As estratégias de liderança dos conselheiros de administração nas empresas contemporâneas - Os desafios do conselheiro independente
O texto aborda os desafios e a importância estratégica dos conselheiros independentes, destacando seu papel crucial na governança corporativa moderna.
terça-feira, 10 de dezembro de 2024
Atualizado em 9 de dezembro de 2024 13:19
Os desafios do conselheiro independente
No dia 25/11/24, participamos do evento realizado pelo ISE - Business School para um grupo seleto de líderes empresariais, executivos C-level e membros de conselho. O evento teve como palestrantes Heloísa Bedicks e Luiz Aguiar, com mediação de Fernando Bagnoli. O encontro no campus do ISE teve como pauta discutir o tema Strategic Senior Leadership Insights, com o objetivo de trocar experiências e explorar novas ideias sobre o conselheiro independente.
Sem menosprezar as responsabilidades dos demais membros do conselho de administração, o de conselheiro independente traz muitos desafios e responsabilidades.
No exercício dessas atividades, temos enfrentado vários desafios em razão do futuro do trabalho e da fascinante convivência entre humanos e máquinas. A revolução tecnológica tem impulsionado novos negócios, novas formas de trabalho, criando novas responsabilidades.
Daí surge a pergunta: o conselheiro independente está preparado para essa transição?
Resumo
Este artigo analisa as questões estratégicas da atuação dos conselheiros de administração, com destaque para os desafios enfrentados pelos conselheiros independentes. São explorados temas como a evolução de suas funções, independência financeira, disponibilidade de tempo, alinhamento cultural e necessidade de conhecimentos aprofundados sobre a organização. A análise inclui o papel central dos conselheiros independentes no fortalecimento da governança corporativa, conforme o código do IBGC, além da crescente profissionalização de sua escolha via headhunters. Conclui-se que os conselheiros são essenciais para a sustentabilidade empresarial, embora enfrentem desafios como conflitos internos e pressões externas que testam sua independência e eficácia.
1 Introdução
A governança corporativa tem evoluído para enfrentar os desafios de um mundo globalizado, marcado pela complexidade regulatória e pelas crescentes demandas de responsabilidade social e ambiental. Nesse cenário, os conselheiros de administração desempenham papel crucial na mediação entre os interesses dos acionistas e as estratégias de longo prazo da organização.
Neste artigo, discutimos os aspectos estratégicos relacionados à liderança exercida pelos conselheiros de administração, com foco especial nos conselheiros independentes, pois, ao agregarmos imparcialidade e objetividade ao processo decisório, também enfrentamos desafios específicos, como lidar com conflitos de interesses internos e pressões de stakeholders externos.
2 Evolução do papel do conselheiro
A função do conselheiro de administração evoluiu para além de uma simples supervisão das operações da empresa. Hoje, atuamos como estrategista, mentor e defensor da sustentabilidade empresarial. Essa evolução é impulsionada por fatores como:
- exigência de práticas ESG (ambientais, sociais e de governança);
- avanço tecnológico e digitalização dos negócios;
- diversificação dos conselhos, incorporando perspectivas de diferentes setores, culturas e gêneros.
Essas transformações exigem que nós, conselheiros, combinemos habilidades técnicas e visão holística para lidar com a crescente complexidade dos negócios.
3 Papel estratégico e desafios do conselheiro independente
3.1 Papel estratégico
O conselheiro independente, conforme o Código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC (2023), é um elemento essencial para garantir que as decisões sejam tomadas de forma imparcial, representando os interesses de longo prazo da organização. Entre nossas responsabilidades, destacam-se:
- fiscalizar a gestão e assegurar a conformidade com leis e regulamentos;
- agir como ponte entre os acionistas minoritários e a administração;
- avaliar riscos estratégicos com isenção.
3.2 Desafios específicos
Como conselheiros independentes, enfrentamos desafios significativos, como:
- conflitos internos: a necessidade de questionar a administração pode levar a tensões no ambiente do conselho, especialmente quando os executivos ou outros conselheiros têm interesses conflitantes;
- pressões externas: acionistas ativistas e regulamentações cada vez mais exigentes podem nos pressionar a priorizar interesses de curto prazo em detrimento de estratégias de longo prazo;
- isolamento profissional: por não estarmos diretamente ligados à empresa, nós, conselheiros independentes, podemos encontrar dificuldade em compreender em profundidade a dinâmica interna ou ter acesso a informações cruciais;
- responsabilidade fiduciária crescente: com a ampliação de nossos papéis, estamos mais expostos a riscos legais e reputacionais.
Esses desafios ressaltam a necessidade de um conselheiro independente preparado e resiliente, com capacidade de mediar interesses diversos sem comprometer sua imparcialidade.
4 Outros requisitos estratégicos
4.1 Independência financeira
A independência financeira é requisito básico que garante que o conselheiro possa tomar decisões sem temer prejuízos pessoais ou comprometer sua posição. Essa autonomia fortalece a confiança entre os acionistas e o conselho.
4.2 Disponibilidade de tempo
A dedicação ao cargo inclui não apenas a participação em reuniões, mas também a análise de relatórios, visitas às operações da empresa e interações com outros conselheiros e executivos.
4.3 Conhecimento profundo da organização
O conselheiro deve conhecer profundamente o setor, os produtos e os mercados em que a empresa opera. Isso permite que ele antecipe tendências, avalie riscos e contribua para a formulação de estratégias eficazes.
4.4 Respeito aos valores e à cultura da organização
O alinhamento com os valores organizacionais é essencial, mas o conselheiro também precisa ter coragem e ética para desafiar práticas inadequadas, garantindo que a empresa mantenha sua integridade e propósito.
5 Escolha profissional por headhunters
Os processos de recrutamento conduzidos por headhunters trazem profissionalismo e diversidade aos conselhos. Esses especialistas avaliam não apenas competências técnicas, mas também habilidades interpessoais e o alinhamento cultural dos candidatos.
A inclusão de profissionais com diferentes formações e experiências enriquece o debate estratégico e fortalece a governança.
6 Conclusão
Os conselheiros de administração desempenham papel essencial na governança corporativa, agregando valor estratégico e assegurando a sustentabilidade das organizações. No entanto, os desafios enfrentados pelos conselheiros independentes, como pressões externas e conflitos internos, reforçam a necessidade de profissionais altamente qualificados e resilientes.
À medida que as expectativas em relação aos conselhos aumentam, a profissionalização e a capacitação contínua desses líderes tornam-se indispensáveis para garantir que as empresas prosperem em um ambiente de negócios em constante evolução.
1.1 A função do conselheiro independente segundo o IBGC
Segundo o CBGC, conselheiro independente é definido como:
"conselheiros externos que não possuem relações familiares, de negócio, ou de qualquer outro tipo com sócios com participação relevante, grupos controladores, executivos, prestadores de serviços ou entidades sem fins lucrativos que influenciem ou possam influenciar, de forma significativa, seus julgamentos, opiniões, decisões ou comprometer suas ações no melhor interesse da organização.
O papel dos conselheiros independentes e' especialmente importante em companhias com capital disperso, sem controle definido, em que o papel predominante da diretoria deve ser contrabalançado."
Assim, os conselheiros independentes devem ser isentos na sua atuação, de modo que fatores subjetivos de ordem familiar, financeira ou profissional não gerem potenciais conflitos de interesse com a organização.
Partindo desse racional, o Regulamento de Listagem no Novo Mercado3 caracterizou o "conselheiro independente" pelos seguintes aspectos:
- I
não ter qualquer vínculo com a Companhia, exceto participação de capital; - II
não ser acionista controlador, cônjuge ou parente até segundo grau daquele, ou não ser ou não ter sido, nos últimos 3 (três) anos, vinculado a sociedade ou entidade relacionada ao acionista controlador (pessoas vinculadas a instituições públicas de ensino e/ou pesquisa estão excluídas desta restrição); - III
não ter sido, nos últimos 3 (três) anos, empregado ou diretor da Companhia, do acionista controlador ou de sociedade controlada pela Companhia; - IV
não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de serviços e/ou produtos da Companhia, em magnitude que implique perda de independência; - V
não ser funcionário ou administrador de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando serviços e/ou produtos à Companhia, em magnitude que implique perda de independência; - VI
não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum administrador da Companhia; e - VII
não receber outra remuneração da Companhia além daquela relativa ao cargo de conselheiro (proventos em dinheiro oriundos de participação no capital estão excluídos desta restrição).
Semelhantemente, o IBGC lista algumas dessas condições para a caracterização da independência do conselheiro no CBGC: Companhias abertas4.
Para o exercício dessa função de conselheiro - independentes ou não -, o IBGC5 faz recomendações de que estes possuam tanto hard skills financeiras e gerenciais - como visão estratégica, conhecimentos sobre relatórios gerenciais, contábeis financeiros e não financeiros, conhecimentos sobre gerenciamento de riscos etc. Recomendam-se também soft skills, a exemplo de boa comunicação, capacidade de mediar conflitos (ser diplomático) e proatividade.
No que diz respeito ao conselheiro independente, recomenda-se que se realize um processo seletivo por meio do qual se verifique se o candidato atende às expectativas técnicas e comportamentais necessárias ao conselho6, bem assim se é aderente aos princípios e valores da organização, a` estratégia do negócio e ao estágio de maturidade da companhia.
Por fim, deve ser feita a avaliação periódica de desempenho do conselheiro independente para garantir que este se mantém alinhado aos objetivos corporativos e às expectativas da organização7.
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IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores práticas de governança corporativa. 6. ed. São Paulo: IBGC, 2023. Disponível em: https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/24640/2023_C%c3%b3digo%20das%20Melhores%20Pr%c3%a1ticas%20de%20Governan%c3%a7a%20Corporativa_6a%20Edi%c3%a7%c3%a3o.pdf
BRANDÃO, Rute. O papel do conselheiro independente no aperfeiçoamento da governança corporativa. R. Saldanha, 3 dez. 2021.
MONKS, R. A. G.; MINOW, N. Corporate governance. New York: John Wiley & Sons, 2011.
3 https://www.b3.com.br/data/files/81/15/35/22/3762F510ACF0E0F5790D8AA8/regulamento-do-novo-mercado-vigente-apos-06022006.pdf
4 CBGC: Companhias abertas / Grupo de Trabalho Interagentes; coordenação Instituto Brasileiro, de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2016.
5 IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 5a. ed. São Paulo, SP: IBGC, 2015. p. 43.
6 O serviço de processo seletivo pode, inclusive, ser terceirizado se assim desejar a organização.
7 A mesma sistemática de avaliação periódica deve ser adotada para os conselheiros administrativos.
Ronaldo Corrêa Martins
Fundador e CEO do Escritório RONALDO MARTINS & Advogados, fundado em 22/03/1990. Formado em: Ciências Econômicas, Ciências Contábeis e Direito.