Importância das investigações privadas no âmbito corporativo
Investigações internas são essenciais para corporações ao lidar com fraudes, compliance e defesa jurídica, protegendo imagem e promovendo ética.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Atualizado em 10 de dezembro de 2024 14:52
Cada vez mais, corporações veem-se compelidas a promoverem internamente investigações privadas, a fim de apurarem fatos relevantes que possam impactar sua imagem e até mesmo na sua própria existência.
Por vezes, a investigação interna se justifica pela possibilidade de a empresa auferir os benefícios da autodenúncia, tal como decorre das leis 12.529/13 e 12.846/13. Contudo, o tema não se esgota nessas hipóteses, sendo recomendável a apuração privatística em casos em que haja a percepção do cometimento interno de alguma infração (o termo infração é aqui empregado por ser mais amplo, a fim de abarcar tanto crimes como infrações administrativas, cíveis e trabalhistas); quando houver algum crime que vitime a sociedade empresária; e também para a produção de provas defensivas, necessárias para o enfrentamento de investigações e processos que possam arrostar a pessoa jurídica, seus dirigentes e funcionários.
A partir da tomada de conhecimento de um, ou mais de um, fato relevante, que provavelmente virá por meio de canais de denúncia, ações do programa de compliance, atuação de auditorias, comunicação de autoridades públicas ou mesmo notícias de imprensa, deve ter início o procedimento apuratório, que, em síntese, terá o escopo de: a) constatar a veracidade do referido episódio, b) verificar sua autoria, c) identificar se houve falha interna que tenha permitido ou facilitado a irregularidade e d) avaliar as providências que possam ser tomadas, no âmbito interno e/ou externo da corporação.
Ressalte-se que tais finalidades mantêm-se nas investigações de cunho defensivo (provimento 188/18 do CFOAB), pois será mister apurar se a acusação é procedente, se houve falha interna e definir a linha defensiva de atuação.
Antes que nos atenhamos aos aspectos próprios da condução da investigação, é importante gizar que os fatos mais recorrentes a motivar sua realização são: fraudes contábeis, práticas de corrupção privada (kickback), concorrência desleal, atos de corrupção contra administração pública nacional ou estrangeira (lei 12.846/13), práticas anticoncorrenciais contra a ordem econômica (lei 12.529/11), infrações contra o mercado de capitais e contra o SFN, infrações ambientais, assédio moral e sexual, condutas violadoras de diversidade e inclusão (D&I) e outras normas de governança, trabalho escravo e infantil, crimes cibernéticos, crimes contra a honra, fake news e lavagem de ativos, valendo ressaltar que as hipóteses citadas podem ser detectadas no seio da corporação ou atingi-la como vítima.
Diante da percepção de uma dessas práticas, embora não haja uma obrigatoriedade no direito brasileiro para que sejam feitas investigações internas, variados aspectos conduzem à sua imprescindibilidade, a saber:
- o desencorajamento de práticas indevidas;
- o zelo pela imagem reputacional da corporação;
- a formação de cultura de confiança e transparência interna e externa;
- o encorajamento para que existam denúncias por parte de colaboradores;
- a adequação às leis vigentes e às políticas de compliance;
- a diminuição de danos decorrentes de sanções legislativas (acordo de leniência, delação premiada, acordo de não persecução penal);
- a cessação de práticas irregulares e evitação de novas práticas, com o aprimoramento dos mecanismos falhos;
- a contenção de prejuízos e recuperação de ativos desviados, e
- em casos de investigação defensiva, a capacitação para o exercício do múnus defensivo.
Ademais, a omissão em não apurar fato relevante que chegue ao conhecimento da corporação, ou a apuração feita de forma intencionalmente defeituosa, pode acarretar a responsabilização pessoal do gestor nos âmbitos cível, societário, criminal, trabalhista e administrativo, bem como da própria corporação nas searas cível, societária, trabalhista e administrativa do Direito, sendo que, caso o fato represente infração ambiental, far-se-á possível também a responsabilização criminal da pessoa jurídica. Especificamente quanto às investigações defensivas, sua omissão, ou má realização, implicará prejuízo para o(s) defendido(s), materializado em eventual condenação injusta.
No tocante à parte procedimental das investigações, não obstante haja carência legislativa sobre o tema, a boa prática sugere que alguns passos sejam observados.
Conhecida a hipótese a ser apurada e definido o objetivo primeiro da investigação, deve ser promovida sua categorização, que levará em conta a gravidade do fato, a urgência da apuração e os potenciais impactos dele decorrentes.
Também será necessária a especificação da área interna da corporação que realizará a interface com os advogados externos (imprescindíveis para assegurar a isenção da investigação), os quais deverão subscrever termo de desimpedimento e de conformidade de atuação com os princípios da confidencialidade e da não retaliação.
Os atos a serem desempenhados durante a investigação, em consonância com a devida metodologia forense, poderão ser:
- identificação de pessoa(s) envolvida(s) e posição na hierarquia corporativa;
- avaliação de envolvimento de outros órgãos de governança e delimitação do acesso físico e virtual à investigação, estabelecendo o círculo de acesso às informações que vierem a ser externadas no relatório final;
- mapeamento de riscos que possam prejudicar a investigação (destruição de provas, conluio, não cooperação, retaliações);
- avaliação e, se for o caso, determinação de suspensão ao(s) investigado(s);
- identificação de potenciais testemunhas;
- análise de auxílio externo (perícia contábil, forensic);
- definição de procedimentos (entrevistas, revisão de documentos, reconciliação contábil, visita técnica);
- elaboração de planejamento e cronograma;
- recolhimento e análise de documentos, pendrives, CDs e DVDs, acesso a e-mails corporativos, sistemas informatizados e arquivos de imagens, com preservação da cadeia de custódia das provas;
- realização de entrevistas com o(s) investigado(s) e testemunhas;
- ajuizamento de medidas judiciais para obtenção de informações protegidas por sigilo constitucional (dados cadastrais, IPs, documentos e objetos, que possam constituir corpo de delito e se encontrem na posse de terceiros).
Encerrada a investigação, as conclusões alcançadas serão externadas em relatório que conterá a linha cronológica dos atos desempenhados e o resultado da apuração, que, consoante a metodologia adotada, poderá ser conclusivo-procedente, conclusivo-parcialmente procedente, conclusivo-improcedente ou inconclusivo.
Em caso de ser conclusivo, procedente ou parcialmente procedente, deverá ser especificada a natureza da violação ocorrida (criminal, cível, trabalhista, tributária, administrativa).
Também poderão ser sugeridas: a) medidas disciplinares, com fundamentação legal e conforme as políticas de compliance, b) de melhorias do programa de compliance, c) para a tomada de plano de ações, d) de realização de reporte interno, e e) de comunicação a autoridades persecutórias (MP e polícias judiciárias) e/ou órgãos reguladores e controladores (CVM, BACEN, CADE, CGU).
Do relatório decorrem ainda mais alguns pontos a serem observados, sendo que o primeiro diz respeito ao encontro de outro(s) fato(s) diverso(s) do objeto da investigação. Nesse caso, é importante que seja fixada a recomendação quanto à necessidade de prosseguimento da apuração.
O segundo ponto guarda consonância com as companhias de capital aberto, nas quais vige a obrigação de informar sobre fatos relevantes, de modo que aquilo que tiver sido constatado precisará ser avaliado por comitê próprio, a fim de ser determinado seu grau de relevância e sua consequente comunicação.
De relevo, ainda, é o caso das sociedades empresárias que se submetem também à jurisdição norte-americana, do que são exemplos as empresas que possuem ações nas bolsas de valores dos Estados Unidos ou estão obrigadas a se registrar na Securities and Exchange Commision - SEC. Para elas, aplicam-se as normativas do Foreing Corrupt Practices Act - FCPA, de modo que a prática da investigação privada, em caso de irregularidades, poderá servir para a obtenção de acordo de colaboração, capaz de evitar a imposição de sanções mais severas. Portanto, essa ponderação, que necessita ser aventada logo no início da investigação, servindo, inclusive como fator motivador para sua consecução, deverá ser abordada no relatório, a fim de que seus destinatários tenham ciência das implicações relativas ao fato apurado.
Destarte, conforme salientado anteriormente, o tema em questão é extremamente premente, porém carente de regramento pelo Direito Pátrio, possuindo na prática diária sua construção, de forma que a apresentação aqui proposta consiste em pequena contribuição para essa missão.
Ivan Santiago
Advogado criminal sócio do escritório PDK Advogados