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Acesso ao tratamento do autismo: Reflexões jurisprudenciais no contexto brasileiro

A jurisprudência tem sido decisiva para assegurar o tratamento do autismo, enfrentando barreiras por planos de saúde e órgãos públicos. Entenda as conquistas recentes e os desafios ainda pendentes.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Atualizado às 10:39

Introdução

O autismo é um transtorno do desenvolvimento que afeta milhões de pessoas ao redor do mundo. No Brasil, a preocupação com a qualidade de vida e o acesso aos direitos das pessoas com autismo tem sido uma pauta crescente. Nesse contexto, a jurisprudência dos tribunais pátrios desempenha um papel fundamental na garantia dos direitos e no acesso aos tratamentos adequados.

Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre jurisprudência e autismo, destacando a importância das decisões judiciais para assegurar os direitos das pessoas com autismo no Brasil.

Legislação e direitos das pessoas com autismo

Antes de adentrar na análise da jurisprudência, é fundamental compreender a legislação que ampara os direitos das pessoas com autismo no país. A lei brasileira de inclusão (lei 13.146/15) é uma das principais normativas que visa garantir a inclusão e a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência, incluindo aquelas com autismo. Essa lei assegura o direito à saúde, à educação, ao trabalho e a outros aspectos fundamentais da vida das pessoas com autismo.

A importância da jurisprudência dos tribunais pátrios no acesso aos tratamentos

A jurisprudência vem desempenhando um papel crucial no acesso aos tratamentos para o autismo. Muitas vezes, as famílias enfrentam obstáculos burocráticos e financeiros para obter os tratamentos necessários. Nesse sentido, as decisões judiciais têm o poder de garantir o acesso aos tratamentos, quando estes são negados ou negligenciados por órgãos públicos ou planos de saúde.

Recentemente, A seção cível do TJ/PE julgou o IAC - Incidente de Assunção de Competência 0018952-81.2019.8.17.900 1, sobre a responsabilidade dos planos de saúde pelas despesas com tratamento multidisciplinar e terapias especiais aplicadas a pessoas com TEA - Transtorno do Espectro Autista.

O órgão colegiado do Tribunal, de forma unânime, negou provimento à apelação de um plano de saúde e ainda fixou nove teses jurídicas que garantem e definem o custeio e a cobertura por meio das operadoras de planos de saúde para o tratamento multidisciplinar envolvendo os métodos ABA, BOBATH, HANEN, PECS, PROMPT, TEACCH e Integração Sensorial e as terapias especiais hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade.

O julgamento do IAC fixou as seguintes nove teses jurídicas

Tese 1.0 - Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários com o Transtorno do Espectro Autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico ou dentista assistente para tratar a doença ou agravo do paciente, nos termos da Resolução Normativa da ANS nº 465/2021, (com a redação dada pela Resolução da ANS nº 539/2022), inclusive em ambiente escolar e domiciliar, à luz do disposto na Lei nº 12.764/2012 art. 3º, I, II e parágrafo único.

Tese 1.1 - Os requisitos necessários para que o profissional de saúde seja considerado especialista nos métodos ABA (análise do comportamento aplicada), BOBATH, HANEN, PECS, PROMPT, TEACCH e INTEGRAÇAO SENSORIAL, de acordo com o art. 6º da Resolução Normativa da ANS nº 465/2021, deve estar conforme legislação específica sobre as profissões de saúde e regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais.

Tese 1.2 - Comprovada a inaptidão e/ou indisponibilidade da rede credenciada para oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente com TEA - Transtorno do Espectro Autista, cabe o custeio pelo plano de saúde do mesmo tratamento na rede particular, consoante dispõe a Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS.

Tese 1.3 - O reembolso

a) será nos termos do contrato, consoante previsto no art. 12, VI, da Lei 9.656/1998, para os casos em que, mesmo havendo a prestação adequada do serviço de saúde na rede credenciada, o beneficiário optar por realizá-lo na rede particular;

b) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, quando a operadora descumpre o seu dever de garantir o atendimento, ante a indisponibilidade ou inexistência de prestador integrante da rede assistencial conveniada, nos termos do art. 9º da Resolução da ANS nº 259/2011

c) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, na hipótese em que, por recusa manifestamente indevida de cobertura pelo plano de saúde, o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento.

Tese 1.4 - A negativa de custeio das terapias multidisciplinares de cobertura contratual obrigatória para tratamento do Transtorno do Espectro Autista poderá ensejar reparação por danos morais, mesmo antes da entrada em vigor da Resolução Normativa da ANS nº 539/2022.

Tese 2.0 - As terapias especiais de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade, quando aplicadas por profissionais da área de saúde, têm obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras de planos de saúde.

Tese 2.1 - Comprovada a inaptidão e/ou indisponibilidade da rede credenciada para oferecer atendimento por prestador apto a executar as terapias especiais de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade, indicadas pelo médico assistente para tratar doença ou agravo do paciente com TEA - Transtorno do Espectro Autista, cabe o custeio pelo plano de saúde do mesmo tratamento na rede particular, consoante dispõe a Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS.

Tese 2.2 - O reembolso para as terapias especiais de cobertura obrigatória de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade

a) será nos termos do contrato, consoante previsto no art. 12, VI, da Lei 9.656/1998, para os casos em que, mesmo havendo a prestação adequada da terapia na rede credenciada, o beneficiário optar por realizá-la na rede particular; b) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, quando a operadora descumpre o seu dever de garantir o atendimento, ante a indisponibilidade ou inexistência de prestador integrante da rede assistencial conveniada, nos termos do art. 9º da Resolução da ANS nº 259/2011;

c) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, por recusa manifestamente indevida de cobertura pelo plano de saúde, o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento.

Tese 2.3 - A negativa de custeio das terapias especiais de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade de cobertura contratual obrigatória para tratamento do Transtorno do Espectro Autista enseja reparação por danos morais, a partir da entrada em vigor da Resolução Normativa da ANS nº 539/2022, que as regulamentou.

Como observado no julgado do IAC acima, a jurisprudência tem se mostrado um instrumento efetivo para assegurar que as pessoas com autismo recebam o suporte terapêutico adequado para o seu desenvolvimento e qualidade de vida.

Jurisprudência sobre o tratamento do autismo no Brasil

No Brasil, tem havido uma evolução na jurisprudência relacionada ao tratamento do autismo. Diversas decisões judiciais têm reconhecido o direito das pessoas com autismo a terem acesso a tratamentos específicos, como terapias comportamentais, terapia ocupacional, fonoaudiologia, entre outras abordagens terapêuticas. Além disso, essas decisões têm buscado garantir a oferta de tratamentos de forma contínua e integral, considerando as necessidades individuais de cada pessoa com autismo.

Em julgado importante para o tema, a 3° tuma do STJ negou provimento a recurso especial da Amil Assistência Médica Internacional que questionava a cobertura do tratamento multidisciplinar - inclusive com musicoterapia - para pessoa com TEA - transtorno do espectro autista e a possibilidade de reembolso integral das despesas feitas pelo beneficiário do plano de saúde fora da rede credenciada2.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, comentou que, embora a 2° seção do STJ tenha considerado taxativo o rol de procedimentos da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, o colegiado, no mesmo julgamento do ano passado (EREsp 1.889.704), manteve decisão da 3° turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de terapias especializadas prescritas para tratamento de TEA.

A ministra destacou que, após várias manifestações da ANS reconhecendo a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais de desenvolvimento, a agência reguladora publicou a RN - Resolução Normativa 539/22, que ampliou as regras de cobertura assistencial para TEA. A agência também noticiou a obrigatoriedade da cobertura de quaisquer métodos ou técnicas indicados pelo médico para transtornos globais de desenvolvimento.

Desafios e perspectivas futuras

Apesar dos avanços na jurisprudência relacionada ao autismo, ainda existem desafios a serem enfrentados. A disponibilidade, acessibilidade e financiamento dos tratamentos continuam sendo obstáculos para muitas famílias. É necessário um esforço conjunto dos poderes públicos, profissionais da saúde, advogados e sociedade civil para superar essas barreiras e garantir que todos os indivíduos com autismo tenham acesso aos tratamentos necessários.

Conclusão

A jurisprudência desempenha um papel crucial na garantia dos direitos das pessoas com autismo. As decisões judiciais têm o poder de assegurar o acesso aos tratamentos e terapias necessários, além de promover a inclusão e a igualdade de oportunidades para as pessoas com autismo. No Brasil, é fundamental que a jurisprudência continue avançando e se adaptando às demandas específicas do autismo, garantindo que os direitos das pessoas com autismo sejam respeitados e efetivamente aplicados. A sociedade como um todo deve se unir para promover a conscientização, a inclusão e o acesso aos tratamentos para as pessoas com autismo.

________

1 https://www.tjpe.jus.br/-/tjpe-julga-iac-e-fixa-teses-juridicas-que-obrigam-os-planos-de-saude-a-custear-o-tratamento-multidisciplinar-de-pessoas-com-autismo-abrangendo-metodos (acesso em 22/05/2023)

2 https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2275664&num_registro=202203866750&data=20230323&formato=PDF (acesso em 22/05/2023)

3 Lei nº 13.146/2015- https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

4 Resolução Normativa (RN) 539/2022- https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=textoLei&format=raw&id=NDI1Ng==

5 Anderson Brito, advogado, graduado em Direito pelo Centro Universitário FBV/Wyden; Pós-graduado em Direito Público, pela Faculdade Damasio. Atua nas áreas cíveis, consumidor, previdenciário e direito da saúde.

6 https://www.tjpe.jus.br/-/tjpe-julga-iac-e-fixa-teses-juridicas-que-obrigam-os-planos-de-saude-a-custear-o-tratamento-multidisciplinar-de-pessoas-com-autismo-abrangendo-metodos (acesso em 22/05/2023)

7 https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2275664&num_registro=202203866750&data=20230323&formato=PDF (acesso em 22/05/2023)

Leonardo Lins e Silva

VIP Leonardo Lins e Silva

Sócio Fundador, especialista em Direito Empresarial e Tributário, formado em Direito pela UNICAP, com pós em Processual Civil, Mestrado em Direito Tributário e Doutorando em Contabilidade (Fucape).

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