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Cláusula break-up fee: Definição, natureza jurídica e sua aplicação nas operações societárias

O artigo aborda a cláusula break-up fee em operações societárias, analisando sua definição, natureza jurídica (cláusula penal ou garantia) e consequências. Destaca a importância da redação clara para evitar litígios.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Atualizado às 10:01

1. Definição de break-up fee

Comum em operações de fusões e aquisições (M&A), mas não se limitando a elas, a break-up fee é uma cláusula contratual originária do Direito internacional (common law), destinada a proteger as partes envolvidas na negociação. Essa cláusula prevê o pagamento de uma multa no caso de não conclusão do negócio ou operação, oferecendo maior segurança jurídica aos envolvidos.

Embora seja comum em contratos internacionais, a break-up fee tem plena aplicação nas relações internas brasileiras. Para uma melhor compreensão do tema a professora Judith Martins Costa1, por exemplo, define a cláusula como:

"um dos mecanismos de alocação do risco característico do período intercalar, ou interim period. Esse mecanismo tem como peculiaridade o pagamento de uma soma pecuniária pelo vendedor e/ou pela sociedade-alvo ao comprador em virtude da desvinculação da contratação, comumente permitida em razão do surgimento de um terceiro ofertante, nas alienações de companhias."

Marcelo Vieira von Adamek2, por sua vez, afirma que a break-up fee é: 

"uma cláusula que prevê o pagamento de uma "multa compensatória" como consequência a ser imposta caso configuradas algumas situações fáticas descritas no contrato."

Na obra "A Cláusula de Declarações e Garantias em Aquisições de Empresas no Direito Brasileiro", Marcelo Vieira von Adamek e Andre Conti3 apresentam importantes colocações sobre o instituto.

Em seu estudo sobre a relação jurídica contratual, os autores identificam, além das obrigações primárias e da responsabilidade secundária por inadimplemento, um terceiro grupo de regras que, embora não se enquadrem nas categorias anteriores, também vinculam as partes.

Destacam-se, dentre essas cláusulas, as condições suspensivas e resolutivas, que definem, respectivamente, o início de vigência e a resolução do contrato, bem como as multas aplicáveis em casos de omissão de certos atos ou na verificação de determinados fatos. Essas regras acessórias são fundamentais para a dinâmica contratual, sendo a break-up fee uma dessas regras acessórias comumente utilizado nas operações de M&A.

Em outras palavras, a break-up fee atua como uma multa contratual em caso de insucesso do negócio, visando principalmente a alocação dos riscos inerentes às operações de M&A. 

A break-up fee também serve como uma forma de compensação ao comprador, considerando os custos da fase pré-contratual, que envolve etapas como estruturação do negócio, valuation da sociedade-alvo, due diligence, auditoria e pareceres. Essa fase exige um alto investimento por parte do comprador, e a cláusula de break-up fee garante que, em caso de insucesso, os custos suportados sejam, ao menos em parte, compensados.

Apesar de ser genericamente definida como multa contratual, a natureza jurídica da break-up fee no Direito brasileiro é objeto de debate. Dependendo do contexto, pode ser interpretada como cláusula penal (compensatória ou moratória) ou cláusula de garantia, cada qual com diferentes consequências jurídicas.

2. Natureza jurídica: Cláusula penal ou garantia

O art. 408 do CC aborda a cláusula penal e destaca sua aplicação em casos de comportamento culposo por parte do devedor. O texto do artigo afirma: "Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora."

Usualmente, a doutrina identifica dois tipos de cláusula penal: a moratória e a compensatória. A primeira possui uma função coercitiva, enquanto a segunda tem como objetivo o ressarcimento.

Conforme definido por Carlos Roberto Gonçalves4, a cláusula penal é uma "obrigação acessória pela qual se estipula pena ou multa, destinada a evitar o inadimplemento ou o retardamento de seu cumprimento"

Segundo o autor, esse instituto desempenha uma dupla função no âmbito do negócio jurídico: atuar como meio de coerção (intimidação) para compelir o devedor a cumprir a obrigação, evitando assim o pagamento da penalidade, e servir como prefixação de perdas e danos (ressarcimento) devidos em razão do inadimplemento do contrato.

Por outro lado, é comum na prática comercial a estipulação de multas para atos ou fatos que não decorrem do comportamento culposo de uma das partes, não se encaixando, portanto, nas hipóteses de cláusula penal. Essas multas são comumente denominadas cláusulas de garantia.

A break-up fee, por ser um instrumento de alocação de riscos em casos de descontinuidade da negociação societária, pode assumir diferentes naturezas jurídicas. No entanto, é comum encontrar na doutrina e na jurisprudência referências que caracterizam a break-up fee apenas como uma cláusula penal do tipo compensatória. 

Marcelo Vieira von Adamek5, por exemplo, definiu a break-up fee como "uma cláusula que prevê o pagamento de uma multa compensatória". Essa concepção também é frequente em precedentes judiciais.

O TJ/SP, ao julgar a apelação cível 1099814-66.2017.8.26.0100, que discutia a possibilidade de perdas e danos em decorrência de uma operação societária realizada em desacordo com um memorando de entendimentos prévio, referiu-se à break-up fee como "cláusula compensatória, usualmente denominada break-up fee"

Ao tratarem a break-up fee como cláusula compensatória, as decisões acabam por inseri-la nos limites da cláusula penal, a qual, juntamente com perdas e danos, juros, correção monetária e honorários advocatícios, compõem os cinco consectários previstos no CC.

Esses consectários, entretanto, não estabelecem os limites do que pode ser previsto em contratos a respeito dos modos de indenizar as partes ou alocar riscos. A autonomia privada permeia o CC, especialmente no tratamento dado às relações contratuais. 

O art. 421 do CC menciona expressamente o exercício da liberdade contratual, enquanto o art. 425 reconhece a licitude de contratos atípicos. Ou seja, na ausência de estipulação ilícita, as partes são livres para inovar nas relações contratuais e adotar cláusulas de origem estrangeira.

Assim, a adoção de cláusulas originárias do Direito estrangeiro, como a break-up fee em contratos de operações societárias, particularmente na fase negocial, não encontra obstáculos no Direito Civil brasileiro. Contudo, o tratamento deve estar de acordo com as leis brasileiras, buscando-se uma compatibilização da ferramenta contratual com os institutos jurídicos aqui vigentes. 

O problema surge, porém, quando a break-up fee não pode ser classificada somente como uma cláusula penal do tipo compensatória, considerando que as situações que levam à sua aplicação são bastante variadas, como a quebra na obrigação de apresentação de documentos ou a não aprovação da operação societária pelo CADE.

Portanto, há casos em que a break-up fee incide quando há um inadimplemento culposo do comprador e outros em que o contrato não se conclui por atos ou fatos que não podem ser atribuídos a culpa das partes. Essa diferenciação é importante, pois, conforme já mencionado, a cláusula penal exige necessariamente comportamento culposo (art. 408 do CC) e a break-up fee não é utilizada apenas para situações de não conclusão da negociação por comportamento de uma das partes.

Nos casos em que a break-up fee se aplica devido à descontinuidade da negociação societária por atos ou fatos não imputados às partes, a cláusula possui a natureza jurídica de garantia, sendo sua finalidade apenas a alocação de riscos, sem a função indenizatória ou coercitiva das multas compensatórias e moratórias.

Enquanto a cláusula penal reforça o cumprimento da obrigação, a obrigação de garantia, geralmente associada a contratos de seguro, envolve a transferência de riscos. Portanto, quando a break-up fee incide por inadimplemento culposo, ela assume a natureza de cláusula penal e seu objetivo é compensar prejuízos ou penalizar a parte inadimplente. 

Entretanto, se a cláusula prevê multa para casos de não realização da operação societária por atos ou fatos não imputados às partes, como a desaprovação pelo CADE, trata-se de uma cláusula de garantia para alocação de riscos.

Dada a diversidade de naturezas jurídicas, é preciso considerar as diferentes consequências jurídicas que cada tipo de break-up fee pode atrair.

3. Consequências jurídicas

Um dos principais efeitos de compreender a classificação da modalidade do instituto é que, se a break-up fee for caracterizada como cláusula penal (compensatória ou moratória), ela está sujeita à regra do art. 413 do CC. Isso significa que pode haver uma redução equitativa da penalidade feita pelo judiciário nos casos de cumprimento parcial da obrigação principal ou quando o valor da penalidade for considerado manifestamente excessivo.

Se a natureza jurídica for de garantia, para alocação de riscos por atos ou fatos não decorrentes de culpa das partes, a redução da penalidade com base no art. 413 do CC não é possível.

A cláusula penal, mesmo a compensatória, tem função punitiva. A penalidade, aplicada ao comportamento da parte, justifica a possibilidade de redução do valor pelo juiz para evitar distorções, como o enriquecimento sem causa.

A proporcionalidade da punição é um princípio importante no ordenamento jurídico, presente na dosimetria das penas em processos penais e administrativos. O CC considera a equidade e a não excessividade como parâmetros para a redução da penalidade contratual, ambas fundamentadas na proporcionalidade.

Quando a break-up fee serve apenas de garantia, seu objetivo é ressarcir uma das partes pelos custos da negociação frustrada. Não se trata de penalizar, mas de garantir a recuperação financeira pelos riscos assumidos. A função de 'seguro' se destaca. Assim como nos contratos de seguro não se reduz o prêmio por equidade, o valor da garantia não pode ser modificado, sob pena de distorcer o instituto.

4. Conclusão

A cláusula break-up fee, uma prática importada do Direito estrangeiro, tem se tornado cada vez mais comum em operações societárias no Brasil, especialmente em fusões e aquisições. Como foi demonstrado, sua natureza jurídica multifacetada exige atenção, já que pode ser classificada como cláusula penal (seja compensatória ou moratória) ou como cláusula de garantia, dependendo do contexto e das motivações para sua aplicação. 

Essa diferenciação impacta diretamente as consequências jurídicas, especialmente no que diz respeito à possibilidade de redução da penalidade com base no art. 413 do CC.

É crucial que os operadores do Direito, em especial aqueles envolvidos em negociações societárias, compreendam as nuances da break-up fee e suas implicações práticas. 

A redação clara e precisa das cláusulas nos contratos é essencial para evitar ambiguidades e litígios futuros. Recomenda-se que o contrato detalhe as situações que ensejam o pagamento da break-up fee, o valor da multa, e esclareça sua natureza jurídica, especificando se se trata de uma cláusula penal ou de garantia.

É importante fazer essa distinção, pois uma interpretação equivocada pode levar à redução indevida por parte do Judiciário (art. 413 do CC), especialmente se uma cláusula prevista como garantia for interpretada como penal. 

Com efeito, a break-up fee surge como um instrumento importante para a alocação de riscos em operações societárias, conferindo maior segurança jurídica às partes envolvidas. 

No entanto, seu uso requer cuidado e diligência para garantir que a cláusula seja redigida adequadamente e que seus efeitos sejam bem compreendidos por todos os envolvidos. Esses cuidados são essenciais para que a cláusula atinja seu objetivo. 

___________

1 MARTINS COSTA, Judith. A cláusula break up fee: qualificação perante o direito brasileiro. Revista de Direito Societário e M&A. vol. 1. ano 1. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2022. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0a89d93d000001939b735c607a4d2a56&docguid=Ic59b1a50e61911ec960fd1542da0bc67&hitguid=Ic59b1a50e61911ec960fd1542da0bc67&spos=5&epos=5&td=9&context=23&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 21/11/2024.

2 ADAMEK, Marcelo Vieira von. No-shop, break-up fee e fiduciary out em contratos preparatórios a operações de fusões e aquisições (m&a): validade e compatibilidade com os deveres fiduciários dos administradores. Revista de Direito Societário e M&A. vol. 1. ano 1. São Paulo: Ed. RT, jan.- jun. 2022. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0a89d93d000001939b72c27cf6992e36&docguid=Ic50283d0e61911ec960fd1542da0bc67&hitguid=Ic50283d0e61911ec960fd1542da0bc67&spos=4&epos=4&td=9&context=13&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 22/11/2024.

3 ADAMEK, Marcelo; CONTI, André. 1. Negócio Jurídico Como Fato In: ADAMEK, Marcelo; CONTI, André. A Cláusula de Declarações e Garantias em Aquisições de Empresas no Direito Brasileiro - Ed. 2024. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2024.

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 1 esquematizado: parte geral, obrigações, contratos. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

5 ADAMEK, Marcelo Vieira von. No-shop, break-up fee e fiduciary out em contratos preparatórios a operações de fusões e aquisições (m&a): validade e compatibilidade com os deveres fiduciários dos administradores. Revista de Direito Societário e M&A. vol. 1. ano 1. São Paulo: Ed. RT, jan.- jun. 2022. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0a89d93d000001939b72c27cf6992e36&docguid=Ic50283d0e61911ec960fd1542da0bc67&hitguid=Ic50283d0e61911ec960fd1542da0bc67&spos=4&epos=4&td=9&context=13&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 22/11/2024.

Ana Paula Dezem Nava

Ana Paula Dezem Nava

Advogada de Contratos e Societário no GHBP Advogados

Eduardo Almeida Fabbio

Eduardo Almeida Fabbio

Advogado no GHBP Advogados. LL.M. em Direito Corporativo pelo IBMEC (cursando), pós-graduado em Direito Empresarial pela Escola Brasileira de Direito e pós-graduado em direito internacional pela Escola Paulista de Direito.

Heleno Aparecido Facco Junior

Heleno Aparecido Facco Junior

Advogado Cível e Empresarial no GHBP Advogados. Professor universitário na faculdade Anhanguera e na ESA/OAB. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Empresarial e Direito e Processo Civil pela Universidade União das Américas; Membro da Comissão New Generation do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara do Comércio Brasil-Canadá.

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