Diversidade corporal e dignidade humana: Dano moral e discriminação da pessoa obesa
A discriminação em relação às pessoas obesas e as suas consequências legais fomentam uma ponderação mais inclusiva da diversidade demonstrando a necessidade da tutela da dignidade dessas pessoas.
terça-feira, 10 de dezembro de 2024
Atualizado às 13:55
1. Introdução
A condição médica do indivíduo obeso é influenciada por múltiplos fatores e caracterizada pela acumulação excessiva de gordura corporal, fator este que prejudica em alto grau a sua saúde. Sucede que, em decorrência da obesidade, estes indivíduos frequentemente são estigmatizados em diversos campos da vida, inclusive no espaço da saúde, escolar e laboral.
Não fossem suficientes o agravamento da saúde e a estigmatização, estes indivíduos ainda têm que lidar com o preconceito e a discriminação, seja pessoalmente ou no ambiente virtual, acarretando sérios danos psicológicos e emocionais.
A humilhação é constante na vida das pessoas obesas, causando o agravamento da saúde, a marginalização e a desigualdade social. Assim, ações de indenização por danos morais devido à discriminação por obesidade têm ocorrido com alguma frequência.
Ressalte-se aqui que uma análise na jurisprudência do STJ, que firmou entendimento por meio do recurso repetitivo 1069, de que, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura médica, em pessoas em situação de obesidade mórbida, gera dano moral, pois ultraja o sofrimento da pessoa obesa, por já encontrar-se enfraquecida pelas condições problemáticas de saúde.
Deste modo, esse estudo se propõe a ponderar acerca da solução fornecida pela justiça brasileira em face das ações de discriminação contra pessoas obesas, bem como evidenciar como esses atos suscitam danos indenizáveis de ordem moral, hábeis a lesionar o bem-estar psicológico das vítimas, ultrapassando o mero dissabor.
2. A discriminação e o dano moral na obesidade
Não raro, a coletividade classifica as pessoas gordas como inferiores, tratando-as de maneira pejorativa. Ser obeso, portanto, abarca enfrentar preconceitos e discriminações cotidianas, impactando a autoestima e a qualidade de vida, e demandando um empenho constante para se garantir e se aceitar em um ambiente, muitas vezes, agressivo e intolerante.
Portanto, além de ser ponderada uma demanda de saúde pública, a obesidade é caracterizada também como um grave problema social. O culto à magreza marginalizou os obesos, privando-os do exercício de direitos fundamentais como o livre trânsito nas cidades, em transportes coletivos e individuais e o acesso à saúde. Assim, a intervenção do Judiciário como garantia dos direitos das pessoas obesas tornou-se imperiosa (Almeida; Vieira, 2024, p.195).
Ser gordo significa pertencer a uma classe social distinta. É ser tratado de maneira diferenciada, comendo alimentos específicos e vestindo roupas feitas sob medida ou adquiridas em magazines especializadas. Ser gordo é atrair atenção de maneira negativa, ser alvo de risadas e apelidos depreciativos. (Gikovate, 2005, p.54)
Assim, a obesidade é distinguida pelo excesso de gordura corporal, sendo definida pela OMS - Organização Mundial de Saúde como uma doença crônica que desencadeia alterações endócrinas e metabólicas. A obesidade é classificada por meio do cálculo do IMC - Índice de Massa Corporal, no qual indivíduos com valores entre 30,0 e 34,9 kg/m2 são diagnosticados com obesidade grau I, entre 35,0 e 39,9 kg/m2 são classificados como obesidade grau II, e valores acima de 40,0 kg/m2 são considerados como obesidade grau III ou obesidade grave (Farias, 2020, p.8). Portanto, a compreensão concisa dessa condição é fundamental para a identificação precoce e a condução adequada dessa complexa mazela.
A identidade do indivíduo está restrita à sua identidade corporal. Cada indivíduo passa a usar o corpo como um elemento de representação, um espaço de registro e o principal meio de expressão do seu eu ("A minha aparência revela quem eu sou") (Mattos, 2012, p.09). A pessoa se ilude ao confiar que o corpo pode atender todos os seus desejos e suprimir suas aflições. Esse entendimento limitado da identidade corporal pode levar a uma compreensão desvirtuada da própria existência e das relações sociais. Logo, é essencial considerar não apenas o corpo, mas também outros aspectos da identidade e da interação social para uma compreensão mais vasta e genuína do eu e da sociedade (Vieira; Almeida, 2022).
Ressalte-se aqui a lei 10.048/00, que assegura atendimento prioritário às pessoas obesas ou com mobilidade reduzida, e a lei 10.098/00, que institui normas e critérios para dar impulso a acessibilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
A mobilidade diminuída, habitualmente, é pertinente a pessoas com deficiência, entretanto, ultimamente tem sido entendida como uma condição relacionada à obesidade e é considerada por essa legislação. Essa medida não só visa a garantir acesso igualitário aos serviços públicos, mas também reconhece as necessidades específicas de pessoas com diferentes capacidades físicas, incluindo aquelas com obesidade. Ao proporcionar um tratamento mais justo e apropriado, essas leis viabilizam inclusão e igualdade.
Igualmente, a implementação dessas leis robustece o comprometimento da sociedade com os direitos humanos e a dignidade de todas as pessoas, independentemente de suas condições físicas. Essas deliberações legais não somente resguardam contra a discriminação, mas também estimulam a conscientização e a sensibilidade no que concerne às demandas de acessibilidade e inclusão, propiciando um ambiente social mais justo e solidário. A relevância dessas legislações é manifesta na evolução de uma sociedade que estima a diversidade e respeita as dificuldades de cada indivíduo.
É tempestivo ressalvar que a discriminação contra pessoas obesas pode assumir várias formas, desde comentários depreciativos e anedotas até a negação de chances de emprego e acesso a serviços essenciais, impactando negativamente na autoestima, na saúde mental e no bem-estar emocional desses indivíduos. Regularmente, essa discriminação é tênue e pode passar despercebida, dificultando às vítimas alcançarem justiça e reparação pelos danos suportados.
É inadmissível que toda sociedade categorize as pessoas e determine certas qualidades como comuns e naturais para seus membros. Um indivíduo com uma peculiaridade que o realça e o aparta dos outros é estigmatizado, pois possui um atributo que diverge do que é estimado "normal" pelos demais (Mattos, 2012, p. 09). Essa estigmatização pode suscitar exclusão e marginalização, prejudicando a integração social e a autoestima do sujeito. Portanto, é fundamental promover o acolhimento da diversidade e combater o preconceito, edificando uma sociedade mais inclusiva e solidária.
Como se percebe, a discriminação contra pessoas obesas é um tema social que influencia milhões de indivíduos em todo o mundo, impactando psicológica e emocionalmente, levando a sequelas negativas para a saúde mental e o bem-estar desses sujeitos. A obesidade é habitualmente conexa a estereótipos negativos e preconceituosos, como preguiça, falta de força de vontade, falta de autocontrole e até mesmo falta de higiene. Esses sinais podem levar à exclusão social, marginalização e prática censurável em diversas áreas da vida, abrangendo o trabalho, a educação, os cuidados de saúde e as interações sociais.
No círculo de trabalho, por exemplo, as pessoas obesas podem confrontar-se com discriminação no processo de contratação, promoção e remuneração. Além disso, podem ser preteridas em benefício de candidatos com peso estimado "ideal" ou podem ser alvo de piadas, comentários agressivos ou bullying por parte de colegas e superiores. Essa discriminação pode atormentar a autoconfiança, molestar o desempenho no trabalho e até causar problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.
Ademais, a discriminação fundamentada na obesidade pode ter graves impactos na saúde emocional e psicológica das pessoas afetadas. O sucessivo confronto com estigmas e preconceitos pode conduzir a sentimentos de embaraço, vergonha, baixa autoestima, isolamento social e até mesmo transtornos alimentares. Referidos efeitos podem se aparecer em problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e transtorno de compulsão alimentar, colaborando para um conjunto de sofrimentos emocionais e físicos.
Nessa conjuntura, o processo do dano moral desponta como um importante reconhecimento legal. O dano moral alude à violação dos direitos da personalidade de um indivíduo, incluindo sua dignidade, honra, reputação e integridade emocional. A discriminação embasada na obesidade pode estabelecer uma violação desses direitos, causando danos emocionais e psicológicos que fazem jus a compensações.
Assim, em caso de violação de normas, a vítima pode demandar que seu interesse seja acolhido, subordinando o interesse do ofensor ao seu próprio. Esse mecanismo certifica que a justiça seja administrada de modo imparcial e equitativo, promovendo a ordem social e o convívio harmonioso.
Logo, é essencial que a sociedade distinga e pugne contra a discriminação em relação às pessoas obesas, provocando a inclusão, o respeito à diversidade e a conscientização sobre os danos causados por estigmas e preconceitos. Destarte, é crucial que o sistema jurídico proporcione proteção apropriada contra a discriminação, assegurando que as vítimas de discriminação por obesidade tenham acesso à justiça e possam buscar indenização pelos danos suportados.
3. Desafios na prova do dano moral por discriminação por obesidade
Os desafios atinentes à prova do dano moral em casos de discriminação por obesidade apresentam alguma dificuldade, tornando difícil apresentar evidências concretas do impacto emocional sobre a vítima. Ademais, o estigma coligado à obesidade pode conduzir as vítimas a internalizarem sua inerente desvalorização, inibindo a apresentação de provas convincentes e persuasivas.
Sucede que, por consistir em algo imaterial, o dano moral, diversamente do dano material, não se prova diretamente. A aflição física, o sofrimento emocional, o desgosto, a humilhação, a desonra e a vergonha são situações subjetivas que não podem ser corroboradas através de documentos, depoimentos, perícias ou quaisquer outros meios de prova. Sendo assim, esses estados são presumidos de forma absoluta (Melo, 2008, p. 394). Desse modo, o que o autor necessita é demonstrar os fatos que originam o ato lesivo consequente da conduta irregular do transgressor.
Assim, esse raciocínio é essencial para garantir que as vítimas de danos morais possam conseguir reparação justa, mesmo quando a dor e o sofrimento não podem ser calculados ou exibidos concretamente. Os tribunais vêm reconhecendo a necessidade de acreditar na presunção do dano moral para garantir que os direitos das pessoas sejam resguardados adequadamente. De tal modo, o sistema jurídico procura contrapesar a justiça e a equidade, oferecendo uma forma eficaz de reparação para as vítimas de comportamentos lesivos, estando atento às nuances dos danos imateriais, afiançando a dignidade e o respeito às pessoas afetadas.
Destarte, uma vez estabelecida a ocorrência da discriminação, o tribunal deve sopesar o dano moral sofrido pela vítima, considerando a gravidade e a frequência da discriminação, o impacto emocional e psicológico, e alguma consequência palpável, como perda de oportunidades de emprego, danos à reputação ou até mesmo despesas médicas.
Frise-se aqui que, a carência de legislação específica que criminalize a discriminação de pessoas obesas, não impediu que indivíduos que vivenciam preconceitos diários devido à sua condição física de obesidade pudessem procurar a responsabilização por danos morais.
O STJ tem formado o entendimento de que é abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde para a internação de pacientes com obesidade crônica, quando a imprescindibilidade do tratamento para a qualidade de vida e saúde do beneficiário é comprovada. Esse posicionamento reflete uma crescente sensibilização do Judiciário em relação aos direitos das pessoas obesas, distinguindo a importância de pugnar a discriminação e garantir o acesso aos tratamentos necessários.
À vista disso, enfatiza-se os julgados do posicionamento do STJ em suas decisões:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA. DOBRAS DE PELE. CIRURGIA PLÁSTICA. NECESSIDADE. CARÁTER FUNCIONAL E REPARADOR. NÃO ESTÉTICO. DEVER DE COBERTURA. DANOS MORAIS. CABIMENTO. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional, indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida. 2. Conforme entendimento assente nesta Corte Superior, "a recusa indevida/injustificada, pela operadora de plano de saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada, enseja reparação a título de dano moral, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário" (AgInt nos EDcl no REsp 1.963.420/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 21/2/2022). 3. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA. DOBRAS DE PELE. CIRURGIAS PLÁSTICAS. NECESSIDADE. PROCEDIMENTO. NATUREZA E FINALIDADE. CARÁTER FUNCIONAL E REPARADOR. COBERTURA. RESTABELECIMENTO INTEGRAL DA SAÚDE. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. VALOR INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Tratam os autos da definição acerca da obrigatoriedade de custeio pelo plano de saúde de cirurgias plásticas em paciente pós-cirurgia bariátrica.
2. Teses para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: (i) é de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida, e, (ii) havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto a o caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1870834 / SP. RECURSO ESPECIAL 2019/0286782-1)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO. OBESIDADE MÓRBIDA. CIRURGIA BARIÁTRICA. COBERTURA. NEGATIVA. DANO MORAL. CABIMENTO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A orientação desta Corte Superior é de que a recusa indevida ou injustificada pela operadora de plano de saúde em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada gera direito de ressarcimento a título de dano moral, em razão de tal medida agravar a situação, tanto física quanto psicológica do beneficiário, não se tratando apenas de mero aborrecimento. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
Observa-se, assim, que a jurisprudência desta Corte Superior, em relação ao recurso repetitivo 1069, sobre a questão que foi submetida: "Definição da obrigatoriedade de custeio pelo plano de saúde de cirurgias plásticas em pacientes pós-cirurgia bariátrica", firmou a consequente tese no recurso repetitivo 1069:
(i) É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida.
(ii) Havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador.
Ao ponderar sobre as decisões do STJ sobre a cobertura dos planos de saúde para a efetivação de cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional recomendada por um médico após a cirurgia bariátrica, a Corte completou que esses procedimentos fazem parte do tratamento da obesidade mórbida. E, concluiu que, em regra, a negativa de cobertura por parte dos planos de saúde pode resultar em reparação por danos morais, pois agrava a situação de tortura psicológica e angústia do beneficiário.
A luta contra o preconceito de pessoas com obesidade e a busca por justiça para suas vítimas dependem não apenas da legislação, mas também de uma interpretação judicial que valorize a dignidade humana e os direitos fundamentais. Dessa forma, a sociedade pode prosseguir em direção a um espaço mais inclusivo e respeitoso, com a promoção da conscientização sobre os impactos da discriminação de pessoas com obesidade e garantir mecanismos eficazes de reparação são etapas fundamentais para a edificação de uma sociedade mais justa e equitativa.
O conflito psicológico da discriminação de pessoas obesas ou com sobrepeso é expressivo, pois a constante desvalorização de seus corpos pode levar à internalização do ódio e à crença de que não são dignas de respeito ou amor. Essa angústia emocional pode ser profunda e duradoura, afetando a qualidade de vida e o bem-estar geral das pessoas gordas.
André Mota (2020, p. 118) observa que a prova é descrita como um instrumento jurídico-processual que visa formar a convicção do julgador sobre os fatos em questão, uma vez que, no campo do Direito não basta apenas alegar; quem afirma deve corroborar a veracidade de suas afirmações.
Esse aspecto ressalta a importância da prova como um elemento chave na determinação do resultado de um processo judicial. Assim, é essencial garantir a apresentação apropriada e convincente das evidências, assegurando a justiça e a equidade nas decisões judiciais. Portanto, compreender o papel da prova no processo judicial é essencial para todos os envolvidos no sistema jurídico.
Ressalte-se que a discriminação é a "conduta pela qual nega-se à pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico estabelecido para a situação concreta que ela vivência" (Delgado, 2015, p. 188). A discriminação, em geral, tem procedência no preconceito arraigado, resultando em um julgamento desfavorável de uma pessoa com fundamento em uma particularidade sua, associada a um grupo mais amplo de indivíduos. No entanto, também pode derivar de outros fatores proeminentes para um caso específico (Delgado, 2015, p. 188).
Considerando a variedade de maneiras de discriminação que permeiam a sociedade, o seu combate requer um enfoque amplo e sensível, visando promover a igualdade e o respeito pelos direitos de todos os indivíduos.
Conforme Diniz (2023, p. 17), a dignidade humana, fonte de todos os direitos fundamentais, é um valor orientador que não apenas informa os direitos da personalidade e os direitos humanos, mas também todo o sistema jurídico, destacando-se como o princípio constitucional de maior consideração.
A dignidade humana não está explicitamente elencada nos direitos fundamentais e da personalidade, pois possui um valor axiológico superior a estes últimos, servindo como modelo a ser seguido. Por isso, está diretamente ligada à lesão da integridade físico-psíquica, sendo um critério para sua reparação (Diniz, 2023, p. 17-18).
Essa concepção ressalta a centralidade da dignidade humana no ordenamento jurídico e sua função essencial na proteção dos direitos individuais. Logo, garantir a dignidade humana é fundamental para promover uma sociedade justa e respeitosa, na qual todos os indivíduos sejam tratados com igualdade e consideração.
Além do enfoque jurídico, é fundamental considerar o papel da educação e das políticas públicas na luta contra a discriminação das pessoas com obesidade. A implementação de campanhas de conscientização que promovam a aceitação e o respeito à diversidade corporal pode ajudar a transformar atitudes e comportamentos discriminatórios enraizados na sociedade. Programas educacionais que abordam a diversidade corporal desde a infância são fundamentais para construir uma sociedade mais inclusiva e respeitosa.
As instituições de saúde também têm uma função decisiva nessa batalha. É fundamental que profissionais de saúde recebam treinamento adequado para lidar com pacientes obesos de maneira respeitosa e sem preconceitos, garantindo que todos recebam atendimento de qualidade, independentemente do seu peso corporal.
4. Conclusão
A educação e a sensibilização são ferramentas poderosas na luta contra a discriminação das pessoas com obesidade, podendo auxiliar na transformação de atitudes e comportamentos discriminatórios enraizados na coletividade.
A discriminação baseada na obesidade é uma questão preocupante que pode acarretar consequências significativas para as vítimas, tanto físicas quanto emocionais. Logo, as ações de indenização por danos morais são ferramentas importantes para assegurar que as vítimas de discriminação por obesidade possam buscar justiça e reparação pelos danos sofridos. Entretanto, a obtenção de provas desempenha um papel crucial nesse processo, e os desafios associados à apresentação de evidências significativas não devem ser subestimados.
Nesse contexto, é essencial que o sistema jurídico reconheça e considere as experiências das vítimas de discriminação por obesidade, garantindo assim a igualdade de acesso à justiça e a proteção efetiva dos direitos humanos de todos os cidadãos. A sensibilização dos operadores do direito e a aplicação consistente das leis antidiscriminação são passos essenciais para combater discriminação e promover inclusão de pessoas obesas e uma sociedade mais justa e inclusiva.
Portanto, ao reconhecer a gravidade da discriminação de pessoas obesas e a importância da reparação dos danos morais causados por essa forma de discriminação, podemos trabalhar em direção a um sistema jurídico mais sensível e eficaz na proteção dos direitos de todos os indivíduos, independentemente de sua aparência ou peso corporal. O progresso nesse sentido não apenas fortalecerá a confiança na justiça, mas também contribuirá para a construção de uma sociedade mais igualitária e respeitosa com a diversidade humana.
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1 ALMEIDA, Natália Cilião de; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Tutela jurisdicional das pessoas obesas: a marginalização da pessoa gorda e a cultura da magreza. In: VIEIRA, T. R.; CARDIN, V. S. G.; PAULICHI, J. S. Multiculturalismo e Minorias vulneráveis: Reconhecimento dos direitos fundamentais e da personalidade.1ed. Brasília: Zakarewicz Editora, 2024.
2 BRASIL. Constituição [(1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 8 de outubro de 1988. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
3 BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil de 2002. Brasília: Senado Federal, 2002.
4 BRASIL. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2015.
5 BRASIL. Decreto Nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000... Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm Acesso em: 20 maio 2024.
6 BRASIL. Lei nº. 10.048, de 08 de novembro de 2000. Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10048.htm>. Acesso em: 15 maio 2024.
7 BRASIL. Lei nº. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil], Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil . Acesso em: 15 maio 2024.
8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Turma- T3). Agravo interno nos embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial 2020/0319339-0. Processo Eletrônico Julgamento: 26-02-2024. AgInt nos EDcl no AREsp 1799900 / SP. Relator: Min- Marco Aurélio Bellizze (1150). Disponível em: https://shre.ink/DXXE. Acesso em: 15 maio 2024.
9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Segunda Seção - S2). Recurso Especial Repetitivo 2019/0286782-. Processo Eletrônico Julgamento: 13-09-2023. REsp 1870834 / SP. Relator: Min- Ricardo Villas Bôas Cueva (1147). Disponível em: https://encr.pw/1fJyz. Acesso em: 15 maio 2024.
10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Turma - T4). Agravo interno no Recurso Especial 2018/0185729-2.Processo Eletrônico Julgamento: 14-03-2022. AgInt no REsp 1755846 / SP. Relator: Min- Raul Araújo (1143). Disponível em: https://encr.pw/PIheI. Acesso em: 15 maio 2024.
11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Turma- Segunda Seção). Tema repetitivo 1069. Apelação cível. Ação de obrigação de fazer. Plano de saúde. Procedimentos pós-cirurgia bariátrica. Processo Eletrônico Julgamento: 19-09-2023. Origem REsp nº 1870834/SP. Relator: Min- RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. DJe 06/03/2024. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&sg_classe=REsp&num_processo_classe=1870834. Acesso em: 15 maio 2024.
12 DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2013. 188 p.
13 DINIZ, M. H. Direito à integridade físico-psíquica da pessoa humana: novos desafios. 1. Ed. São Paulo: ExpressaJur, 2023 ePUB.
14 FARIAS, Gisele. Fisiopatologia da obesidade. 1. ed. São Paulo: Contentus, 2020. E-book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 15 maio 2024.
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Nair de Fátima Gomes
Advogada no Paraná, Docente da Rede Pública de Ensino e Mestranda em Direito Processual Civil e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR. Integrante do Programa de Iniciação Científica no Projeto "Direito Pediátrico e Direito Fundamental da Criança Vulnerável : Desafios Práticos no Processo de Proteção Jurídica na Área da Saúde," desenvolvido na UNIPAR.