.focopublicacoes.com.br/foco/article/view/631. Acesso em: 16 ago. 2024.

17 Direitos Humanos. - 4a ed. - Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013.

18 ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME. Manual sobre programas de justiça restaurativa [recurso eletrônico]. Tradução de Cristina Ferraz Coimbra, Kelli Semolini. 2. ed. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2021.

19 KANT DE LIMA, Roberto. "Constituição, Direitos Humanos e Processo Penal Inquisitorial: Quem Cala, Consente?", in Dados: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 33, n. 3, 1990.

20 PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça Restaurativa: da teoria à prática. 1. Ed. São Paulo: IBCCRIM, 2009

21 PELLENZ, Mayara; DEBASTIANI, Ana Cristina. Justiça Restaurativa e Resolução dos Conflitos Familiares. Interfaces Científicas - Direito, [S. l.], v. 3, n. 3, p. 35-46, 2015. DOI: 10.17564/2316-381X.2015v3n3p35-46. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/direito/article/view/2088. Acesso em: 7 out. 2024

22 PEQUENO, Marconi. Os fundamentos dos direitos humanos. Disponível em: < https://acesse.dev/hIkTt >. Acesso em: 20 ago. 2024.

23 PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da justiça restaurativa no Brasil. Revista Paradigma, [S. l.], v. 1, n. 19, 2011. Disponível em: https://revistas.unaerp.br/paradigma/article/view/65. Acesso em: 16 jul. 2024.

24 PINHEIRO, K. B.; CHAVES, R. R. Justiça Restaurativa: uma análise sociológica dos fins que os meios punitivos não alcançam. Revista FIDES, v. 4, n. 1, 28 dez. 2017.

25 RODRIGUES, R. A. Considerações sobre a efetivação da justiça restaurativa no ordenamento jurídico brasileiro. Publicatio UEPG: Ciências Sociais Aplicadas, [S. l.], v. 24, n. 3, 2016. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/sociais/article/view/9346. Acesso em: 8 out. 2024.                    

26 SANTOS, Jonny Maikel dos. Justiça Restaurativa: aspectos teóricos e análise das práticas do 2º Juizado Criminal do Largo do Tanque - Salvador, BA. 2015. (Mestrado em Segurança Púbica, Justiça e Cidadania) - Faculdade de Direito de Salvador, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

27 SCURO NETO, Pedro. O enigma da esfinge. Uma década de justiça restaurativa no brasil. Revista Jurídica (FURB), [S. l.], v. 12, n. 23, p. 03-24, 2008. Disponível em: https://ojsrevista.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/833. Acesso em: 16 jul. 2024.                    

28 SILVA, Fernanda Carvalho Dias de Oliveira. A experiência e o saber da experiência da justiça restaurativa no Brasil: práticas, discursos e desafios. Tese de Láurea apresentada ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito - Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 250, 2021.

29 TONCHE, J. Internacionalização do saber jurídico e redes profissionais locais: um estudo sobre justiça restaurativa em São Carlos- SP e São Caetano do Sul-SP. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, p. 124. 2010.

30 UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Manual sobre programas de justiça restaurativa [recurso eletrônico]. Tradução de Cristina Ferraz Coimbra, Kelli Semolini. 2. ed. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2021.

31 ZEHR, Howard. Trocando as lentes: Justiça Restaurativa para o nosso tempo. Tradução de São Paulo: Palas Athena, 2020.

Tereza Rodrigues Vieira

VIP Tereza Rodrigues Vieira

Pós-Doutora em Direito Université Montreal.Doutora em Direito PUC-SP. Especialista em Bioética Fac. Medicina da USP. Docente Mestrado em Direito Processual e graduação em Medicina e Direito na UNIPAR.

Maria Júlia Guimarães Tozzini

Maria Júlia Guimarães Tozzini

Graduanda do curso de Direito, na Universidade Paranaense. Estagiária da 2ª Vara Federal da Comarca de Umuarama/PR.

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