Precedentes vinculantes relacionados ao Direito à Saúde
A saúde, direito fundamental, impulsiona a judicialização, com decisões do STF e STJ sistematizando o fornecimento de medicamentos pelo Estado.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Atualizado em 10 de dezembro de 2024 15:13
A saúde, por ser considerada um direito fundamental (art. 196 da CF), tem sido objeto de intensa judicialização, o que resultou na sistematização e uniformização de decisões judiciais.
Apresentamos, a seguir, algumas decisões importantes referentes ao tema, especificamente quanto à disponibilização de medicamentos pela Administração Pública, destacadas nos temas de repercussão geral do STF, temas repetitivos do STJ, bem como as súmulas que abordam a questão.
Trazemos, assim, uma síntese das principais teses fixadas pelo Poder Judiciário indicando os cenários atinentes aos processos judiciais que envolvam fornecimento de medicamentos (incluindo aqueles não disponibilizados pelo SUS - Sistema Único de Saúde) e novas diretrizes para julgamento de processos judiciais sobre a questão.
STF:
Tema/repercussão geral 6: O STF decidiu que, como regra, a Justiça não pode determinar que o Estado forneça medicamentos que não estão na lista oficial do SUS, independentemente do seu preço. Em situações excepcionais, a Justiça pode determinar o fornecimento de medicamentos que não estão nas listas do SUS, desde que a pessoa comprove: (i) que o remédio foi negado pelo órgão público responsável; (ii) que a decisão da CONITEC de não incluir o medicamento nas listas do SUS é ilegal, que não houve pedido de inclusão ou houve demora excessiva na sua análise; (iii) que não há outro medicamento disponível nas listas do SUS capaz de substituir o solicitado; (iv) que há evidências científicas de que o remédio é eficaz e seguro; (v) que o remédio é indispensável para o tratamento da doença; e (vi) que não tem condições financeiras para comprar o remédio. Além disso, ao analisar pedido de entrega de um medicamento não incluído no SUS, o juiz deve: (i) avaliar a decisão da CONITEC de não incluir o medicamento nas listas oficiais e a negativa do pedido pelo órgão público responsável; (ii) consultar o NATJUS - Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário ou outros especialistas; (iii) notificar os órgãos responsáveis para que avaliem a possibilidade de incluir o medicamento nas listas do SUS, se o medicamento for concedido. Em nenhum caso, o juiz pode decidir apenas com base em laudos médicos apresentados pela pessoa que solicita o medicamento.
Tema/repercussão geral 262 STF: "O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certas doenças."
Tema/repercussão geral 500 STF: "1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamentos por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na lei 13.411/16), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultra raras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União."
Tema/repercussão geral 1234 STF: Trouxe de início a definição clara do que são considerados medicamentos não incorporados - medicamentos fora do SUS, medicamentos fora da lista de componentes básico, casos de uso off-label sem protocolo de tratamento, medicamentos sem registro na Anvisa e medicamentos já fornecidos pelo SUS para uma finalidade, mas solicitados para outra não prevista no protocolo de tratamento.
Fixou a decisão quanto a competência para julgar os processos de concessão de medicamentos não incorporados, que agora depende do valor da causa, sendo que para medicamento com registro na Anvisa de valor inferior a 210 salários-mínimos a competência é da Justiça estadual, e igual ou superior a 210 salários-mínimos a competência é da Justiça Federal. No caso de medicamentos sem registro na Anvisa, a competência é exclusiva da Justiça Federal (Tema 500 do STF).
Quanto ao custeio, a decisão definiu o custeio integral da União nos casos que tramitam na Justiça Federal, nos casos tramitando na Justiça estadual (entre 7 e 210 salários-mínimos) o custeio será de 65% pela União, com ressarcimento via repasse fundo a fundo e abaixo de 7 salários-mínimos, custeio integral pelo Estado (embora a tese não seja explícita sobre a exclusão dos municípios).
Para medicamentos oncológicos o STF trouxe regra específica: i) ações ajuizadas até 10/06/24 o ressarcimento é de 80% pela União; ii) ações ajuizadas após 10/06/24 o percentual será o definido pela Comissão Intergestores Tripartite.
O Tema ainda traz critérios rigorosos para a análise judicial em casos de fornecimento de medicamentos, devendo o juiz analisar o ato administrativo de não incorporação na CONITEC e a negativa de fornecimento administrativo, devendo o juiz, desta forma, considerar essas decisões em sua análise. Contudo, não poderá o juiz substituir a vontade do administrador pela sua própria ou entrar no mérito das decisões administrativas, devendo limitar-se a um controle de legalidade do ato administrativo (se em conformidade com a CF, a legislação vigente e a política pública do SUS).
O STF determinou no Tema em referência que o ônus da prova passa a recair sobre o autor da ação que visa a disponibilização do medicamento. O autor deve demonstrar a segurança e eficácia do tratamento requerido, não bastando apenas a prescrição médica, devendo ainda, comprovar a inexistência de um substituto terapêutico já incorporado ao SUS.
Ademais, determina o STF a criação de uma "Plataforma Nacional de Informações" que permitirá visão global das demandas judiciais e administrativas referentes ao tema, com consulta aberta ao cidadão e que auxiliará na definição e ajuste de políticas públicas, além de criar fluxos de atendimento específicos para diferentes situações e ajudará a definir as responsabilidades de custeio.
STJ:
Tema/repetitivo 84: "Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação."
Tema/repetitivo 98: "Possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros."
Tema/repetitivo 106: "A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência."
Rodrigo da Fonseca Chauvet
Sócio advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados.
Mariana Vianna Martinelli
Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados.
Ivana Eduarda Dias Arantes
Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados.